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Bitonga Blues: Estou em crise de escrita

Hoje não vou escrever nada para vós, que me seguis insuflando em mim esse alento de que tanto preciso. Estou na mó de baixo, naqueles momentos em que o meu demónio está exausto, ou zangado comigo, atravancando-me nas grades onde tudo fi ca opaco. Sou a réplica da própria fragilidade, pois não consigo articular as palavras no papel, para vos dar a festa que fará dançar a vossa alma todas as semanas. Mesmo assim não posso chorar, antes pelo contrário, rio-me da minha incapacidade de recusar o presídio.

Rio-me por não conseguir vestir a pele de Moisés, e destruir todas as grades de aço das masmorras de Faraó. A minha mente está obstruída, pela força desse demónio que ora me põe vivo, ora me oferece o sangue da morte. E agora as palavras recusam-se a sair. Elas também estão enjauladas, como eu, neste momento em que vos agradeço a todos. A vós que mandais sempre mensagens para o meu email e para o meu telefone, dando-me abraços e beijos. Oh, que bom sentir-me uma pessoa especial nos vossos corações! Que bom saber que vós me esperais todas as semanas. Mas isso preocupa-me bastante. Embaraça-me, ao mesmo tempo que me catapulta para o Céu.

E eu não vos posso defraudar. Não posso não chegar ao cais onde estais à minha espera, porque eu também sou um cais, que recebe as palavras desse demónio que agora me agrilhoa, para depois serem passadas para vós. Estou incapaz de escrever coisas. Palavras! O meu demónio deixou de me iluminar. Estou a soçobrar, e a tremelique invade todo o meu ser. O suor da tristeza perfura-me as vísceras, porque nos próximos tempos não poderei escrever. Não poderei levar para vós, as palavras que sempre se transformaram em unguento para os vossos espíritos.

Preciso também de ir descansar um pouco, como o está fazendo o meu demónio, que me fragiliza bastante quando ele me deixa sozinho, ou me enclausura, como agora que o faz juntamente com as palavras que já não saem. Vou fi car um tempo longe de vós. Ruminando o sofrimento de não poder estar convosco todas as semanas, dando-vos a dança das palavras. Eu também me sinto exausto. Vou dormir nesta cela até que o meu demónio a venha abrir e, nessa altura, então estarei revigorado e pronto para o convívio semanal. Vou sentir muito a vossa falta, porque sois o oxigénio da minha vaidade.

Ao lerdes os meus textos, burilados nas paródias da minha existência, tornai-vos, sem vos aperceberdes, em botijas cujos tubos estão ligados aos meus pulmões. Não conseguirei dormir o sono intermitente que sempre me caracterizou. Vou enlouquecer, mas estou metido nesta sacanagem de prisão pelo meu demónio e não posso fazer nada. Estou em crise de escrita e preciso de dormir, de costas, como um cadáver. Que vai ressuscitar dentro de algum tempo. Aliás, continuo a viver de morte em morte, até ao dia em que tudo isso vai acabar. Mas eu sei que não vai terminar porque visto a pele de muitos.

Tenho muitas peles no cabide do meu espírito. E eu não escolho a roupa para vestir. São eles que escolhem e eu obedeço. Oh, que bom sentir-me uma pessoa especial nos vossos corações! Que bom saber que me esperais todas as semanas! Mas eu estou exausto e agradeço-vos todo esse carinho, todo esse amor que nutris pelas minhas paranóias.

Vou descansar durante algum tempo, ruminando a solidão que agora me vai habitar. Descansarei também com os fantasmas que construí à minha volta: a mulher leprosa, o homem que se movia como um leão ferido nas patas traseiras, o homem baleado e que morreu como um dançarino de mapiko, a Biti Akuvava, a Mbuli, os homens que me confundiram com o inimigo deles, a perigosa mulher que trazia na carteira uma makarov, aqueles jovens que, quanto mais embriagados, mais lúcidos fi cavam.

Tudo isso me vai castigar enquanto repouso na jaula em que o meu demónio me meteu. Mas voltarei dentro de algum tempo. Ao palco das palavras. Amo-vos a todos. Abraço! Sou eu, o B.B.

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