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Andebol: Uma modalidade preterida em Nampula

O andebol em Moçambique tem, regra geral, menor expressão devido à falta de infra-estruturas, de formação e da respectiva massificação. As escolas, por sua vez, deixaram de ser um vector de promoção de novos talentos por não existir, nesta modalidade, uma estrutura com planos e objectivos a curto, médio e longo prazos. Na província de Nampula o cenário não é diferente. Aliás, o esquecimento a que está votado o andebol nesta região do país faz com que os poucos praticantes, através de meios próprios, tornem possível a sua movimentação sempre com alguma esperança. Nesta semana entrevistámos Lúcio Morais, presidente da Associação Provincial de Andebol (APA) de Nampula, que fez uma radiografia desta modalidade desportiva naquele ponto do país.

@Verdade (@V) – O que se pode dizer do andebol na província de Nampula?

Lúcio Morais (LM) – Falar de andebol em Nampula é falar, infelizmente, de uma modalidade nova. As actividades arrancaram em 2010, ano em que o actual elenco directivo tomou posse. Naquela altura tínhamos apenas oito equipas e, à medida que o tempo passava, mais colectividades filiaram-se na associação, o que nos leva a concluir que estamos num bom caminho no que diz respeito à massificação.

Só para ter uma ideia, se em 2011 contávamos com 12 núcleos, em 2012 registámos um total de 18, o que hoje nos faz ter 34 equipas a nível da província. Neste ano conseguimos erguer núcleos nos seis distritos municipais de Nampula tendo, geograficamente, quatro em Ribáuè, seis em Nacala-Porto, quatro na Ilha de Moçambique, quatro em Monapo e cinco na cidade de Angoche. Na capital provincial temos um número considerável de núcleos que funcionam nos bairros.

@V – Para além destes indicadores, quais são os outros que nos podem levar a concluir que esta modalidade está em franco crescimento em Nampula?

LM – Mesmo com a nossa pouca experiência, no arranque do ano passado fomos incumbidos pela federação da organização do Campeonato Nacional de Andebol em seniores. Acolhemos, ainda, mas já no presente ano, o Campeonato Regional de Voleibol em juvenis e juniores. Felizmente, não houve sobressaltos no decurso das duas competições.

Outro sinal que posso apontar é o dos atletas de alguns distritos como Ilha de Moçambique e Ribáuè que conseguimos transferir para a cidade de Nampula de modo a integrarem a selecção provincial que vai competir nos Jogos Desportivos Escolares. Importa referir que o respectivo seleccionador é da Ilha. Isto vem acabar com o monopólio da cidade de Nampula que até o ano passado dominava esta modalidade na província.

@V – Qual é o número oficial de atletas de andebol nesta região do país?

LM – Neste momento temos apenas o número exacto dos que estão na cidade de Nampula. Nas outras regiões ainda estamos no processo de registo. Não o fizemos há muito tempo devido à logística que se requer. Mas, só na capital provincial, temos 663 praticantes de andebol.

@V – Quais são os campeonatos locais que a associação organiza?

LM – Nós arrancámos muito tarde com as actividades competitivas. Por exemplo, este é o segundo ano em que organizamos os Campeonatos Provinciais de Andebol em Nampula. Felizmente, conseguimos movimentar todos os escalões desde os iniciados até aos seniores. A anteceder estas competições realizam-se sempre os respectivos torneios de abertura e de preparação. Neste momento estão a decorrer dois campeonatos, nomeadamente de infanto-juvenis e de seniores, em ambos os sexos.

@V – A província tem infra-estruturas devidamente apetrechadas para acolher as provas desta modalidade?

LM – Infelizmente, este é o nosso calcanhar de Aquiles. Temos sérios problemas relacionados com infra-estruturas desportivas para a prática do andebol. Não temos um campo próprio e os existentes não são favoráveis à modalidade. Tivemos que “assaltar” o campo polivalente do Conselho Municipal da Cidade de Nampula, localizado na praça do Destacamento Feminino, visto que quando solicitámos o seu uso permanente àquela entidade não tivemos resposta.

O outro campo disponível e que usamos como alternativa ao do município é o da Escola Secundária de Nampula. Tentámos, por outro lado, usar o campo polivalente do Ferroviário de Nampula. Infelizmente, não foi possível chegar a um acordo com aquele clube devido aos elevados custos de aluguer dos mesmos, pois cobravam-nos, por dia, três mil meticais. Eles nem sequer se apercebem de que esta associação vive de fundos próprios do presidente.

É de realçar que neste momento estamos em negociações com a direcção do Sporting Clube de Nampula para que os jogos deles possam ter lugar no seu respectivo pavilhão o que, quanto a nós, seria uma mais-valia devido ao seu bom estado visto que, nos outros, em dias chuvosos, somos obrigados a interromper os jogos.

@V – Disse que a associação funciona com fundos do respectivo presidente. O município e/ou o governo provincial não apoia este organismo?

LM – O governo provincial, através da direcção de tutela, tem-nos acarinhado e apoiado sempre que pode. É pouco para os nossos anseios, mas mais vale isso do que nada. Do Conselho Municipal da Cidade de Nampula nunca recebemos apoio. Aliás, já remetemos àquela instituição várias cartas a pedir patrocínios e a utilização do seu pavilhão e nenhuma delas até hoje foi respondida. Nem mesmo para dizer “não”. Contudo, quando se trata de eventos organizados pela edilidade, somos os primeiros convidados a participar. Para ser honesto, nesta província há poucos dirigentes e instituições que se interessam pelo desporto no geral.

@V – E qual é o papel que a federação tem desempenhado na associação?

LM – Temos uma relação distanciada. A comunicação entre estas duas instituições esteve muito boa até ao último dia do Campeonato Nacional de Andebol. Terminado isso, nada evoluiu. A federação isolou-se e está pouco preocupada com o desenvolvimento da modalidade. O mais lamentável nisto é que se trata de um elenco federativo recém-eleito e que entrou com vontade de mudar o rumo dos acontecimentos.

Do elenco passado, que esteve no poder durante oito anos, recebemos apoio somente em 2012 em que nos cederam oito bolas e cinco pares de equipamento para os árbitros, isto nas vésperas das provas nacionais. Sabemos da existência de um fundo anual alocado pelo Governo central à Federação Moçambicana de Andebol e nós nunca tivemos acesso ao mesmo.

@V – Mas esta é uma associação legalizada?

LM – Concluímos recentemente o processo de registo jurídico, a primeira actividade que levamos a cabo depois da nossa tomada de posse. Neste momento estamos à procura de 20 mil meticais para a publicação no Boletim da República.

@V – A associação tem quadros capacitados para servir o andebol?

LM – Até há pouco tempo lamentávamos o facto de não termos treinadores preparados. Hoje, felizmente, ultrapassámos este obstáculo, tanto é que o seleccionador provincial vem de um distrito como Ilha de Moçambique. Preocupa-nos o facto de termos apenas seis árbitros formados e três ainda em formação. Como pode perceber, somente este número é que ajuíza todos os jogos da província, em que um árbitro chega a apitar dez jogos num só dia. Eles já nos comunicaram e já demonstraram o seu sentimento de desgaste perante o facto, tanto que decidimos, de forma unilateral, transgredir uma regra da modalidade reduzindo o tempo regular de um jogo de trinta para 25 minutos.

@V – Porque é que não se pode formar mais árbitros?

LM – Como disse anteriormente, esta associação é financeiramente dependente do bolso do seu presidente. Para formar mais árbitros é preciso ter dinheiro. Mas agendamos para o próximo mês de Setembro um curso de formação de novos árbitros e capacitação dos que já exercem a profissão, em que iremos incluir indivíduos provenientes de todos os distritos da província. Aproveitaremos a oportunidade para reciclar os treinadores.

@V – Uma das questões que os árbitros colocam está relacionada com a falta de incentivos. Que medidas a associação vai tomar para que os árbitros se sintam valorizados?

LM – Não podemos prometer muito. Não dispomos de fundos. Os árbitros têm de continuar a trabalhar por amor à camisola. O que garantimos, durante os jogos, é um lanche para estes profissionais.

@V – Não será esta medida de dar apenas lanche que faz com que a província tenha poucos árbitros?

LM – O trabalho nunca parou. Com os poucos profissionais que temos vamos fazendo o nosso trabalho acreditando que, ainda neste ano, poderemos dar tudo o que os árbitros merecem, visto que introduzimos a política de quotas pela inscrição e filiação de equipas e núcleos cujo valor é de 1520 meticais anuais, o que irá também cobrir as despesas de aquisição de troféus e medalhas para premiar os vencedores durante as provas.

@V – Esta exiguidade de fundos faz com que a associação não apoie também os clubes?

LM – Apoiamos mas não como queríamos. Recentemente, distribuímos quarenta bolas por diversas equipas da província, adquiridas com fundos próprios. Ainda neste ano, a Direcção Provincial da Juventude e Desportos alocou-nos dez bolas, quatro apitos, dois cronómetros e alguns pares de equipamento desportivo que também distribuímos pelos clubes e núcleos.

Mas isso não pode significar que os clubes estão devidamente equipados. Pelo contrário, ainda há muito trabalho por se fazer nesta componente mas, para tal, é preciso que eles mesmos busquem apoio junto às empresas e governos locais, pois essa não é uma tarefa da Associação Provincial de Andebol.

@V – Insiste muito na questão de fundos próprios para o funcionamento da associação. Já, alguma vez, bateu à porta de potenciais patrocinadores?

LM – Nós nunca tivemos patrocinadores. E sendo uma modalidade desportiva com pouca visibilidade a nível dos órgãos de informação, é praticamente impossível termos entidades que apostem em nós. Outra coisa que me deixa inquietado tem a ver com o facto de os empresários que investem no comércio de equipamento desportivo se esquecerem do andebol, o que nos faz recorrer, quase sempre, à cidade de Maputo, o que torna o nosso material muito mais caro.

@V – Quais são os projectos da APA?

LM – Neste momento estamos a trabalhar na criação de uma escola de andebol denominado Futuro do Desporto Mundial. Estamos na fase de conclusão do projecto que será, dentro em breve, submetido à Direcção Provincial da Juventude e Desportos para efeitos de apreciação e de análise da sua viabilidade financeira. Está orçado em cerca de cem mil meticais.

@V – O que é que esse projecto vai trazer de novo?

LM – A ideia desta escola é formar não só jogadores, mas também árbitros e treinadores. Diria, por uma questão de comparação, que será uma “Universidade de Andebol” da província de Nampula.

@V – A maior parte das associações desportivas em Nampula não tem escritórios. Onde é que é funciona a APA?

LM – Nós não temos sede própria. Neste momento estamos a funcionar num pequeno escritório que se encontra na Escola Secundária de Nampula. É modesto, mas é o que temos. Temos de nos conformar pois, como deixou claro na pergunta formulada, a maior parte das associações não tem instalações. Avançámos, também, com um projecto de construção de um edifício de raiz já na posse do Conselho Municipal da Cidade de Nampula, e aguardamos por um parecer favorável.

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