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África do Sul está a tornar-se num inferno para os estrangeiros pobres

África do Sul está a tornar-se num inferno para os estrangeiros pobres

Os cidadãos estrangeiros de poucas posses, que vivem e trabalham na África do Sul, continuam a viver dias de medo com a pilhagem dos seus bens e ameaças à sua integridade física. Desde que a nova onda de xenofobia eclodiu há cerca de duas semanas, com particular incidência na província do KwaZulu-Natal, pelo menos cinco estrangeiros, um deles moçambicano, foram mortos por cidadãos sul-africanos e milhares tiveram de abandonar as suas habitações.

Desde a noite da passada segunda-feira (13) vários estabelecimentos comerciais pertencentes a cidadãos estrangeiros foram vandalizados nos bairros periféricos da cidade sul-africana de Durban por alguns cidadãos sul-africanos que acusam os imigrantes de ficarem com as suas oportunidades de trabalho e de serem responsáveis pela elevada criminalidade existente.

O Governo de Jacob Zuma, que não tem tomado medidas enérgicas contra a xenofobia que de tempos em tempo reacende, enviou centenas de polícias para tentar proteger os cidadãos estrangeiros que desesperadamente tentam salvar o que resta dos seus pertences entretanto pilhados e vandalizados por cidadãos locais que também incendiaram várias lojas.

O moçambicano Armando Matsinhe, trabalhador na área da construção, há duas noites que dorme numa esquadra da Polícia onde no quintal foram colocadas duas grandes tendas que estão a acolher pelo menos três centenas de pessoas. Não há camas, colchões ou mantas. “Os que conseguiram trouxeram mantas e colchão. Nós que não conseguimos estamos a desenrascar.”

Até ao momento Armando e outras centenas de moçambicanos, que estão refugiados nesta esquadra da Polícia, num dos subúrbios de Durban, não tiveram nenhum contacto com os responsáveis diplomáticos de Moçambique na África do Sul.

O nosso país tem um consulado na cidade de Durban. Os esforços do @Verdade para contactar a cônsul moçambicana foram infrutíferos. “Está em reunião fora, a avaliar a situação” informou-nos o secretário que disse que mais ninguém no consulado estava autorizado a pronunciar-se sobre a violência xenófoba.

“Nós aí na nossa terra precisamos de padrinho para conseguirmos trabalho, não é que não gostamos de estar no país”, confidenciou-nos Armando, que tem 34 anos de idade, três dos quais a residir e a trabalhar na África do Sul. É viúvo, tem três filhos que deixou com a avó no bairro de Romão, em Maputo. “Dizem que haverá transporte para os que vão querer voltar, se houver transporte mesmo, vale a pena regressar e salvar a vida”.

Pior foi o drama de Bashir Mahmoud, um pequeno comerciante somali, que relatou ao jornal online News24 não dormir há pelo menos seis dias com receio de ser morto e ver a sua loja, trabalho de uma vida, vandalizada. “O Governo diz que somos bem-vindos aqui, mas isso não é verdade. Estas pessoas vêm roubar tudo e ainda tiram a tua vida. Nós somos párias.”

Cidadãos oriundos da Somália, Congo, Paquistão, Nigéria, Zimbabwe, Malawi e também de Moçambique têm sido as vítimas destes sul-africanos que parecem seguir as ordens do rei zulu, Goodwill Zwelithini, o líder tradicional mais importante desta província sul-africana, que há três semanas afirmou que os imigrantes devem “fazer as malas e deixar” a África do Sul.

“Eles disseram ‘vocês devem ir embora’, o rei disse que vocês devem ir-se embora, mas nós ignorámos” afirmou ao jornal City Press Kasai Ruvenga, uma cabeleireira oriunda da República Democrática do Congo. No primeiro dia dos ataques xenófobos o seu salão de cabeleireiro foi vandalizado e destruído. “Quando eles vieram a primeira vez eram uns cem homens. Mas na segunda vez já eram em maior número e chegaram em mini-buses. Estavam bem organizados”, acrescentou Ruvenga que reside na África do Sul há 13 anos.

No princípio da noite de segunda-feira um outro pequeno comerciante, também somali, foi capturado e chegou a ter o seu corpo regado com combustível mas foi salvo pela Polícia que chegou antes de lhe atearem fogo.

Daniel Dunia, que tinha um pequeno negócio de reparação e venda de computadores, relatou ao jornal City Press que os rumores segundo os quais os ataques estavam iminentes começaram pouco depois das declarações do rei zulu, mas ele e os vizinhos não os levaram a sério.

“Os sul-africanos diziam-nos: ‘vamos atacar-vos na segunda-feira. O rei disse que vocês estrangeiros (kwekweres na expressão original) devem partir’ Não os levamos a sério. Mas cerca das 10 horas de segunda-feira (06) eles começaram a invadir as nossas lojas e a baterem-nos”.

Na manhã desta terça-feira (14) a Polícia anti-motim teve de usar gás lacrimogéneo, balas de borracha e canhões de água para dispersar um potencial confronto entre estrangeiros e locais, cerca de duas mil pessoas.

Desde que a recente onda de xenofobia eclodiu, milhares de estrangeiros procuraram refúgio num campo criado pelas autoridades sul-africanas. Pelo menos duas centenas desses refugiados são cidadãos moçambicanos.

O director dos Assuntos Jurídicos e Consulares no Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Fernando Manhiça, afirmou à Rádio Moçambique que pelo menos cem desses refugiados moçambicanos manifestaram o desejo de ser repatriados. Segundo a fonte, está a ser criado, em Beluluane, na província de Maputo, um centro transitório para acolher os imigrantes vítimas da xenofobia.

Só nesta terça-feira (14) o Presidente Filipe Nyusi pronunciou-se sobre estes ataques xenófobos. “Estamos a conviver e a relacionarmo-nos com o problema para o percebermos. O Governo sul-africano tem dado sinais de consciência, naturalmente que actos como estes não são programados, pelo que nos parece, pelo Governo então estamos encorajados que vamos encontrar no contacto diplomático, no diálogo a solução para que os nossos concidadãos não possam sofrer. Lamentamos, isso não pode acontecer nem lá nem aqui”, afirmou o Chefe de Estado moçambicano que não mencionou nenhum contacto com o seu homólogo da África do Sul para encontrar a melhor forma de lidar com a xenofobia que não é uma novidade na África do Sul.

O ministro da Informação do Malawi, Kondwani Nankhumwa, descreveu a situação no KwaZulu-Natal de “muito tensa”, em que milhares de imigrantes, maioritariamente moçambicanos e zimbabweanos, foram destituídos dos seus locais de residência e viram os seus bens pilhados. Em consequência disso, os governos do Malawi e da Somália estão a preparar o repatriamento dos seus cidadãos radicados na África do Sul. A embaixada do seu país em Pretória está a emitir salvo-condutos para os seus concidadãos, de forma a levá-los de volta a casa, segundo a AIM.

Em 2008 a violência contra cidadãos estrangeiros na África do Sul causou a morte de sessenta e duas pessoas entre elas Ernesto Nhamuave, um cidadão moçambicano que foi queimado vivo. O processo sobre o crime acabou por ser arquivado por alegada falta de testemunhas e suspeitos.

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