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Areia que garante o sustento diário

Areia que garante o sustento diário

No coração do bairro de Marrere, arredores da cidade de Nampula, dezenas de jovens e adolescentes abandonam os estudos para se dedicarem à extracção de areia, segundo o princípio de que “saco vazio não fica de pé”. A actividade, que tem vindo a ganhar proporções gigantescas – e adeptos também – tem as empresas de construção civil como os principais clientes. Porém, o grande drama dos exploradores é a extorsão protagonizada pela Polícia Municipal.

Diante da imperiosa necessidade de garantir o sustento diário, jovens e adolescentes relegam os estudos para segundo plano e dedicam-se à actividade de extracção de areia para a construção de residências na cidade de Nampula, um trabalho que exige muito sacrifício e força física.

Jacinto Joaquim, de 22 anos de idade, é exemplo disso. Ele abandonou as aulas quando frequentava a 10ª classe na cidade portuária de Nacala, onde fixou residência para prosseguir com os estudos, porém, passou a enfrentar dificuldades no que diz respeito a despesas diárias, facto que fez com que deixasse de estudar, tendo regressado à terra natal, cidade de Nampula.

Na luta pela sobrevivência, Joaquim não teve opção, até porque, no bairro de Marrere onde actualmente reside, os jovens da sua idade dedicam-se à extracção de areia para a construção civil. O seu dia-a-dia resume-se a acordar muito cedo, por volta das 4h00, e caminhar até ao areeiro que se localiza nas imediações do novo matadouro municipal e só regressa à casa no fim do dia.

“Não posso ficar de braços cruzados, visto que tenho uma família por cuidar e todos dependem de mim”, explica o jovem que, perante a falta de emprego, a única alternativa foi enveredar pela extracção e venda de areia para garantir a sobrevivência do seu agregado familiar composto por três pessoas. O jovem afirma que não tem sido uma tarefa fácil cumprir com a obrigação de chefe de família, porque o custo de vida tende a agravar-se a cada dia que passa. “Os preços dos produtos alimentares são assustadores para os cidadãos pacatos”, comenta.

Outro jovem que abandonou a escola para se dedicar à extracção de areia é Albertino Faustino, de 21 anos de idade. Todos os dias, coloca a sua vida em risco para garantir o sustento da sua família. “Eu e a minha esposa estávamos a estudar, mas por falta de condições financeiras desistimos”, diz. Faustino mostra-se satisfeito com os ganhos da sua actividade, pois conseguiu obter um terreno onde construiu a casa onde mora.

Aluai Jaime, de 12 anos de idade, é um dos adolescentes que, todo os dias, aprendem a ganhar a vida, extraindo areia em Marrere. Apesar de viver com os seus pais e seis irmãos, ele é a única pessoa que se preocupa em amealhar dinheiro para as despesas diárias da família. Os seus progenitores são camponeses e não exercem nenhum actividade de geração de renda, sendo que apenas dependem dos produtos agrícolas saídos da machamba para sustentar o agregado familiar.

Aluai esclarece que não é forçado a desenvolver a actividade de extracção de areia. Ele sublinha que se trata de uma necessidade pessoal de ganhar dinheiro e fez saber que, com o que amealha diariamente, além de colocar comida na mesa, compra vestuário para si e para os seus irmãos. “Os meus pais nunca me mandaram extrair areia e também não me proíbem, mas em algum momento ele sentem orgulho quando levo dinheiro para casa”, afirma.

Por dia, em média, amealha 200 a 400 meticais. @Verdade apurou que o preço de uma carrada de areia varia de acordo com a capacidade dos veículos que fazem o carregamento. Neste momento, Aluai frequenta a 5ª classe na Escola Primária de Nikuilikuithi, no bairro de Marrere. O adolescente não descarta a possibilidade de desistir dos estudos para se dedicar à actividade de extracção de areia a tempo inteiro, uma vez que tem sido constrangedor ter de trabalhar no período da manhã e, de tarde, ir à escola.

“Polícia Municipal é oportunista”

A actividade de extracção de areia nem sempre é coroada de êxito, sendo que há dias em que os jovens têm de enfrentar os agentes da Polícia Municipal que se dirigem àquele local não para impedir o desenvolvimento da actividade, mas para extorquir os jovens que sacrificam as suas vidas para garantir o sustento diário.

“Quando a Polícia Municipal vem para aqui pede ‘refrescos’ e nós não podemos negar. Aqueles que ousam recusar são alvo de detenções e, de seguida, encaminhados para o posto policial de Marrere, onde são repreendidos e torturados”, conta Albertino Joaquim, tendo acrescentado que eles continuam no local a trabalhar porque não têm outra alternativa para fazer face ao desemprego, uma situação que assola muitos jovens. As nossas fontes acusaram também os técnicos da Direcção Provincial de Recursos Minerais de Nampula de estarem a burlar os exploradores de areia.

Erosão destrói machambas

Nos terrenos onde os jovens fazem a extracção desenfreada de areia, todos os dias milhares de culturas têm vindo a perder-se, em virtude do desabamento de terra. A acção está a contribuir para o surgimento de crateras enormes, uma situação que constitui um atentado ao meio ambiente.

Além disso, a vida dos exploradores está em perigo, pois estes fazem escavações em grande profundidade sem observar os mais elementares métodos de segurança. Eles estão cientes disso, porém, disseram que se cruzarem os braços temendo os perigos que isso representa seria conformarem-se com o desemprego.

E, quanto às culturas que são destruídas, os jovens foram unânimes em afirmar que não se importam com os prejuízos daí resultantes, sendo que se interessam apenas em ganhar dinheiro, o que revela uma desvalorização ao esforço dos proprietários das machambas.

Apurámos que os agricultores que cultivam naquelas terras já tentaram, por diversas vezes, impedir a extracção de areia, mas os jovens mostram-se relutantes. As autoridades locais revelam-se inoperantes ao permitir escavações que num futuro próximo poderão prejudicar aquela zona.

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