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As privações de um cidadão rural

As privações de um cidadão rural

A população das localidades de Mahubo e Porto Henrique, na província de Maputo, está desprovida das mais elementares condições para a sobrevivência de um ser humano e dispõe de um número insignificante de infra-estruturas sociais. As suas privações são, designadamente, a falta de transporte, de serviços de educação e de saúde, água, energia e documentos de identificação.

Há dias, o @Verdade visitou aqueles territórios que da vila de Boane distam 25 e 35 quilómetros, respectivamente. Durante o nosso percurso, as diferenças, desagradáveis, entre o modo de vida do rural e o urbano acentuavam-se cada vez mais à medida que nos dirigíamos ao interior das duas localidades.

Em Mahubo e Porto Henrique, onde a actividade básica de subsistência é a agricultura, o primeiro obstáculo com que deparámos foi o transporte. As vias de acesso são de terra batida e, consequentemente, a transitabilidade é um suplício, sobretudo nos dias de chuva.

O mau estado dos troços está, em parte, na origem da ausência do transporte privado e público de passageiros, mas, mormente, porque as estruturas locais e o Governo não investem no desenvolvimento das zonas em alusão. Entretanto, é possível encontrar camionetas a percorrerem pequenas distâncias carregando sacos de carvão vegetal com gente por cima e contra todos os riscos que acarreta uma viagem nessa situação.

Os donos dos veículos transportam, ocasionalmente, pessoas e colectam cinco meticais por cada cinco quilómetros, porém, o percurso é feito apenas até ao quilómetro 16, a partir do qual em diante há que depender da boa vontade dos camionistas que fazem o trajecto Boane/Belavista, por exemplo. O grau de insatisfação dos habitantes de Mahubo e Porto Henrique é de tal sorte que eles se consideram deixados à sua sorte pelos governantes. Para o camionista Jorge Matequenha, de 56 anos de idade, não faz sentido, no século XXI, que a população das duas zonas esteja votada às actuais condições de vida.

Água

No que diz respeito a água, esta é ouro nas duas regiões. Enquanto um punhado de moradores anseia instalar torneias nas suas casas, o grosso deles pede fontanários uma vez que os que existem localmente ficam muito distantes dos bairros deficitários. Cristina Matsena, de 28 anos de idade, vive no bairro Kazimani, no Porto Henrique e para obter o preciso líquido faz uma marcha de cinco quilómetros até o bairro Hindane. Contudo, nem sempre traz esse bem essencial, por isso, como alternativa ela e os outros habitantes recorrem à água salgada do rio Tembe.

No bairro Mahubo 10, reina alguma tranquilidade no que concerne ao abastecimento de água porque a empresa Águas de Mahubo tem tanques imensos, aparentemente suficientes e que abastecem toda a área. Ao contrário do que acontece no Porto Henrique, pode-se ver homens, mulheres e crianças enchendo bidões nos fontanários que parecem abundar ao longo da via no Mahubo. Entretanto, no mesmo bairro é possível encontrar gente a aguardar, impacientemente, à boca de uma fonte de água para encher um recipiente.

Por volta das 16h:00, com a sua bicicleta, na qual transportava dois bidões, Inácio Malenga, de 23 anos de idade, terá percorrido nove quilómetros para conseguir água no Mahubo. Ele disse que todos os dias faz o mesmo percurso à mesma hora em que a água é fornecida. Na Lacaia Comercial, única mercearia de referência em Porto Henrique, um dos empregados disse-nos que o seu patrão acarreta água no distrito de Changalane que dista 10 quilómetros daquela comunidade.

Energia

O acesso a energia eléctrica é outro drama de alguns moradores da localidade de Mahubo e de toda a zona de Porto Henrique. Nesta vive-se completamente às escuras. Os bairros Mahubo 1 a 16 estão electrificados, pese embora a baixa qualidade da corrente tal como acontece em vários pontos do país. O único posto policial também funciona sem luz e os comerciantes recorrem a painéis solares. Eliete Ngoene, de 24 anos de idade, nunca viveu numa casa com corrente eléctrica.

Com algum nervosismo, ela disse que não compreendia os motivos pelos quais a população de Mahubo e Porto Henrique é marginalizada. “Há anos que o projecto de energia chegou a Mahubo e terminou lá. Não temos acesso à informação por intermédio da televisão porque ainda utilizamos velas e candeeiros a petróleo.”

Saúde

Os serviços de saúde são um mito naqueles dois pontos da província de Maputo. Segundo os habitantes, existe apenas um posto de saúde em Mahubo 20, o qual, obviamente, não satisfaz a demanda. As pessoas, cujo estado clínico exige cuidados que ultrapassam a capacidade daquela unidade, recorrem à vila de Boane ou à de Belavista. Por causa disso, o Ministério da Saúde é malvisto localmente. Aliás, a comunidade está bastante agastada com o facto de se ter construído, há quatro anos, uma unidade sanitária que ainda não está a funcionar.

“Causa-nos uma certa inquietação a atitude do Governo de construir um hospital que nunca mais entrar em funcionamento”, desabafou Fernando Ndhovo, que sofre de trombose e enfrenta dificuldades para se dirigir a um hospital. Algumas mulheres com as quais o @Verdade conversou contaram que há gestantes que dão à luz em condições impróprias. É que, para além da inexistência de transporte, a distância entre a maternidade e as comunidades é grande, por isso, há partos realizados nos lares e, na pior das hipóteses, na rua.

“Precisamos de uma maternidade com muita urgência. Quando construíram aquele hospital que nunca entra em funcionamento pensávamos que o nosso martírio chegaria ao fim, mas, infelizmente, fomos esquecidos pelo Governo”, disse uma nativa identificada pelo nome de Dorca Dimande, de 50 anos de idade.

Educação

No Mahubo e Porto Henrique não existe escola secundária. Regra geral, as crianças que concluem o ensino primário dedicam-se ao apascentamento de gado ou à queima do carvão vegetal. Os pais e encarregados de educação afirmam que os filhos não continuam os estudos também devido à falta de transporte para a vila de Boane ou outro ponto da província de Maputo.

Florência Mulungo, de 29 anos de idade, é apenas um exemplo das jovens com quem dialogámos, e que depois de concluírem a 7ª classe ficaram em casa até que um dia passaram a viver maritalmente e tiveram filhos. Estes, no entanto, estão condenados ao mesmo destino caso persista a falta de estabelecimentos de ensino secundário.

Relativamente à segurança, no Porto Henrique existe pelo menos um posto policial, que funciona no meio de dificuldades. Um agente da Polícia da República de Moçambique (PRM), que por razões óbvias não se quis identificar, assegurou-nos que naquela região os indivíduos em conflito com a lei ou que desvirtuam as normas de convivência e harmonia social ficam apinhados numa cela por falta de uma viatura para transferi-los para Boane. “Trabalhamos mal, por turnos e passamos fome.”

Identificação

No Porto Henrique há pouca gente que possui documentos de identificação. Na tentativa de contornar a situação, um indivíduo, supostamente funcionário da Direcção de Identificação Civil de Namaacha, identificado pelo nome de Buque, colectou valores que variam de 200 a 400 meticais com o intuito de tratar de cédulas pessoais e bilhetes de identificação, porém, volvidos 15 meses, aqueles que desembolsaram tais montantes continuam sem registos nos notários.

Por exemplo, aos 32 anos de idade, Mendes Sibia nunca teve um bilhete de identidade e faz parte do grupo de cidadãos burlados. Ele disse que não tem dinheiro para ir a Namaacha tratar de documentos porque mal consegue alimentar-se. Por conseguinte, os seus filhos também não são conhecidos nos arquivos de registo público. Esta situação, que contraria alguns preceitos dos Direitos Humanos, abrange muita gente em Mahubo e Porto Henrique.

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