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As metáforas de Zamane Boy

As metáforas de Zamane Boy

O cidadão moçambicano Zamane Boy, de 56 anos, dedica-se à música há 41 anos e possui dois trabalhos discográficos. No entanto, é quase desconhecido no seu país. Além da música não tem outra actividade económica por isso, trava com ela uma relação de profunda dependência. Embora as condições sociais do músico moçambicano se degradem continuamente, Zamane não perde a esperança: “Melhores dias virão”, diz manifestando alguma preocupação com a glorificação de mensagens desviantes musicalmente disseminadas, no seu entender, pela juventude.

A carreira artístico-musical de Zamane Boy iniciou em 1973. No entanto, quando, em 1984, emigrou para a África do Sul, onde juntou-se a um grupo de artistas locais interpretando as suas composições em xichangana. Naquele país, actuava em eventos organizados por determinadas lojas e supermercados no âmbito da promoção dos seus produtos.

“Regressei a Moçambique, definitivamente, em 2002, mas antes, de vez em quando, vinha a Maputo a fim de renovar o meu contrato”, recorda-se. Na África do Sul, Zamane trabalhava numa companhia mineira. No entanto, quando o projecto terminou foi indemnizado e retornou ao seu país. “Percebi que já não havia a necessidade de procurar um novo emprego por lá. Até porque eu não era mineiro, mas prestava serviços aos exploradores das minas de ouro”.

Embora a carreira musical de Zamane tenha sido iniciada em Moçambique, os melhores momentos ficam experimentados na terra de Mandela: “Desde sempre, gostei de cantar e tocar a viola. Tanto é que, já na África do Sul, possuía um grupo denominado Zamane Boy and Sisters. Quando fundei esta colectividade artística não havia, entre nós, nenhuma certeza do que se estava a fazer. Tratava-se de uma tentativa de promover alguma manifestação artístico-cultural em que se envolvia um grupo de rapazes e meninas”.

Temática

No campo temático das suas composições, o artista baseia-se em duas metáfora que servem de fonte de inspiração. O artista compreende o músico como um jornalista ao mesmo tempo que também pode actuar da mesma forma que um pastor.

É a respeito disto que o artista defende a seguinte ideia: “As minhas músicas retratam o quotidiano da sociedade, incluindo as coisas que acontecem na vida das pessoas. Para mim, um músico é como se fosse um jornalista – quando vê situações que obstruem o desenvolvimento da sociedade, ele também começa a escrever sobre elas para alertar as pessoas. Então, as minhas composições musicais são produzidas tendo em conta a dinâmica social”.

A segunda metáfora de Zemane Boy consiste em comparar o músico a um pastor. E o contexto que gera esta perspectiva pode ser elaborado da seguinte maneira: “Embora ser músico implique enfrentar o sofrimento, eu não posso deixar de cantar. Por exemplo, agora existe uma expressão, mal concebida, de acordo com a qual há na sociedade moçambicana artistas que pertencem à velha guarda. O problema é que os jovens esquecem-se de que é este grupo social que lhes pode ensinar como fazer música com qualidade, com algum grau de educação, contrariamente ao que tem acontecido. Para mim, um músico é como um pastor que, quando está a pregar a palavra, deve disseminar uma mensagem útil para a sociedade”.

E não lhe faltam argumentos: “As mensagens ruins que os jovens disseminam nas suas músicas preocupam- -me porque, apesar de não terem bons conteúdos, são as mais propaladas e aprovadas pela sociedade. É isto o que faz com que nós que nos preocupamos em elaborar conteúdos musicais didácticos nas nossas composições parecemos ser os imprestáveis. É como se não cantássemos algo que valha”.

Por amor à arte

De acordo com Zemane Boy, “não posso desistir de cantar porque esse é o meu talento de nascença. Por exemplo, na África do Sul, as pessoas chamavam-me Maviola porque, além da viola, não tinha amigos. Quando a minha guitarra se estraga reparo-a imediatamente para que não fique prejudicado. Esse instrumento é mais do que a minha mulher porque, várias vezes, eu pretiro o almoço que a minha esposa me serve para tocar. Ou seja, quando estou a tocar, não me preocupo em aproximar-me da mesa para me alimentar. A comida pode esfriar – isso é o de menos”.

Entretanto, embora sempre tenha tido uma viola, Zemane Boy quis adquirir outros instrumentos musicais. O drama é que o dinheiro acabou antes de adquirir todas as ferramentas: “Quando saí de Moçambique já tocava, por isso, ao chegar à África do Sul tive a preocupação de comprar instrumentos musicais. Nesse sentido, na primeira oportunidade que tive dinheiro, comprei um amplificador de som. Ainda precisava de ter outros instrumentos mas, infelizmente, o trabalho que me dava a possibilidade de obter dinheiro para o efeito acabou antes de se concretizar essa ideia”, recorda-se.

Trabalhos discográficos

Ao longo dos seus mais de 40 anos de carreira, Zemane Boy produziu dois trabalhos discográfico, publicados a partir do ano 2000. O primeiro chama-se Wa Hemba Utavuya Kaya (Estás Equivocado Irás Voltar à Casa) e foi chancelado pela editora Sons d’África Moçambique. Este álbum tem uma história particular que o compositor e intérprete narra.

“As pessoas ficam aborrecidas umas com as outras. No contexto dessa discussão, alguém pode decidir abandonar a casa a fim de encontrar um espaço supostamente melhor. Perante isso, os mais esclarecidos afirmam que a decisão de abandonar a casa, em resultado de uma contenda, não é definitiva nem é a mais acertada. Por isso, quem sai do lar está equivocado, um dia irá retornar à casa. É que não há lugar melhor que a sua casa, mesmo havendo problemas. O mesmo acontece quando alguém emigra para um outro país onde a vida social é dura. Essa pessoa não pode permanecer no sofrimento. Sempre volta à sua terra”.

Zemane Boy mistura a nossa Marrabenta com outros estilos e ritmos da música sul-africana. O seu segundo trabalho discográfico, Xitimelene, é exemplo disso. Uma autobiografia no sentido de que se inspira na experiência do artista.

“Muitas vezes, quando eu trabalhava na África do Sul, fazia-me transportar de comboio para Komatipoort. Ao longo da viagem, as pessoas tiram as suas marmitas para se alimentarem. O drama é que sempre que comiam, quem não tivesse fazia o percurso a salivar. É como se pudesse degustar aquelas iguarias com os outros, o que era quase impossível. Por isso pedi à minha mulher para confeccionar amendoim a fim de que eu tivesse lanche no comboio”.

O futuro

Originário do distrito de Chibuto, na província de Gaza, Zemane Boy é pai e vive maritalmente. Presentemente, dedica-se à música como sua actividade exclusiva. É por essa razão que a encara com uma grande expectativa.

“Além da música não tenho outra actividade económica. De todos os modos, tenho a certeza de que quando as portas se abrirem serei bem-sucedido. Eu não sou muito conhecido, por isso, preciso de me encontrar com aqueles empresários que influenciam o mercado musical nacional. Acho que eles podem promover-me”.

É por essa razão que se elabora este desiderato: “Espero que qualquer empresário que ouvir falar de mim, neste jornal, que me contacte para fazer shows porque, quando estiver no palco, eu não sou preguiçoso. As pessoas que me viram, há pouco tempo, nesta cerimónia de apuramento para o VIII Festival Nacional de Cultura, apreciaram imenso a minha actuação”.

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