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“As associações devem lutar para gerar lucro e não viver de mão estendida”

É uma meta ambiciosa, mas alcançável. Ernesto Lopes, subgerente da OLIMA, uma empresa que aposta no desenvolvimento agrário, baseada no posto administrativo de Iapala, distrito de Ribáuè, província de Nampula, pretende transformar as pequenas associações de camponeses envolvidas na produção da mandioca em pequenas empresas, pois só assim é que estas podem gerar rendimentos.

Esta pretensão deve-se ao facto de a actual Lei do Associativismo não permitir que as associações possam gerar lucros a partir das suas actividades, fazendo com que elas dependam de doações, o que, na sua opinião, é errado.

@Verdade (@v) – Qual é o historial da OLIMA?

Ernesto Lopes (EL) – A OLIMA, palavra emakhua, que em português significa capinar, surge em 1999 com o objectivo central de desenvolver acções que possam resultar no aumento de níveis de produção da mandioca no distrito de Ribáuè, que tem muito potencial para o cultivo daquele tubérculo. A população local não conhece as vantagens da mandioca. Ela (a população) consome-a depois de seca e enfarinhada, ou fresca. O que pretendemos é incentivar os camponeses a consumirem todos os derivados desta cultura, como são os casos de ração, farinha misturada com trigo, entre outros.

@V – Em quantos distritos a OLIMA desenvolve as suas actividades?

EL – A OLIMA trabalha somente no distrito de Ribáuè, concretamente no posto administrativo de Iapala. Não queremos colocar a carroça à frente dos bois. Numa primeira fase, pretendemos capitalizar as nossas acções e os resultados daí decorrentes é que vão ditar a expansão ou não do nosso raio de cobertura. A partir daí poderemos determinar se vamos ou não aos outros distritos ou outras províncias, quem sabe. O nosso sonho é transformar as actuais associações em pequenas empresas porque acreditamos no potencial de que estas dispõem, razão pela qual temos vindo a transferir as novas tecnologias de toda a cadeia de valor da cultura da mandioca, e os resultados já são notórios. Há abertura de grandes machambas. No distrito de Ribáuè, onde estamos a trabalhar, para esta época conseguimos produzir 2.235 mil toneladas, e julgamos que a produção tem vindo a aumentar com a entrada em funcionamento da unidade de processamento da mandioca que instalámos no posto administrativo de Iapala.

@V – Os produtores receavam envolver-se na produção da mandioca devido ao fenómeno de podridão radicular. Qual é a realidade actual?

EL – No distrito onde trabalhamos, Ribáué, a situação da podridão radicular da mandioca está a ser ultrapassada porque, através do Instituto de Investigação Agronómico de Moçambique (IIAM), temos vindo a libertar novas variedades de mandioca tolerantes a este fenómeno. Em relação às variedades que temos vindo a experimentar, podemos dizer que são promissoras, razão pela qual que para além da produção da própria mandioca, aconselhamos os camponeses a apostarem na sua multiplicação.

@V – Os preços praticados na compra da mandioca estimulam os camponeses?

EL – O actual valor da compra está entre 1,50 e 2,50 meticais o quilograma, isto na unidade de produção. Estes preços são baixos, mas ainda estamos em processo experimental, esperamos que nos próximos tempos os mesmos venham a aumentar. Neste momento a produção por hectare está estimada entre quatro e cinco toneladas. Mas se o camponês conseguir produzir 20 a 30 toneladas por hectare, certamente haverá aumento dos preços de compra. Diz-se, por exemplo, que o rendimento médio por hectare na Nigéria ronda as 71 toneladas, imagine se nós chegarmos a esses níveis!!! Estaríamos noutro patamar. O grande constrangimento tem a ver com o facto de nós estarmos a produzir a mandioca sem olhar para a cadeia de valores, sobretudo a produção, o processamento e o mercado. Estas componentes devem andar juntas.

@V – O que está a falhar para não termos altos níveis de produtividade, à semelhança do que acontece, por exemplo, na Nigéria?

EL – O grande constrangimento é a falta de financiamento na componente agrária. Devemos ter em conta que a banca que temos é comercial e a agricultura é vista como uma actividade de risco, daí que são poucas as instituições bancárias que arriscam em conceder crédito aos camponeses ou agricultores. Por outro lado, há falta de seriedade por parte dos respectivos agricultores, são poucos os que honram os compromissos que assumem. Vimos isto através do famoso Fundo de Desenvolvimento Distrital. Muitos que tiveram acesso ao valor encontram-se em sítio incerto, e não o aplicaram como vem no papel apresentado para o efeito. Isso até certo ponto desencoraja os que têm dinheiro para emprestar. Outra situação que faz com que haja fraca produtividade é a nossa dependência em relação à chuva. Produzimos apenas numa única época, não exploramos ao máximo todo o tipo de tecnologia. Mas vamos aprendendo aos poucos e já temos uma unidade de produção de mandioca que alimenta a fábrica de cerveja de Nampula. Fornecemos igualmente a algumas padarias, que têm misturado a farinha da mandioca com o trigo para o fabrico de pão e outros derivados, e mais. E assim vamos andando até chegar a níveis desejados. Caso atinjamos esses patamares de produção, acredito que, a curto prazo, poderemos exportar a mandioca para o Vietname, porque há um grupo de empresários daquele país que está interessado.

@V – Como classifica a situação do agricultor no distrito de Ribáuè?

EL – Os agricultores queixam-se da falta de equipamento. Grande parte deles ainda usa a enxada de cabo curto, mas introduzimos o sistema de tracção animal, através do gado bovino, e estamos a fazer a monitoria a fim de avaliar até que ponto o processo é eficaz. Os famosos sete milhões de meticais são para a produção de comida e não para este tipo de iniciativas. Nós distribuímos algumas cabeças de gado como alternativa, mas o melhor seria o uso de tractores para a produção agrícola, e neste caso particular para o incremento dos níveis de produção da cultura da mandioca. Mas a maioria dos nossos agricultores sugere o uso da tracção animal devido à sua capacidade financeira, que é fraca.

@V – Não sua opinião, o que é melhor entre o tractor e a tracção animal?

EL – Isso depende das capacidades de cada agricultor, mas com os vários técnicos que colocamos à disposição dos produtores, acho que o melhor é o uso de tractor porque este pode lavrar 50 a 100 hectares. Se a pessoa tem poucos hectares, então sugiro que use a tracção animal.

@V – Porque é que em Moçambique há falta de grandes empresas viradas para a área da agricultura?

EL – Na realidade não temos essas empresas e isso não está ligado à falta de terra, mas sim à falta de financiamento para a promoção da agricultura em grande escala. Por exemplo, há casos em que um cidadão tem mil hectares, ou menos, mas não tem tractor. E o que acontece é que ele acaba por explorar apenas 50 hectares e o resto da terra transforma-se em mata.

@V – Estarão os agricultores de Ribáuè a apostar apenas na produção da mandioca para a comercialização? Produzem comida? Há fome no distrito?

EL – Não se pode falar da fome no distrito de Ribáuè porque há muito trabalho que tem vindo a ser feito, quer pela nossa empresa, quer pelo Governo, assim como pelas populações locais. Os camponeses são orientados a saber separar as áreas. Tem de haver uma para a produção da mandioca para venda assim como para o consumo, e outra para o cultivo de alimentos de primeira necessidade, tais como milho, feijões, entre outras culturas. Posso dizer que eles têm conseguido seguir estas recomendações. Por isso em Ribáuè não há focos de fome.

@V – A questão da falta de financiamento não é extensiva a todos os agricultores. Há alguns que têm acesso ao crédito mas os resultados não são visíveis. A que se deve isso?

EL – O principal problema é que a esses agricultores é oferecido dinheiro, o que é errado. Devemos abandonar a cultura de “mão estendida”. Sugiro que as pessoas beneficiárias sejam obrigadas a comparticipar, pois só assim é que vão passar a agir de forma responsável e a valorizar o investimento. Se há um bem, um tractor, animais para produção, não devemos entregá-los de borla.

@V – Acha que existem incentivos que promovam o desenvolvimento do sector agrário em Moçambique?

EL – Nalguns casos sim. Imagina que no distrito de Ribáuè a população vai beneficiar de um multi-centro, instituição que visa apoiar os pequenos e grandes agricultores. Fala-se, por exemplo, de um centro de produção de máquinas de alta tecnologia, sendo que os produtores terão a oportunidade de alugar tractores para a prática das suas actividades agrícolas. Com este centro, o fluxo de produção pode ser rápido porque um cidadão pode pedir um financiamento e investir num tractor, por exemplo, o que vai, de certo modo, facilitar o seu trabalho.

@V – Sabe-se que vão receber tractores para distribuir aos produtores. Com a experiência que tem, como é que o processo será dirigido?

EL – Realmente, vamos receber quatro tractores do Fundo de Fomento Agrário (FFA) e vamos entregá-los a quem tiver capacidade de adiantar acima da metade do custo total. Queremos que essa nossa experiência traga resultados positivos e não o que tem acontecido. Os agricultores recebem o meio e desaparecem da região. Como incentivo, os beneficiários estarão isentos do custo das alfaias agrícolas. Temos de cultivar novas mentalidades e traçar estratégias. Primeiro pedimos o financiamento e depois fazemos o reembolso.

@V – Como olham para o Fundo de Desenvolvimento Distrital?

EL – É um fundo muito pequeno para a nossa empresa, porque neste momento estamos com um projecto que está a consumir 1.5 milhão de dólares norte-americanos. Mas dentro da OLIMA, incorporámos 50 produtores, que estão a beneficiar de capacitação, o que lhes pode ajuda a melhorar os resultados das suas actividades. Eles, no fim da formação, estarão preparados para solicitar um empréstimo. O que acontece agora é que a pessoa desenha um projecto e submete-o. Há que estar preparado para receber um financiamento.

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