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Carta aberta aos portugueses que querem vir (ou já vieram) para Moçambique, por Núria Negrão

Deixem-me começar pelo óbvio:

1 – Nem todos os portugueses são maus.

Eu diria até que a maioria não é!

Os portugueses são como todas as outras nacionalidades – há de tudo! Tenho família, amigos e conhecidos portugueses, sei muito bem que em geral estas pessoas são honestas, trabalhadoras, simpáticas, etc…

 

2 – Nem todos os moçambicanos são bons. Como os portugueses – há de tudo! Mas a maioria é boa gente!

 

Por isso peço desde já que me poupem a comentários sobre a qualidade dos portugueses e/ou moçambicanos.

3 – Os portugueses têm o direito de emigrarem do seu país à procura de melhores condições de vida.

Este direito é válido para todas as nacionalidades! A única reserva é que têm de respeitar as leis, costumes e cultura do país para onde forem. Se não gostam, estão livres de arrumar as malas e ir para outro país que tenha leis, costumes e cultura que mais lhes agradem.

Por isso, não me venham com papos de coitados dos “tugas”. Eles podem vir para Moçambique quando quiserem desde que respeitem as nossas leis, costumes e cultura.

Conheço pessoas que estão a ser afectadas pela crise em Portugal, que perderam emprego ou nunca conseguiram arranjar um, simpatizo-me com elas e com as dificuldades que enfrentam neste momento. Espero do fundo do coração que arranjem um emprego com salário digno seja aonde for. No entanto, como disse muito bem o Nuno Rosario – Moçambique não é (nem tem obrigação de ser) boia de salvação para nenhuma crise!

Além do mais, Moçambique também não está assim tão bem. Ano passado chegámos à 14ª posição na lista dos países mais pobres do mundo! http://www.therichest.org/world/poorest-countries-in-the-world/

Com um PIB per capita de $1.083,00 ($3,00 por dia por pessoa – $1,00 acima da linha da pobreza – em média, a maioria das pessoas vive abaixo de $1,00 por dia que é a linha da pobreza absoluta, a média nacional só fica a $3,00 porque os nossos ricos são mesmo ricos). Com 75% da população a viver de agricultura de subsistência, com um salario mínimo oficial de $60,00 por mês (aqui estão $2,00 por dia por pessoa, numa família com mais de uma pessoa fica logo menos de $1,00 por dia por pessoa)!

Moçambique não tem capacidade para resolver a situação dos portugueses e é injusto pedir isso de nós!

É normal e justo que eu, como moçambicana, me preocupe mais com os problemas dos moçambicanos que com os dos portugueses. Isto é normal para todos os moçambicanos.

4 – Moçambique precisa de mão de obra qualificada. É verdade, Moçambique não tem ainda quadros suficientes para certas posições. Precisamos de importar mão de obra qualificada e com experiência.

Mas não brinquemos, Moçambique não precisa de um influxo de 200 pessoas por mês. Moçambique não tem mercado de trabalho para dar resposta a este excesso de mão de obra. E nem todos os portugueses que estão a vir se enquadram às nossas necessidades.

Por outro lado a taxa de desemprego em Moçambique é de 30%. A maioria dos jovens moçambicanos com formação universitária tem dificuldade em arranjar empregos com um salario digno. Quase todos nós temos mais do que um emprego. Muitos criamos os nossos próprios empregos. Quase todos sentimos que o mercado está cheio, a abarrotar.

Tendo isto em conta, expliquem-me lá muito bem explicadinho aonde é que estes novos imigrantes vão trabalhar. E quanto é que vão receber? Será que vão construir casa como nós fazemos? O que eu vejo é os portugueses a chegarem e a arranjarem emprego e a terem melhores condições que nós… já disse antes e volto a dizer – aqui há gato!

Mas também não é desta situação que quero falar. Acho que este é assunto para outra carta, outra altura. Eu quero é falar sobre a mentalidade de muitos (não todos) portugueses no que diz respeito a Moçambique e aos moçambicanos.

Eu, desde muito pequenina, sou exposta à opinião de muitos (não todos) portugueses sobre os moçambicanos:

– somos burros, incompetentes, incapazes

– corruptos, ladrões e buçais

– ignorantes – nem sequer sabemos falar bem a língua que eles nos deram – e preguiçosos

– tivemos a ousadia de querer ser independentes, quando obviamente não temos capacidade de auto-governação

– vamos para Portugal sem visto, quando queremos e por lá ficamos a roubar e a traficar drogas

– Portugal dá-nos tudo e mais alguma coisa com o dinheiro dos impostos que eles (portugueses) pagam – por outras palavras vivemos às custas deles, do trabalho deles

– e destruímos a terra deles (Moçambique)!

Mas só para não dizerem que este é um mal dos portugueses que eu conheço e que não é representativo do resto da população, eu vou dar aqui exemplos de comentários que pessoas, que eu não conheço, fizeram em posts de outras pessoas no facebook.

Todos os comentários são em resposta a notícias de que Moçambique está a negar entrada a portugueses em situação de visto irregular. Penso que estes comentários resumem a opinião que tenho visto expressa e exemplificam a mentalidade de que falo.

(copiei os posts na íntegra para não ser acusada de tirar as palavras do contexto em que foram ditas)

Exemplo número 1

“Eu ia de porta-helicópteros, 2 submarinos, 3 fragatas e com gente brava, tropa especial. Iam ver o que era limpar corruptos… claro, sem visto… eles iam ver o que era carimbo e afins. É certo que devíamos limpar primeiro a nossa casa mas… Moçambique é a minha terra natal.”

Este é um exemplo característico da mentalidade de que falo. Vejamos:

– Moçambique, um país soberano que nada deve a Portugal, quando se atreve a fazer valer as suas leis de imigração merece ser invadido e recolonizado

– Os invasores são melhores que nós, que afinal somos um bando de corruptos

– As nossas leis (vistos, carimbos e afins) são ridículas

– A pessoa acha que estas medidas são justas, corretas e tomam precedência a corrigir os males de casa uma vez que Moçambique é a sua terra natal – esta última frase é especial, merece um parágrafo só para ela (abaixo).

Moçambique é terra natal de TODOS os que cá nasceram. Os que escolheram ir embora depois da independência, seja por que razão for, não têm mais direitos do que os que aqui ficaram e por cá nasceram depois de eles se terem ido embora. Os moçambicanos que cá ficaram não merecem ser invadidos e recolonizados só porque os que partiram se sentem injustiçados.

Para a grande maioria dos moçambicanos a pobreza em que vivemos é preferível a voltar ao tempo de “um menino de 15 anos chamado de senhor, um homem de 5 filhos chamado de rapaz”, tempo esse que prometemos não esquecer! Eu entendo que para muitos portugueses o tempo que viveram em Moçambique foi idílico.

Entendo que foi difícil e violento deixar tudo o que conheciam e a terra que amavam na altura da independência. Mas não sejam hipócritas – a vossa vida boa era à custa de um sistema injusto e explorador, era à custa de suor e lágrimas de milhões de pessoas!

Moçambique conquistou a sua independência e soberania. Aprendam de uma vez por todas a respeitar esta realidade que é justa!

E se acham assim tão difícil entender que os moçambicanos querem e merecem ser independentes deixem-me lembrar-vos que vocês também lutaram pela vossa independência 2 vezes contra Espanha. Porque é que portugueses insistem em querer ser independentes de Espanha? Nós temos o direito de ser independentes de Portugal da mesma maneira que Portugal tem o direito de ser independente de Espanha.

Exemplo número 2

“Portugal construiu infra-estruturas, perdoou divida, recebeu estudantes para os formar, pondo esses estudantes inclusivamente com prioridade em relação aos nacionais, organizou inúmeras campanhas de solidariedade, etc, etc… Agora que o país se encontra num mau momento, tudo isso é esquecido… Enfim… Nós temos os PALOPs como países irmãos, mas eles não nos tratam da mesma maneira.”

Portugal colonizou e explorou Moçambique e os moçambicanos por 500 anos. Quando digo explorou não estou a exagerar. A título de exemplo, a África do Sul pagava a Portugal (ao banco central de Portugal em Lisboa) metade do salario de cada mineiro moçambicano que estivesse lá a trabalhar. Vou dizer de outra maneira para ficar claro.

Até à independência em 1975, trabalhadores moçambicanos pretos iam para as minas na África do Sul e só recebiam metade do seu salário, a outra metade era paga em ouro ao governo de Portugal, em Lisboa! Moçambique independente nunca viu 1 grama desse ouro. Isto é só um dos exemplos de como Portugal lucrou, e muito, à custa do suor e esforço dos moçambicanos. Lembro mais uma vez que foram 500 anos de exploração!

Durante o tempo da escravatura Portugal raptou e vendeu 1 milhão de moçambicanos; calcula-se que para cada milhão transportado para o “novo mundo” 3 milhões morreram durante o processo! Mesmo depois da escravatura ter acabado os moçambicanos eram obrigados a fazer trabalhos forçados, grande parte das infraestruturas referidas foi construída com mão de obra do chibalo – trabalho forçado a que os ex-escravos eram submetidos até à independência nas colónias portuguesas (http://en.wikipedia.org/wiki/Chibalo).

Hoje os portugueses que vêm para Moçambique são em geral bem recebidos e bem tratados por todos os moçambicanos (tirando os cinzentinhos que tratam mal toda a gente); no entanto os moçambicanos que vão para Portugal são vistos como oportunistas (os estudantes) e ladrões (o resto). Não me venham falar em tratamento de irmão para irmão!

As cidades (e outras infraestruturas) que Portugal construiu em Moçambique não foi para o uso dos moçambicanos, esse ficavam nas palhotas. Portanto nem vale a pena virem-me com histórias de que estas contam como doação do povo português para o povo moçambicano.

Também não me venham dizer que nos últimos 38 anos Portugal “deu” a Moçambique mais do que tirou durante 500 anos. Se querem fazer contas então vamos ser sérios!

Mesmo que tudo o que o autor deste comentário diz fosse verdade, as ajudas que os portugueses deram aos moçambicanos não lhes dá o direito de agora virem ignorar as nossas leis.

Exemplo número 3

“Os Tugas abrem as portas a toda a gente, mas quando é ao contrário a coisa muda de figura… todos têm direito a uma oportunidade de melhorar as suas condições de vida, desde que respeitem o país, os cidadãos e os costumes do sítio para onde vão. Não vejo qual é o mal de se ir com um visto de turismo procurar emprego… Para se ter um visto de trabalho presumo que seja necessário um contrato!”

Portugal não abre, nem nunca abriu, as portas a toda a gente. A politica de imigração oficial para Portugal sempre foi uma de entrada regulada pela emissão de um visto no país de origem. Tratar do visto para Portugal é hoje, e sempre foi, uma dor de cabeça para os moçambicanos.

Moçambique, pelo contrário, tinha aberto as portas aos portugueses que eram autorizados a obter visto de fronteira. Até que os portugueses abusaram destas facilidades tropicais e obrigaram o governo moçambicano apertar as medidas!

Os portugueses têm o direito de procurar emprego e melhores condições de vida, mas Moçambique não tem obrigação de resolver os problemas dos portugueses.

Obter autorização de entrada num país citando um objectivo quando na verdade se tem outro é no mínimo desonesto. Eu entendo que essa é a única solução em certas situações, mas por favor entendam que qualquer país tem o direito de se defender contra estes tipos de estratagemas. Da mesma maneira que Portugal se defende com as suas exigências para o visto, Moçambique também se pode e deve defender.

A imigração em massa de portugueses para Moçambique não é só um problema dos portugueses. É um problema dos moçambicanos também! É normal e justo que Moçambique esteja mais preocupado com a parte que toca aos moçambicanos do que com a parte que toca aos portugueses.

Com tudo isto eu quero dizer aos portugueses que desejam vir para cá, ou já cá estejam:

Hoyo hoyo, sejam bem vindos!

Mas não se esqueçam:

Vocês é que querem vir para cá. Vocês é que são o estrangeiro. Vocês é que têm de se adaptar. Os moçambicanos podem ter todos os defeitos do mundo (e muitos têm). Mas vocês querem imigrar para o nosso país!

Isto não é a vossa terra. Os nossos países têm uma história infeliz. As atitudes a que me refiro acima não são só infelizes no sentido que fazem todos os portugueses parecer mal, mas são também perigosas porque remexem em ódios recalcados e os trazem ao de cima.

Batam bola baixa!

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