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Chegou a era do videofone

Como um novo telemóvel que permite chamadas com imagens vai mudar de vez a maneira como nos comunicamos. “Inventar coisas que as pessoas nem sabem que precisam.” Transformada numa espécie de mantra, essa frase, durante décadas, estimulou os funcionários da fabricante americana de electrónicos Apple a criar produtos que revolucionaram mercados e tornaramse sucessos comerciais indiscutíveis, como o tocador de música iPod e o computador portátil iPad.

Numa atitude rara na sua história, porém, no mês passado a empresa liderada pelo mítico Steve Jobs seguiu noutra direcção para chegar ao mesmo lugar.

Lançado em Setembro em São Francisco, na Califórnia, o novo telemóvel da Apple, o iPhone 4, nasce sem esse apelo desnorteante, mas pode ter dado início a uma nova era na forma com que as pessoas se comunicam.

Desta vez, o usuário sabe exactamente porque precisa do aparelho. No caso, falar ao telefone enquanto vê o interlocutor e é visto por ele. Em vez de inventar uma necessidade, a empresa de Jobs empenhou-se em trazer à luz um equipamento que dá vários passos fundamentais para viabilizar e popularizar o velho sonho da humanidade de ter um videofone privado, funcional e, sobretudo, portátil.

“Cresci a assistir aos comunicadores dos “Jetsons” e de “A Caminho das Estrelas” na televisão, sonhando com videochamadas. E isso é real agora”, afirmou Jobs durante a apresentação do aparelho.

Tanto na ficção como na vida real, os consumidores ávidos de novidades tecnológicas salivam por um lançamento desse tipo desde 1927. Naquele ano, chegou ao cinema o filme “Metropolis”, que, apesar de mudo, trazia cenas em que personagens usavam um aparelho que fundia telefone e transmissor e receptor de vídeo em tempo real.

Foi também em 1927 que um secretário de Estado americano fez a primeira ligação com um ancestral do videofone, de Washington a Nova York.

De lá para cá, várias empresas, inventores e até cidades lançaram-se na aventura de tentar fornecer produtos e serviços que tornassem corriqueira essa promessa tecnológica quase centenária. Nenhum plano ou produto vingou.

O caso mais longevo aconteceu na cidade francesa de Biarritz, onde nos anos ´80 os moradores passaram uma década a conversar com a imagem do interlocutor numa tela. A falta de adesão deu um fim a esse serviço, que mais se parecia com as ligações em vídeo por Skype e com webcam, já corriqueiros nos dias de hoje, mas que, por dependerem de computadores para fazer a conexão, ainda não cabem no bolso.

Ter muitos usuários também não resolve a questão. Bons de venda, modelos recentes de telemóveis capazes de operar o milagre da troca de sons e imagens – caso do Nokia N900 e do HTC EVO – não tiveram força suficiente para anunciar uma nova era com videofones espalhados pelos cinco continentes. Então, porque pode resultar agora? E por que com o aparelho da Apple?

As respostas que valem muitos biliões de dólares estão no dom de Steve Jobs de criar mercados a partir dos seus produtos. Na sua estratégia, a empresa aposta num campeão de vendas – em Setembro a Apple comemora a comercialização de 100 milhões de unidades das versões anteriores do iPhone – como veículo para a popularização da nova tecnologia.

Mais que isso, permitiu um esquema que permite ao consumidor utilizar esse tipo de aparelho sem deixar uma fortuna todos os meses na operadora de telemóvel – afinal, transmitir imagens num sistema em que a conta é baseada em pacotes de dados restringiria o uso do videofone a uma meia dúzia de milionários.

Pelo sistema utilizado actualmente nos Estados Unidos – com a chamada tecnologia 3G –, ao fazer as suas videoligações, o usuário de um plano básico da operadora AT&T, que tem o monopólio dos serviços com iPhone no País, gastaria numa hora cerca de 84% dos dados a que teria direito ao longo de 30 dias.

Isto porque a transmissão de imagens exige muito mais das redes de telecomunicações do que a de voz. A questão custo é tão importante que a primeira reacção da própria AT&T foi cancelar os pacotes de dados ilimitados, temendo que as videochamadas sobrecarregassem as suas redes e gerassem prejuízos.

Para driblar problemas como esse, o iPhone 4 só fará ligações com imagens em ambientes que contam com sistema wi-fi, de Internet sem fio, nos quais a cobrança não tem como base o volume de dados transmitidos.

Além disso, as chamadas com vídeo só são possíveis de iPhone para iPhone. Manter sistemas incompatíveis com as demais marcas é uma característica recorrente em novidades da Apple. Poderia ser um problema que inibiria a disseminação da tecnologia.

Só que a prática tem mostrado que, para satisfazer os seus consumidores, a concorrência acaba por ter de voltar atrás e oferecer produtos semelhantes. Aconteceu com o iPod, com o sistema de telas sensíveis ao toque do iPhone e, mais recentemente, com a geração de computadores portáteis iPad.

Se ocorrer novamente agora, foi dada a partida para a corrida do videofone. “Todas as vezes que a Apple aparece com essas novidades, obriga as outras a mexerem-se”, concordam muitos especialistas em desenvolvimento dos media móveis.

Por outro lado, as operadoras trabalham para deixar a tecnologia 3G mais barata e eficiente. Até lá, o videofone vai funcionar muito bem com o sistema desenvolvido pela equipa de Jobs. Principalmente nos países mais desenvolvidos, onde há conexão do tipo wi-fi em quase todos os lugares.

Antes de correr atrás da Apple, os concorrentes reagiram mostrando que boa parte das tecnologias anunciadas por Jobs já estava incorporada nos seus produtos. A Motorola tem dois aparelhos com videoconferência. A empresa nega falar sobre futuros lançamentos e possibilidades.

No portfólio actual da Nokia, são nove os telemóveis que suportam chamadas em vídeo. O primeiro aparelho da empresa com capacidade de videochamada foi o 6650, lançado em 2002.

Em Maio de 2005 foi lançado o Nokia 6680, com câmara frontal dedicada às videochamadas e que trazia um diferencial enorme em relação à Apple: permitia a ligação com aparelhos doutros fabricantes.

A Samsung tem cinco telemóveis que fazem videochamada, lançados de 2009 para cá. O problema é que sobram aparelhos, mas faltam planos viáveis de popularização. Pouco adianta ser capaz de mandar e receber voz e imagem, se isso só é feito a preços exorbitantes.

Outra forte arma da Apple para liderar a nova era do videofone é um certo messianismo que reveste todos os anúncios feitos pessoalmente por Jobs. E isso faz os consumidores perderem a sua característica passiva e tornarem-se praticamente divulgadores não remunerados dos produtos da empresa.

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