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Balanço da governação do presidente Guebuza (1) – Escrito por Mahadulane

“Um dos mais poderosos remédios de que um príncipe pode dispor contra as conspirações é não ser odiado pela maioria […]”. (Nicolau Maquiavel, in “O Príncipe”)

Generalidades

Armando Emílio Guebuza foi empossado Presidente da República de Moçambique no dia 2 de Fevereiro de 2005, na Praça da Independência, Cidade de Maputo, pelo então Presidente do Conselho Constitucional, Doutor Rui Baltazar, sucedendo a Joaquim Alberto Chissano que governou o país durante 18 anos. É o terceiro Presidente de Moçambique e o segundo democraticamente eleito.

Na sua tomada de posse, Guebuza elegeu como sua missão o combate contra a pobreza e destacou a corrupção como um mal que coroe as instituições do Estado e promove a não confiança do cidadão nestas. Afirmou que não era tempo de andar, mas sim “de acelerar o passo”, rumo à vitória contra a pobreza que, entretanto, aumentou nos últimos anos.

Nesta série, pretende-se analisar a sua governação de forma fria e, tanto quanto possível, imparcial. O título foi “emprestado” do propalado e contestado programa televisivo que tem levado muitas mentes “iluminadas” a desdobrarem-se em demonstrações de quão imaculada é a figura do Presidente, como se outros presidentes, talvez melhores do que ele, nunca tenham existido nesta “Pérola do Índico” habitada pelo “maravilhoso Povo Moçambicano”.

Estilo de governação

Armando Guebuza privilegiou um estilo de governação inclusivo e participativo que, muito rapidamente, transformou-se em estilo populista e despesista. O Presidente chegou ao cúmulo de usar seis helicópteros e uma avioneta de carga (dizem que transporta dezoito malas de roupa e outros pertences de Sua Excelência) para se deslocar da Cidade de Maputo para Marracuene ou Boane, sabido que as nossas Forças Aéreas não possuem um único meio aéreo e que os meios usados acarretam avultadas somas de dinheiro que ele próprio não se cansa de dizer que o país ainda não tem. Em cada ponto do país por onde passou, entre distritos e postos administrativos, mandou construir tribunas com custos estimados em mais de meio milhão de Meticais, sem impacto económico algum nas respectivas comunidades.

Lembro-me que o Ministro do Interior, Alberto Mondlane, assumiu certa vez que as precárias condições de trabalho da PIC reflectiam a realidade do país. É caso para perguntar: as sumptuosas presidências abertas que realidade reflectem? A valorização dos Heróis Nacionais foi uma atitude de grande utilidade histórica, mas teve a desvantagem de ser demasiado onerosa e mais a favor das pessoas próximas do Presidente do que propriamente das famílias dos próprios heróis. As presidências abertas foram um instrumento de popularização da figura do Presidente, cujo impacto económico deveria ser estudado e determinado. Acresce-se a isso as digressões da Primeira Dama, que faz “presidências abertas paralelas”, arrastando consigo verdadeiras frotas automóveis, com construções de residências dos líderes comunitários de permeio para as famosas “noites à volta da fogueira”.

Outra medida populista do Presidente foi a instituição do actual “Fundo de Desenvolvimento Distrital”, vulgos “7 milhões”, cujos critérios de atribuição, utilização e desembolso são até hoje questionáveis. Seria interessante que instituições académicas e de investigação trouxessem à tona os reais impactos económicos e sociais deste fundo nas comunidades porque a olho nu são difíceis de quantificar/qualificar. Este fundo reforçou a influência do Partido FRELIMO nas bases porque qualquer moçambicano que dele quisesse beneficiar tinha que render vassalagem às autoridades partidárias. Ademais, a maioria dos beneficiários são dirigentes do Partido ao nível da base, o que dificulta a cobrança (coerciva) por parte das autoridades governativas locais.

Guebuza mostrou-se desde logo averso à crítica, tendo se esquecido que é da crítica que o país avança e se desenvolve; que é da crítica que surgem as reformas do Estado e se desenham novas estratégias de governação consentâneas com os desafios actuais. O Presidente se esqueceu que não seria possível os mais de 20 milhões de moçambicanos pensarem da mesma maneira e tratou de atribuir nomes aos seus críticos que não dignificam um presidente que jurou servir a todos os moçambicanos, independentemente das suas convicções políticas ou ideológicas. Ele desencorajou a liberdade de pensamento e procurou alienar as mentes dos moçambicanos, onde a imprensa independente não escapou. Até dentro do Partido FRELIMO surgiu a denominação “membros de coração” e “membros de cartão”, uma forma implícita de reconhecer que muitos moçambicanos tornaram-se membros do Partido por medo de perseguições.

Outro ponto digno de realce foram as constantes descoordenações entre os membros do mesmo executivo sobre os aspectos sensíveis da nação, onde sobre o mesmo assunto ouviam-se várias versões. O caso mais recente é o da aquisição de navios para pesca e/ou para a defesa da costa moçambicana, onde os ministros da Planificação e Desenvolvimento, das Finanças e da Defesa defenderam posições completamente diferentes. A este juntam-se os casos de zona de servidão militar da base aérea de Nacala.

Nas suas comunicações na Assembleia da República sobre o estado da nação Guebuza demonstrava muito nervosismo e cinismo, tendo chegado a afirmar “clara e inequivocamente” que o estado da nação era bom quando os factos provavam exactamente o contrário. Mais tarde decidiu amainar o discurso e o país passou a estar “no bom caminho rumo ao desenvolvimento”, mas em nenhum momento ouvimos o Presidente ou outro membro do seu executivo a assumir erros, à excepção de Paulo Zucula no dia da sua saída (sem glória) do Ministério dos Transportes e Comunicações.

Fortalecimento do Estado

Neste capítulo, Guebuza teve o mérito de ter erguido várias infra-estruturas que contribuíram para a moralização das instituições, podendo se destacar-se: os edifícios da Procuradoria Geral da República, dos Ministérios do Trabalho, da Juventude e Desportos, da Função Pública, do Turismo, entre outros. Nas províncias e distritos foram erguidas infra-estruturas para o funcionamento das Secretarias Provinciais e Distritais, Direcções Provinciais, Palácios de Justiça, residências oficiais dos Administradores e de outros dirigentes. Nos últimos anos, temos visto as instituições, sobretudo os governos distritais, a desfilarem frotas de viaturas topo de gama, tudo isso visando dar suporte à governação e governabilidade do país. Vários outros desafios ainda se colocam, mas neste aspecto Guebuza teve mérito, porque criou alicerces para a condignidade da Administração Pública.

Guebuza criou, igualmente, instituições novas, com destaque para o Ministério da Função Pública e a Autoridade Tributária. A última foi uma decisão acertadíssima, enquanto a primeira deixa muito a desejar. A Autoridade Tributária é uma das instituições mais eficientes que o país já teve, com um sistema de gestão que inspira a qualquer um e cujos resultados se reflectem na crescente capacidade do Estado em gerar receitas e reduzir o défice orçamental.

O mesmo não se pode dizer do Ministério da Função Pública que não consegue gerir menos de meio milhão de servidores públicos, que ainda se debatem com o crónico problema de falta de promoções e progressões, sem contar que não conseguiu uniformizar a política salarial dentro do Aparelho do Estado, o que cria descontentamento intersectorial e constantes fugas de quadros. Este Ministério não conseguiu sindicalizar a Função Pública e não faz uso do Artigo 22 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado, que prevê a mobilidade de quadros, o que a acontecer poderia resolver o problema de falta de enquadramento dos funcionários que frequentam cursos “fora da vocação das suas respectivas instituições”, enquanto outras instituições enfrentam problemas de falta de quadros qualificados. O recenseamento e cadastramento dos funcionários públicos, bem como o pagamento de salários via “e-folha” são algumas das poucas acções visíveis deste ministério que, quanto a mim, deveria ser extinto.

Nos seus primeiros anos de mandato, Guebuza foi recordista de normas que posteriormente foram declaradas inconstitucionais, mas cedo corrigiu esse problema, tendo passado a promulgar e mandar publicar leis de grande utilidade pública, sobretudo no domínio do funcionamento das instituições do Estado.

No dia da tomada de posse, o Presidente Guebuza declarou como espírito de deixa-andar o “sub-aproveitamento dos quadros disponíveis na instituição”, mas o que se viu ao longo de todos estes anos foi exactamente isso. Muitos funcionários foram desencorajados, de diversas formas, a darem o melhor de si, ou por não pertencerem ao partido no poder, ou por terem um pensamento diferente dos dirigentes e do regime. Existem vários exemplos de quadros que não passam de simples leitores de jornais nas suas instituições.

BALANÇO DE GOVERNAÇÃO DO PRESIDENTE ARMANDO GUEBUZA (2)

“Agora não é tempo de andar, mas sim de acelerar o passo”. (Armando Guebuza, 02.02.2005)

Desenvolvimento económico e social

Não há dúvidas de que o país está a crescer a olhos vistos, com o PIB nominal quase a duplicar nos últimos dez anos. O Orçamento do Estado cresce a cada ano que passa e o défice orçamental vai diminuindo gradualmente, fruto de uma maior capacidade de colecta de receitas fiscais e não só. Essa capacidade é resultado do crescimento económico.

Muitos académicos, sendo Carlos Nuno Castelo Branco o expoente máximo, referem que o país poderia estar a ganhar muito mais em receitas fiscais caso o Estado tributasse na medida certa os megaprojectos. A Action Aid Moçambique juntou-se ao movimento, através de um estudo publicado que revela, de forma sucinta, as perdas do Estado devido às políticas de isenções fiscais aos megaprojectos.

O Presidente da República tem se desdobrado em sossegar os moçambicanos que só em 2018 é que o país vai começar a usufruir dos resultados de exploração das suas riquezas, mas a ansiedade é tanta que ninguém quer esperar. O INE publicou os resultados do IOF (Inquérito aos Orçamentos Familiares) que foram bastante incómodos para o próprio executivo, ao revelar que a pobreza havia aumentado nos últimos anos.

Várias são as razões de tal facto, sendo a (má) distribuição da riqueza uma delas. Mas existes outros factores não menos importantes: os níveis de desemprego ainda são muito altos; os salários pagos aos moçambicanos assalariados são baixos e ainda não garantem boa qualidade de vida; Moçambique tem uma das mais altas taxas de natalidade do mundo (só nos últimos 16 anos nasceram cerca de 7 milhões de moçambicanos, todos eles ainda sem capacidade para o trabalho).

O PNUD provocou a ira do executivo moçambicano quando publicou o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no ano transacto, colocando o país nas últimas três posições do ranking mundial. Ouviram-se questionamentos sobre os critérios utilizados por aquela agência das Nações Unidas, tendo Luísa Diogo respondido, quase desabafando, que todos devemos respeitar as instituições internacionais e sérias, como o PNUD e o INE, respectivamente, ao invés de nos incomodarmos com os resutados dos seus estudos.

Os efeitos mais elucidativos do sofrimento e descontentamento popular deram-se nas cidades de Maputo e Matola, naquilo que o sociólogo Carlos Serra apelidou de “sismos sociais” em Setembro de 2010 e Fevereiro de 2011, bem como em Catame (Tete), Palma (Cabo Delgado) e partes do Município da Matola. Existem também os dossiers “madjermans” e “desmobilizados de guerra”, cujos desfechos se desconhecem, mas contribuem para o descontentamento de determinados grupos sociais que constituem a população moçambicana.

Infra-estruturas económicas e sociais

Para mim Guebuza merece o título de “Construtor de Moçambique”. Se considerarmos o desenvolvimento como consequência de crescimento e as infra-estruturas como suporte desse desenvolvimento, diríamos que Guebuza teve uma visão de longo prazo e preparou os alicerces para o desenvolvimento efectivo do país. A SADC define hoje as infra-estruturas como cruciais para o desenvolvimento da região, coisa que o Presidente já tinha definido em 2004, ou seja, há quase dez anos.

É verdade que durante os primeiros anos do seu primeiro mandato limitou-se a inaugurar as grandes infra-estruturas deixadas pelo seu antecessor, como são os casos das pontes sobre o Rios Limpopo (Guijá), Rovuma, a própria ponte Armando Guebuza e a reversão da HCB para Moçambique (a que ele apelidou de segunda independência, dado o seu significado histórico), entre outros.

Mas cedo Guebuza iniciou uma grande epopeia na edificação de infra-estruturas económicas e sociais de grande impacto, tais como a segunda ponte sobre o Rio Zambeze em Tete, o Aeroporto de Nacala, a ampliação e modernização do Aeroporto Internacional de Mavalane, o Estádio Nacional do Zimpeto, a circular de Maputo e a contestada ponte Maputo-Ka Tembe, a estrada Guijá-Chicualacuala, o Hospital Provincial de Maputo, o Hospital Central de Quelimane, a linha férrea Tete-Nacala, entre várias outras. Incluem-se também os sistemas de abastecimento de água e de drenagem nas cidades de Maputo, Beira, Nacala, Nampula e Quelimane, as escolas e unidades sanitárias de nível primário que cresceram exponencialmente, aumentando as coberturas aos moçambicanos.

Grande parte dos distritos do país estão ligados à rede nacional de energia eléctrica (embora com a qualidade que deixa muito a desejar) e há que destacar o papel do FUNAE (Fundo Nacional de Energia) na electrificação rural. Pela primeira vez na história, regiões como Changanine e Murrure passaram a ter energia eléctrica a partir de painéis solares.

Não há dúvidas que neste aspecto o Presidente deixou um legado histórico. Claro que ainda há muito por fazer e, por vezes, os executores não cumpriram todas as normas impostas pelos financiadores, como são os casos dos projectos financiados pelo Millennium Challenge Corporation. Surgiu também a questão da qualidade das obras, onde desponta a Vila Olímpica, mas as culpas não podem recair sobre a figura do Presidente, que não é ele quem fiscaliza a execução das obras.

Combate à corrupção

Uma das grandes promessas do Presidente Guebuza foi o combate cerrado contra a corrupção e neste aspecto eu dou nota positiva. Pela primeira vez na história, altos dirigentes do Estado foram levados à barra da Justiça e condenados por crimes de desvio de fundos ou de aplicação. São disso exemplos os casos “Aeroportos, INSS e MINT”. Até hoje a imprensa está cheia de casos de corrupção à escala nacional. Isso pode dar a (falsa) ideia de que a corrupção cresceu, mas eu prefiro pensar que os mecanismos da sua detecção é que melhoraram porque sempre houve corrupção, em grande escala, em Moçambique. Hoje até se descobre a corrupção em órgãos de soberania como o Conselho Constitucional e o Tribunal Administrativo.

Mas cedo alguns “corruptos” descobriram que o Estado estava mercantilizado e o Presidente, como autor dessa mercantilização, já não tinha moral para puní-los. É por isso que existem casos que consubstanciam crimes de corrupção envolvendo membros do executivo que nunca foram investigados. O próprio Partido FRELIMO acabou de oficializar a corrupção, ora apelidando-a de acidente de percurso, ora considerando-a como gratificação, ao defender e apoiar o aspirante a edil de Moatize, que tentou subornar uma magistrada do Ministério Público.

Veja-se que, neste caso, até procura-se culpabilizar a procuradora por um suposto mal-entendido! Ou seja, neste aspecto o Presidente assemelha-se ao peixe, que vive e morre pela boca. De qualquer modo, as instituições de combate à corrupção estão criadas e consolidadas, cabendo ao futuro presidente melhorar o que já foi feito até ao presente momento.

O que mais manchou a era Guebuza foi a falta de transparência nos negócios do Estado, desde os contratos com as multinacionais que exploram os recursos naturais, as concessões de terra para o Prosavana, o negócio com a Semlex para a produção de bilhetes de identidade e passaportes biométricos, até ao recente negócio de aquisição de navios para pesca e patrulhamento da costa marítima moçambicana. Esta falta de transparência alimenta as mais variadas especulações do envolvimento de altos dirigentes do Estado em negociatas. Os mais críticos, incluindo a poderosíssima e auto-confiante Maria Alice Mabota, apelidaram o Presidente de Mr. 5%.

BALANÇO DE GOVERNAÇÃO DO PRESIDENTE ARMANDO GUEBUZA (3)

“Não chamámos a ninguém; quem não está satisfeito pode sair”. (Francelina Romão, porta-voz do MISAU)

Sistemas de Educação e de Saúde

As redes escolar e sanitária expandiram-se rapidamente, o ensino superior deixou de ser privilégio das grandes cidades e as duas maiores universidades públicas, nomeadamente a Universidade Eduardo Mondlane e a Universidade Pedagógica “invadiram” os distritos, permitindo que um número cada vez maior de moçambicanos tivesse acesso ao ensino superior. Igualmente, foram criadas outras instituições de ensino superior públicas, como são os casos dos Institutos Superiores Politécnicos e as Universidades Lúrio e Zambeze. Questiona-se hoje sobre os cursos profissionalizantes, mas se assim é, significa que existe uma base de comparação.

O que se pode questionar é a qualidade de educação, desde o primário até ao superior. As passagens semi-automáticas são vistas como servindo os interesses alheios ao país, com o único objectivos de cobrir metas. No entanto, o livro de distribuição gratuita é um dado adquirido, beneficiando até a quem dele não precisa. Ao nível do ensino superior foi ensaiado o modelo de Bolonha que fracassou, tendo levado o padre Filipe Couto e, talvez, o Doutor Firmino Mucavele, a perderem o protagonismo na arena académica nacional. Enquanto isso, os Professores Ferrão da Unilúrio e Utui da UP vão demonstrando alta capacidade de liderança nas suas respectivas instituições.

A capacidade financeira das escolas vai melhorando gradualmente com a descentralização dos fundos, através do FASE (Fundo de Apoio ao Sector de Educação) e, mais concretamente, do programa ADE (Apoio Directo às Escolas), mas a classe docente continua a reclamar de turmas numerosas, insuficiência de pessoal e horas extraordinárias não pagas.

O ensino privado também ocupa um lugar de destaque e Moçambique pode orgulhar-se de, num futuro não muito distante, poder exportar mão-de-obra qualificada para outros quadrantes de África e do mundo, desde que se resolva a questão da qualidade, que passa também por melhorar as condições de trabalho e salariais dos docentes.

Em relação ao Serviço Nacional de Saúde, este regrediu qualitativamente desde as medidas impopulares e tsunamistas de Paulo Ivo Garrido, mais preocupado em agradar ao povo do que em resolver os reais problemas do sistema. Garrido procurou sempre culpar os funcionários pelos erros do sistema e facilmente a verdade veio à tona, cujas sequelas se fazem sentir até ao presente momento.

Não se pode negar que a cobertura dos serviços de saúde aumentou e muito mais gente tem acesso ao tratamento anti-retroviral, devolvendo a esperança de toda uma nação, mas falta o básico nas unidades sanitárias, muito por culpa da redução do Orçamento do Estado para este sector. Alia-se a tudo isso o descontentamento generalizado dos funcionários, desde médicos até aos demais profissionais de saúde, de que as greves de Janeiro e Maio últimos são disso exemplo.

A moral do pessoal está muito baixa, faltam condições habitacionais, não há manutenção de infra-estruturas, não há fardamento e calçado, não há promoções e progressões, há muito que não se admite novos serventes, o orçamento de funcionamento é exíguo, os motoristas não recebem ajudas de custo e, mais grave, não há medicamentos essenciais. No tempo do ministro Garrido a culpa era dos funcionários, mas hoje todo o mundo compreende que a culpa é do próprio sistema, que está à beira do colapso.

Políticas de Agricultura

Firmino Mucavele encabeça(va) o grupo dos moçambicanos que critica(ra)m as políticas do governo em relação à Agricultura, que continua a ser considerada à luz da Constituição como a base de desenvolvimento. O facto é que poucos foram os investimentos públicos para potenciar o Ministério da Agricultura, as suas unidades orgânicas e as instituições de investigação agrária e agronómica. O Orçamento do Estado para este sector baixou para menos de 10%; distritos há que só possuem um extensionista para assistir mais de cem mil agricultores, sem meios de locomoção (onde a motorizada é o único meio disponível); a agricultura continua a ser de subsistência e dependente da dádiva da Natureza.

O então Ministro da Agricultura, Nhaca, ensaiou a introdução de tractores e a massificação da tracção animal, mas cedo tais medidas desvaneceram e hoje não se conhece nenhuma estratégia em implementação pelo actual ministro, que mais está preocupado com o “diálogo(?)” entre o Governo e a Renamo. É verdade que temos o Prosavana, o PDA (Programa de Desenvolvimento de Agricultura) e os projectos de produção de arroz em Mopeia (Zambézia) e Xai-Xai (Gaza), mas não se conhece nenhuma medida para aumentar a produção e produtividade. O Plano de Acção para Produção de Alimentos (PAPA) continua no papel porque as sementes melhoradas e as técnicas agrícolas modernas ainda não chegam aos camponeses moçambicanos.

Distribuição do Orçamento do Estado

A distribuição do Orçamento do Estado foi uma das principais nódoas do reinado do Presidente Guebuza, onde sectores vitais como Agricultura e Saúde baixaram de “quotas” para menos de 10%. Em contrapartida, sectores não prioritários viram os seus bolos crescerem, como são os casos do SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado), Casa Militar e Presidência da República.

Outro problema ligado à distribuição do orçamento é que o mesmo continua bastante centralizado, cabendo aos distritos menos de 18%, ao que o académico e deputado José Chichava justificou num dos programas televisivos que tal devia-se ao facto dos distritos não possuirem capacidade para gerir fundos. Logo, à semelhança da agricultura que não é a base de desenvolvimento, o distrito também não é o polo de desenvolvimento nem a base de planificação.

A má distribuição dos recursos, incluindo o Orçamento Rectificativo de 2013 que beneficiou instituições que não foram abrangidas pelas calamidades naturais, levou as bancadas parlamentares da Renamo e do MDM a chumbarem o mesmo, mas a FRELIMO, com a maioria qualificada, aprovou-o, sendo que até hoje as estradas Chissano-Chibuto e Chibuto-Guijá, por exemplo, continuam danificadas e não se vislumbra nenhum sinal para a sua reabilitação depois das cheias de Janeiro último. Muitos dizem, incluindo o conceituado jornalista Salomão Moyana, que o país está com problemas sérios de gestão: gestão da coisa pública, gestão de crises e conflitos (como a greve dos médicos), gestão de pessoas, etc.

Isso pode ter que ver com o facto de se privilegiar a confiança política para os cargos técnicos em detrimento da meritocracia que a Dra Vitória Diogo tanto defendia no início do seu mandato como Ministra da Função Pública. Mesmo os sectores que receberam significativas injecções financeiras, como é o caso do sector de transportes (para Maputo e Matola, incluindo o transporte marítimo) fizeram opções questionáveis e que no lugar de resolver só agravaram o problema, com autocarros de má qualidade e sem assistência técnica disponível no país.

Também temos ouvido relatos de que as obras do Estado, sobretudo no sector da Educação, não são de qualidade e outras estão simplesmente abandonadas depois dos empreiteiros terem recebido os fundos, sem no entanto apresentarem a respectiva contraprestação ou garantias, conforme reza o Decreto 15/2010, de 24 de Maio (Lei do Procurement).

A Presidência da República recebe um bolo maior que o do Minsitério da Saúde para suportar as sumptuosas e já referidas presidências abertas, as constantes e prolongadas viagens do Presidente e sua esposa ao exterior, bem como os honorários dos incontáveis assessores e conselheiros de Guebuza, entre outras despesas pouco claras e evitáveis.

Há pouco ficamos a saber que o Governo contraiu um empréstimo de mais de 70 milhões de dólares para a construção de escritórios do Presidente, como se essa fosse a maior prioridade do país, que precisa, por exemplo, de dinheiro para construir a barragem de Mapai, que iria salvar a vida de mais de 500 mil habitantes da bacia do Limpopo, produzir energia eléctrica, permitir viabilização do aproveitamento do potencial do regadio de Chókwe e criar mais regadios ao longo da bacia, salvar as cidades de Chókwe e Xai-Xai e outras infra-estruturas económicas e sociais públicas e privadas.

BALANÇO DE GOVERNAÇÃO DO PRESIDENTE ARMANDO GUEBUZA (4)

“O líder da Renamo é que anda a escapar-se”. (Armando Guebuza, 07.09.2013)

Políticas juvenis: o emprego e o acesso à habitação

Já dissemos que há cada vez mais moçambicanos a acederem ao ensino superior, o que à priori pressupõe maior empregabilidade. No entanto, menos de 20% da população economicamente activa tem emprego formal, sendo que o grosso dos jovens dedica-se ao comércio informal. No seu segundo mandato, Guebuza instituiu o PERPU (Plano Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana), uma versão urbana dos “sete milhões”, cujos impactos ainda estão longe do esperado. Entretanto, com o surgimento dos megaprojectos acredita-se que daqui a cinco anos muitos jovens qualificados estarão empregados.

Poucos jovens têm acesso ao PERPU ou “sete milhões”, sobretudo os recém-graduados das faculdades e escolas técnicas, cujos projectos requerem somas elevadas e sem cobertura da banca comercial por falta de garantias ou bens hipotecários. A este desafio o Ministério da Juventude e Desportos respondeu com a criação de um fundo cujos beneficiários, se é que existem, só podem ser da Cidade de Maputo porque não se conhecem associações distritais que tenham se beneficiado do referido fundo.

Onde o Governo falhou foi na política de habitação para os jovens. O decano da FRELIMO Marcelino dos Santos levantou esta questão no X Congresso da partido, mas quase ninguém lhe prestou atenção. O FFH (Fundo para Fomento de Habitação) é uma das piores instituições em termos de políticas inclusivas. Anunciou a venda de casas por si contruídas em Chimoio ao preço de 1.150.000,00 MT, ou 240 prestações mensais de 12.000,00 MT cada. Os custos dos apartamentos da Vila Olímpica e casas do projecto Intaka, também sob gestão do FFH, são mais elevados ainda. Quantos jovens, mesmo os licenciados que sobrevivem honestamente do seu salário, têm capacidade financeira para pagar tais prestações, algumas das quais ultrapassam os seus ordenados mensais?

A estes projectos acrescentam-se outras iniciativas públicas e privadas, tais como o projecto Casa Jovem. Todas elas não são dedicadas a jovens de classe média-baixa, cujos rendimentos mensais por intermédio de salários, sobretudo para os funcionários públicos, não excedem os nove mil meticais. Os municípios e governos locais continuam a não ter terrenos específicos para os jovens, com taxas bonificadas e modalidades de pagamento flexíveis. O crédito à habitação da banca comercial não é subsidiado pelo governo, razão pela qual os juros são muito altos.

Desporto e Cultura

Moçambique lançou-se logo após a eleição do Presidente Guebuza à corrida para a organização do CAN-2008, onde foi prometida a construção de três estádios nacionais. O projecto falhou a favor de Angola, mas o plano continuou e como corolário nasceu o Estádio Nacional do Zimpeto. Seguidamente, o país organizou com sucesso em 2011 os X Jogos Africanos; os festivais nacionais de cultura e de dança popular decorrem nos períodos previstos, os jogos desportivos escolares idem. No entanto, o Ministério da Cultura não conseguiu combater a pirataria, o que levou a indústria discográfica à falência.

Excuso-me de avaliar o Presidente pelos resultados desportivos porque estes, embora dependam e resultem das políticas em vigor, são da responsabilidade exclusiva das federações, associações e clubes. No entanto, há uma pergunta que o Presidente fez sobre a fraca participação dos moçambicanos nos jogos olímpicos que eu gostaria de responder: a não participação da selecção sub-18 de basquetebol feminino no africano da categoria por falhas logísticas e de um atleta sub-18 por falta de visto, embora neste último caso com as despesas pagas pelo país organizador são reflexo da nossa falta de planificação e organização. Não apostamos nas selecções do futuro, que poderiam ser a esperança de Moçambique nos jogos olímpicos de 2018. Exemplos como este há aos montes.

Combate à criminalidade

O crime organizado tomou corpo nos últimos anos, onde os raptos passaram a ser moda, com resgates milionários. Muitos empresários e membros da Polícia foram assassinados, naquilo que os criminalistas chamam de execução. António Frangoulis, que conhece bem a casa, não se cansa de revelar as fragilidades do sistema, mas ninguém lhe dá ouvidos.

Durante semanas as pessoas de Maputo e Matola trocaram o conforto das suas camas pela patrulha nas ruas e bairros por causa de um suposto G-20, ao que o actual Ministro do Interior chamou de grupo imaginário, embora houvesse evidências de um grupo estar a praticar crimes com as mesmas características. A PRM continua a ser um dos parentes pobres do Estado, sem meios humanos, materiais, financeiros e tecnológicos para fazer face ao crime.

Os linchamentos da Beira são um sinal claro de descontentamento popular face à inoperância da PRM no combate à criminalidade. Até as comunidades islâmica, hindu e ismaelita ameaçaram não votar na FRELIMO caso o governo não parasse os raptos e assassinatos dos seus membros, mas, infelizmente, tais raptos continuam, tendo atingido ultimamente crianças, ao que as autoridades policiais reagem com discursos de que a população não se deve intimidar, mesmo sabendo que os criminosos andam à solta e ninguém faz nada para pará-los.

Preservação da Paz e Unidade Nacional

Armando Guebuza continuou na senda de luta contra o regionalismo e todos os moçambicanos tratam-se por igual, sem distinção da sua origem étnica ou territorial, mas o mesmo não se pode dizer dos moçambicanos que simpatizam-se com outras formações políticas que não a FRELIMO.

Quanto à preservação da unidade nacional, Guebuza demonstrou a sua falta de paciência para aturar os “caprichos” de Dlakama, o que acabou originando uma crise política que levou a Renamo a atacar esquadras, paióis e viaturas de particulares. Pela primeira vez em 21 anos da assinatura do Acordo Geral de Paz Dlakama voltou a ordenar os seus homens que pegassem em armas e disparassem contra militares, paramilitares e civis. Mas é preciso reconhecer que Guebuza herdou um bicudo problema dos homens armados da Renamo do seu antecessor, Joaquim Chissano, cuja solução não se afigura fácil e barata.

Temos assistido um espectáculo gratuíto, em que há mais de cinco meses diz-se que o Governo e a Renamo estão a dialogar, mas nada de concreto produzem. Felizmente, alguém colocou a mão na consciência e decidiu suspender o dito diálogo, até que as partes se comprometam a trabalhar em prol de uma agenda comum e de interesse dos moçambicanos.

A intolerância política está à beira de comprometer a unidade nacional porque muitos moçambicanos são discriminados devido às suas convicções ou opções políticas, onde sedes de partidos políticos da oposição são constantemente vandalizadas e funcionários do Estado membros desses partidos políticos despromovidos ou transferidos compulsivamente. Outrossim, quem não concorda com as políticas do governo ou as decisões dos dirigentes é logo considerado como sendo membro da oposição, mesmo não sendo.

Conclusão

Não quero limitar aos leitores através das minhas conclusões, que reflectem unicamente o meu ponto de vista sobre a governação do Presidente Armando Guebuza. É claro que muitos moçambicanos podem identificar-se com as minhas ideias, mas gostaria de deixar ao critério de cada um tirar as suas próprias conclusões e ilações.

O objectivo principal deste artigo não foi de diabolizar a figura de Guebuza, em contraposição com aqueles que procuram endeusá-lo; foi sim de demonstrar o sentimento de “nós povo” sobre aquele a quem escolhemos para dirigir os destinos do país.

Parece um ponto assente que a popularidade do Presidente Guebuza caiu muito, sobretudo nas zonas urbanas; a FRELIMO conhece uma fase negra da sua história (é contestada até pelas crianças) e o descontetamento da população é generalizado. Para minimizar isto, multiplicam-se acções de auto-defesa e auto-promoção, que só servem para piorar a situação.

Na última década vários foram os aspectos positivos e negativos que marcaram a governação do Presidente Guebuza, alguns dos quais estão patentes neste artigo. Adjectivos e bajulações à parte, Guebuza marcou o rumo de Moçambique e, como em qualquer governação, teve altos e baixos, uns justificáveis e fruto do processo e outros inerentes à sua personalidade como pessoa.

 

Escrito por Mahadulane

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