Simango nunca se sentiu tão “txote” como quando teve que marcar o mais alto basquetebolista do Mundo de todos os tempos. Nem Ming, nem Shaq O’Neal, atingiram os 2.34 que Cizonenko, o ucraniano, tinha. Pois a missão de o marcar, coube a nosso compatriota, numa partida em que uma Selecção ucraniana realizou e venceu em Maputo, frente ao fortíssimo Maxaquene de então.
Foi um dos momentos que ficou registado na vida desportiva do “tio Simas”, na altura com trinta e tais anos. É que o seu 1 metro e 80 e picos, naquele jogo, transformou o confronto num despique semelhante ao de David e Golis, com o atleta moçambicano a contentar-se em saltar o seu máximo, apenas para roçar os sovacos do ucraniano.
O sr. Manápula
Foram muitas as noites em que a sua manápula ditou leis e alterou resultados. Belmiro Simango jogava a poste ou a extremo, numa equipa de ouro, onde pontificavam Claudino Dias, Aníbal Manave, João Chirindza e Madoda. Era o mais velho e experiente do grupo, ele que vinha dos tempos de Mário Albuquerque, Nelson Serra, Sérgio Carvalho e outros. Atravessou duas gerações e mostrou, sobretudo em África, o seu talento para a bola-ao-cesto.
Simango impressionava pelo seu “bio-tipo” invulgar. Embora as manápulas fossem um excelente auxiliar – escondia facilmente a bola numa só mão – ele tinha uma curvatura na coluna para a frente, o que dava uma ilusória noção da sua estatura, para menos. Mas a sua arma principal era a impulsão e – coisa rara entre nós – a capacidade de flutuação. Saltava por vezes ao mesmo tempo que os outros e depois “esperava” no ar, para receber a bola e encestar.
Daí para o “contra-golpe” era um instante. De posse da redondinha, lançava os colegas adiantados num ápice, guiando o percurso do esférico com o seu vozeirão que se ouvia em todo o pavilhão.
O início, a guarda-redes
Foi na defesa das balizas de futebol, como guarda-redes, que o Belmiro se iniciou. Exímio a segurar ou socar as bolas altas, “frangava” sempre no jogo rasteiro. A sua vida desportiva começou em defesa da baliza do então Indo-Português. Aconteceu que numa manhã de cacimba no ano de 1969, a bola passou-lhe por entre as pernas, resultando daí a derrota da sua equipa. Um dirigente do Sporting de Lourenço Marques, Domingos Moura, ao ver o seu desalento, lançuolhe um repto: “deixa lá de sonhares em ser bom guarda-res, vem para o basquetebol que vais brilhar”.
Aceitar o repto representava uma profunda mudança na sua vida, uma vez que provinha dos subúrbios, onde praticamente não se praticava a modalidade. Teria que se habituar, jogando e treinando “no chilunguine”, num mundo em que tinha poucas amizades.
No Maxaquene, foi integrado no escalão juvenil, onde o treinador, José Lopes, apostou forte nele porque desde cedo apreciou a sua impulsão. Fazia treinos específicos e cedo passou a jogar com as estrelas dos seniores.
Em 1973, teve que fazer uma pausa na sua carreira desportiva, devido à integração no serviço militar. O regresso já se deu próximo da proclamação da Independência Nacional, altura em que aconteceu uma quase debandada das estrelas do basquetebol de então para Portugal.
Percurssor de uma nova era
A partir de 1975, não havia grande tradição de jogar basquetebol, entre os jovens que passaram a descer à cidade de cimento. Simango, Vítor Morgado, Cobra e poucos mais, foram os percurssores. Chegaram, inclusivamente, a criar um departamento de basquetebol num clube suburbano, o Beira- Mar, para lançar novos hábitos na periferia da cidade. A semente frutificou, e com o sentimento de missão cumprida, o Belmiro regressou ao clube do seu coração: o Sporting.
Depois da pequena tempestade provocada pela saída dos jogadores e técnicos mais influentes, veio a bonança. E de que maneira. É que, em 1979, jovens talentosos como Hélder Nhandamo, os irmãos Moiane e outros, fizeram do ex-Sporting que se passou a designar Maxaquene, um campeão quase crónico que ganhou o direito de defrontar o Zamalek do Egipto na Liga dos Campeões Africanos. Foi, digamos, a “gazua” que abriu as portas do Continente. Maxaquene, Desportivo, e a Selecção Nacional passaram a marcar presença regular nas grandes provas africanas.
O Pavilhão “tricolor” registava, a partir dessa altura, as noites mais vivas e entusiásticas da sua existência. Era preciso alinhar numa longa bicha para comprar bilhete, isto dois ou três dias antes dos grandes jogos…