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Cantor desiste da música devido à pirataria

Carlitos Namakotto é natural de Nampula. Tem 45 anos de idade e é pai de 21 filhos. Desde a infância que se dedica à música porque, como diz, nasceu num ambiente em que cantar era um meio para a sobrevivência. Actualmente, o artista já não canta. Abandonou a música por causa de um mal que se faz perene – a pirataria.

Ao certo, Carlitos não sabe quando é que o seu gosto pelas actividades culturais nasce. A verdade é que durante a sua infância viveu num ambiente de dinamismo artístico-cultural. “No princípio, eu gostava de dançar em cerimónias sociais como, por exemplo, casamentos da igreja, nas festividades pascais e do Natal”, refere.

Além de dançar e cantar, ele é também apaixonado pelas artes visuais. Dedica-se à escultura, e produz diversas estruturas aplicando materiais como o pau-preto, o pau-rosa, o matope e o barro. Por isso, “gosto de usar as minhas próprias mãos para criar. É assim que dou azo à minha imaginação, e à inspiração”.

Namakotto começou a apreciar o canto em 1987, altura em que se juntou ao grupo de dança do Museu Nacional da Etnologia, no qual permaneceu até 1994. No mesmo ano, o artista desenvolveu um trabalho de escultura, o que, imediatamente, o levou a esmerar-se naquele ofício. Em 1990 começa estudar artes visuais.

“Cresci num ambiente em que os jovens criavam e realizavam eventos culturais. Nós não conhecíamos a técnica da coreografia, do compasso de um bailado, mas o nosso trabalho possuía uma qualidade elevada”.

Com a experiência que adquiriu durante a juventude, em 1993, criou um projecto de pesquisa de miscigenação cultural. A empreitada científica envolveu as três províncias da região Norte do país, nomeadamente Cabo Delgado, Niassa e Nampula.

De acordo com Carlitos Namakotto, a pesquisa foi financiada pelo Governo dos Países Baixos e da Dinamarca e tinha como objectivo identificar as culturas do povo de Moçambique e como ele vivia, uma vez que durante a guerra dos 16 anos, em Moçambique, houve uma grande movimentação de famílias.

Durante a investigação foi identificada a introdução de novas danças como, por exemplo, a makwaela, a timbila e o nhambaro vindas das províncias de Maputo, Sofala e Zambézia e praticadas em Nampula.

Refira-se que o projecto de pesquisa contou com a participação do Museu Nacional de Etnologia, instituição que usou os resultados do mesmo para os expor na cerimónia da sua reabertura. Depois da colecta de dados, no norte do país, realizou-se um evento em que se fez a exposição dos mesmos.

A mostra tinha por objectivo relançar a imagem do museu, nos primeiros anos depois da guerra civil. Algum tempo depois, criou-se ainda uma escola de danças tradicionais.

Igualmente, a Associação Cultural Casa Velha instalou a sua delegação provincial em Nampula. O seu objectivo era estimular as actividades culturais naquela parcela do país, o que, em parte, revolucionou a actuação dos artistas locais. Com base no apoio financeiro de organizações não-governamentais, foram desenhados projectos de capacitação da juventude em associativismo.

Um bom gestor cultural

Carlitos Namakotto recorda-se de que “quando criei a Casa Velha de Nampula formei jovens capazes de fazer aquilo que faço. Na altura, quis alargar as minhas actividades culturais na província e, por essa via, gerar dinheiro”.

Em 1997, a convite da UNESCO, Carlitos Namakotto passou a trabalhar na cidade da Beira no projecto “Iniciativa Jovem”, que tinha como objectivo capacitar os jovens sem acesso à escola em diversas matérias para evitar a sua marginalização social. No centro, os jovens escolhiam o ramo de actividade cultural em que poderiam explorar novos conhecimentos e técnicas de actuação.

Devido ao sucesso que o trabalho de sensibilização tinha na sociedade, o governo local abraçou o projecto e começou a formar activistas jovens que passaram a transmitir às comunidades mensagens sobre saneamento do meio. Terminada a iniciativa, em 2000, a UNESCO pediu para que Carlitos Namakotto permanecesse na Beira a fim de acompanhar o desenvolvimento dos formandos.

Como resultado do seu trabalho, em 2001, Namakotto recebe um convite similar da parte da Cooperação Italiana para trabalhar na cidade de Maputo. Com o passar do tempo, o que sucedeu é que o artista passou a trabalhar em toda a região Sul do país, realizando campanhas sobre técnicas de produção agrícola e pecuária.

Em 2007, retorna à cidade da Beira no âmbito do projecto da embaixada italiana da criação de escolas gémeas onde os governos de Moçambique e Itália exploraram alguns estabelecimentos de ensino para implementar a iniciativa. Pretendia-se apetrechar as escolas com mobiliário adequado e ampliar a ligação da escola com a comunidade.

Em 2010, Carlitos Namakotto regressa a Maputo, concretamente à cidade da Matola, onde se torna membro da Associação dos Residentes do Bairro de Fomento. Na organização, o artista criou a sua escola de música, na qual tem dado aulas de música e teatro.

Em Maputo, onde a contrafacção está no ápice, em definitivo, o artista desistiu da música. “Há pessoas que vivem graças ao nosso trabalho. Por esta razão, deixei de cantar. Estou a explorar uma outra área de trabalho artístico onde não se verifica muita pirataria dos objectos produzidos”, refere.

Retorno à terra natal

Desde 2012, Carlitos Namakoto encontra-se em Nampula – a sua terra natal – com o objectivo de dar continuidade ao projecto da criação de uma muralha, no local onde ele nasceu. Aliás, é onde o artista pretende edificar uma escola de música até finais de 2013. Com a conclusão do projecto irá concretizar-se um dos grandes sonhos dos seus familiares que projectavam ter uma escola da mesma natureza, como forma de perpetuar o ensino da música local.

Neste momento, segundo o artista, está-se na fase burocrática do projecto. Aliás, a outra razão que o fez desistir da música é o facto de os músicos actuais, sobretudo os jovens, comporem letras pobres sob o ponto de vista didáctico. Em parte, é para melhorar a prática da composição musical que a sua escola será criada.

O nosso entrevistado instalou um centro de formação de música no bairro de Mutauanha, onde está a leccionar piano, flauta e guitarra aos jovens locais. Para si, isso constitui uma mais-valia porque significa elevar o nome da província de Nampula para melhores patamares no campo artístico. Além de se dedicar ao ensino da música, Namakotto trabalha como artista plástico. A sua meta não é comercializar as obras, mas criar condições para expô-las numa galeria para que o seu talento seja reconhecido.

A finalizar, afirma que “podem criar vários festivais culturais no país, mas enquanto os artistas não produzirem com qualidade não haverá desenvolvimento no seio dos fazedores da cultura”. Por isso, “o Governo deve criar um mecanismo com vista a capacitar os artistas para que possam começar a fazer trabalhos de qualidade”.

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