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Basquetebol: Somos o terceiro melhor país nos escalões de formação

Basquetebol: Somos o terceiro melhor país nos escalões de formação

A selecção nacional juvenil feminina de Moçambique conquistou, a 12 de Outubro último, a medalha de bronze no Afrobasket deste escalão que teve lugar na cidade de Maputo. Este triunfo, associado à medalha de prata conquistada pela “Samurais” na categoria sénior feminina, coloca Moçambique na lista das potências do basquetebol a nível do continente africano.

Nesta semana, o @Verdade publica a entrevista feita com a seleccionadora nacional de sub-16 de basquetebol feminino, Lucília Caetano, em que fez a radiografia da participação de Moçambique naquela prova. A treinadora revelou que várias pessoas tentaram sabotar o seu trabalho e que, durante o Afrobasket de Maputo, se sentiu sozinha e a lutar para responder a vozes do mundo do basquetebol que tentaram desacreditar a sua equipa de trabalho.

@Verdade – Qual é o balanço que faz da participação de Moçambique no Afrobasket juvenil feminino disputado recentemente em Maputo?

Lucília Caetano – A selecção nacional teve uma prestação positiva apesar dos contratempos.

@V – Quais são esses contratempos?

LC – Refiro-me às alterações do local que ia acolher a prova, nomeadamente de Harare para Maputo; à não realização da fase preliminar em Abril por motivos políticos; e ao adiamento desta prova que devia decorrer no passado mês de Julho em Harare, para um período que sucede depois da organização do Afrobasket sénior feminino. Por incrível que pareça, nós soubemos que a competição seria organizada na cidade de Maputo e não na capital zimbabweana conforme estava previsto, a dois dias do arranque da mesma.

Tínhamos um programa que visava incluir as jogadoras das restantes províncias com 15 a 20 dias de antecedência, de modo a formar uma equipa coesa, entrosada e forte. Mas com aquela decisão tomada à última hora ficámos baralhados. Mas deixando de lado esses detalhes, a nossa selecção esteve excelente. Superou-se. Foi admirável a prestação das jogadoras. As nossas meninas desempenharam bem o seu papel e cumpriram com tudo o que foi traçado pela equipa técnica. Souberam honrar as cores da bandeira nacional.

@V – O que se pode dizer do trabalho da equipa técnica?

LC – Não gosto muito de me avaliar. Mas deixa-me dizer que tivemos um trabalho árduo e muito difícil pelos motivos que enumerei anteriormente, sobretudo pelas adversárias que tivemos a cada dia e pela gestão de esforço que tínhamos de intentar para ter as jogadoras com alguma capacidade física para defrontarem os nossos adversários a cada dia.

@V – Queixa-se de que a selecção se juntou nas vésperas do Afrobasket, ou seja, a dois dias do início da prova. Significa que não havia nenhum programa específico para a mesma?

LC – Havia um projecto de juntar a equipa o mais cedo possível, sabido que a prova ia decorrer em Harare. Há que entender que as nossas jogadoras são também estudantes e foi preciso traçar um plano que não prejudicaria a vida académica delas. Infelizmente, tivemos esse contratempo da mudança de local de acolhimento da prova. Este grupo de trabalho sempre existiu, ainda que somente com os que se encontram na cidade de Maputo. E se não fosse pelo empenho e pelo desdobramento do presidente da Federação Moçambicana de Basquetebol, Francisco Mabjaia, nós não teríamos participado nesta prova. As pessoas devem estar lembradas de que o basquetebol moçambicano esteve envolvido em várias competições neste ano.

@V – Este conjunto existe há quanto tempo?

LC – A primeira fase da criação desta selecção decorreu no período das férias escolares do primeiro trimestre do ano em curso, em que conseguimos trazer a Maputo atletas das províncias de Manica e de Nampula. O nosso plano, naquela altura, era para competir nas eliminatórias para este Afrobasket. Atingimos o objectivo e depois disso nunca mais parámos. Por semana realizávamos duas a três sessões de treino e quando se marcou a competição para Harare, em Julho, intensificámos a preparação para conferir maior rodagem às meninas.

@V – E onde é que se preparava o conjunto e em que condições?

LC – Sofremos muito com a falta de campos. Não pudemos utilizar o pavilhão do Desportivo de Maputo porque esteve encerrado e em obras; o do Maxaquene teve o mesmo problema; e o da Académica nunca foi de fácil acesso. Contámos com o apoio incondicional da Escola Secundária da Polana, local que usámos como “casa” da selecção juvenil feminina. Como podem perceber, a formação deste conjunto debateu- se, sobremaneira, com a inexistência de campos.

Tivemos o apoio do professor de Educação Física daquela escola, João, bem como do treinador de formação do Desportivo de Maputo, Sílvio, profissionais que, com as suas competências, ajudaram na prolificação deste conjunto. Tenho a lamentar que alguns treinadores, por causa dos jogos escolares, impediram as atletas de irem treinar pela selecção. Houve, inclusive, jogadoras que nem sequer apareceram porque os seus técnicos assim quiseram. Não quero, com isso menosprezar os Jogos Desportivos Escolares. Mas uma selecção nacional é uma selecção nacional e deve estar acima de tudo.

@V – E quem são esses treinadores?

LC – Vou abster-me de mencionar nomes. Eu sou produto do primeiro Festival Nacional dos Jogos Desportivos Escolares e em nenhum momento preteri a minha ida à selecção nacional para dar primazia aos jogos escolares. Porém, consegui conciliar as duas actividades desportivas sem prejuízo de nenhuma das partes. O que aconteceu, recentemente, é que algumas jogadoras que convoquei foram proibidas de representar a selecção nacional, o que chega a abraçar o absurdo.

 

“Ficámos em terceiro lugar por causa de algumas vozes”

@V – Apesar de uma preparação não exemplar, as nossas “meninas” juvenis conquistaram a medalha de bronze. Qual foi o segredo?

LC – Existiram vozes que se levantaram contra a nossa equipa. Várias pessoas estiveram contra nós alegadamente porque não gostaram da nossa decisão de convocar atletas de outras províncias deste país. Foi isto que nos colocou no topo. Eu fiz questão de formar uma selecção nacional. Uma equipa representativa. Fui aos Jogos Escolares que tiveram lugar em Tete e fiz as minhas escolhas em função do talento das jogadoras e das minhas necessidades. Muitos não gostaram disso e eu não podia fazer nada.

@V – Esta medalha de bronze é dedicada a essas pessoas que nunca acreditaram na equipa técnica por si liderada?

LC – O facto de termos pessoas, sendo compatriotas, contra a selecção nacional motivou- -nos a lutar. Mas penso que a consciência desses indivíduos pesou quando subimos ao pódio no último dia. É certo que nós não temos a mesma tarimba que o Egipto e o Mali. Eles não treinam a dois ou três meses de preparação. Fazem um trabalho que leva anos. E mesmo assim nós mostrámos que temos força e que não vamos parar por aqui. Para todos os efeitos, precisamos de desenvolver um trabalho mais sério para que possamos mostrar que somos uma potência a nível do continente africano.

@V – Essas vozes que se levantaram contra a nossa selecção são de colegas de trabalho de Lucília Caetano?

LC – Não gostaria de aprofundar esse assunto. Foi apenas um desabafo que fiz. Somos todos da mesma família do basquetebol e com o pouco que temos, seja bom ou mau, há que dar apoio e ajudar uns aos outros.

@V – Moçambique teria definido como objectivo nesta prova o apuramento para a final e que dava acesso directo ao “Mundial” sub-17do próximo ano?

LC – Eu sempre disse que nós íamos para este Afrobasket juvenil para conquistar um dos lugares do pódio. Ele pressupõe as três primeiras posições. É lógico que qualquer treinadora deseja chegar ao “Mundial”, mas pelas condições impostas e pela qualidade dos nossos adversários, nós partimos em desvantagem.

@V – Faz sentido que tenha desejado o pódio mesmo ciente das condições que a nossa selecção teve durante a fase de preparação?

LC – Um propósito é sempre um propósito. E aprendi que temos de ser ambiciosos se quisermos testar as nossas capacidades. A boa e a força de vontade destas “meninas” fez com que terminássemos no terceiro lugar. Elas são bravas, umas verdadeiras heroínas. Eu tiro o chapéu para estas meninas.

“A formação é o nosso calcanhar de Aquiles”

@V – Esta medalha de bronze mostra que há formação ou é fruto do mero talento, diga-se, das jogadoras e da equipa técnica?

LC – De alguma forma nós estamos a fazer algum trabalho. Alguns de nós têm-se esforçado bastante para colocar as meninas a jogarem basquetebol. É de louvar esta iniciativa. Mas há uma chamada de atenção que gostaria de deixar aqui. Eu não sou uma pessoa perfeita, sublinhe-se. Mas o escalão de formação é o nosso maior calcanhar de Aquiles em Moçambique. Há necessidade de colocarmos pessoas responsáveis e competentes a assearem devidamente os “diamantes” que despontam a cada dia neste país.

@V – Com isso está a afirmar que há lacunas no tocante à formação em Moçambique?

LC – Estou a querer dizer que é preciso formar as nossas jogadoras de uma forma correcta. É que se formos a olhar para a actualidade, facilmente iremos notar que há atletas que chegam aos seniores com muitas lacunas. Mas isso não é culpa deles. É porque não tiveram uma boa base de formação, não tiveram aqueles princípios ideais para um bom jogador de basquetebol. Não faz sentido haver um atleta que não sabe correr, que não sabe fazer um passe e que não sabe trabalhar com a coordenação motora.

@V – E qual é a solução para esse problema?

LC – Eu lanço um apelo às escolas para que invistam mais nas aulas de Educação Física. Os nossos meninos precisam do “ABC” do desporto. Devem assimilar conhecimentos sobre como caminhar, de como correr, de como saltar e de como jogar a bola. Não quero ser saudosista, mas na minha geração nós pulávamos, corríamos e saltávamos a corda a partir de casa. Na escola íamos para requintar o trabalho com a bola nas diversas modalidades; íamos aprender como andar; como saltar; como cair; e que movimentos devem ser feitos para evitar ferimentos em casos de queda.

Mas não basta dizer que tudo deve ser feito pelo professor de Educação Física. É preciso que este profissional, por sua vez, conheça as técnicas necessárias para formar um bom atleta de qualquer que seja a modalidade. Por outro lado, é preciso que nós os treinadores de formação participemos nos cursos de formação e de actualização. Outro problema que existe aqui é que alguns se negam a fazer a actualização, o que é muito mau. Os meus colegas que treinam os seniores deviam também transmitir os seus conhecimentos aos novos talentos.

@V – Podemos afirmar que temos jogadoras que vão dar continuidade ao trabalho realizado, por exemplo, pelas “Samurais”?

LC – Tem que haver um trabalho conjunto entre os treinadores das várias selecções. O que sucede hoje é que o nosso basquetebol é uma espécie de pirâmide invertida. Podemos começar com muitos atletas, mas à medida que o tempo vai passando muitos vão parando por falta de espaço nos escalões subsequentes. É por isso que existem desistências. Chegam ao topo apenas os que persistem. Talento em Moçambique não nos falta. Temos. Mas somos carentes de atrevimento no trabalho.

 

“Ainda não tenho informações sobre o ‘Mundial”

@V – Segundo uma publicação da FIBA, na sua página da Internet e datada do passado dia 15 do mês em curso, o continente africano terá, a partir do próximo ano, três representantes no Campeonato Mundial de Basquetebol de sub-17. Moçambique é colocado na prova por ter terminado na terceira posição. Teve esta informação?

LC – Quando recebi esta notícia tratei de entrar em contacto com o presidente da federação. Ele disse-me que estava espera de um comunicado oficial da FIBA, por aquela que está no seu site de Internet ser duvidosa. Ou seja, para mim ainda não é oficial que Moçambique vai ao “Mundial”.

@V – E que trabalho pode ser feito caso seja oficial?

LC – O nosso trabalho é permanente e a longo prazo. Nós continuaremos a preparar a selecção que vai representar o país nos Jogos da CPLP em 2015. A formação, como o próprio nome sugere, é um processo que dura o seu tempo e não visa ganhos imediatos. Quero deixar bem claro que nós continuaremos a fazer o nosso trabalho e a preparar uma selecção coesa para o futuro do basquetebol moçambicano.

“Mamusca”: uma mulher que vive o basquetebol

É um dos “produtos” da escola de formação do Estrela Vermelha de Maputo. Mas foi no Desportivo, também da capital, que se notabilizou como base/extremo, clube de “família” e que representou até ao fim da sua carreira a pedido do falecido poeta moçambicano José Craveirinha. Gosta muito de crianças e de ensinar os mais novos a jogar basquetebol. É uma pessoa que se sente frustrada quando não consegue ajudar a quem realmente precisa.

É treinadora desde 2005, quer de masculinos, quer de femininos. Nunca conheceu outro clube para além da Politécnica ainda que, por falta de campo, tenha comandado somente as equipas seniores daquele emblema. É seleccionadora nacional há sensivelmente cinco anos e já foi “adjunta” da selecção sénior masculina.

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