Morreu ontem, cerca das 20 horas, Ricardo Rangel, o decano do fotojornalismo moçambicano. Rangel contava 85 anos e faleceu tranquilamente em sua casa, enquanto assistia a um programa de televisão. Ricardo Rangel nasceu em Lourenço Marques (actual Maputo) em 1924.
Gostava de dizer que era filho de todas as cruzas. Tinha sangue negro, grego e chinês. Desde muito novo que se apaixonou pelas imagens que via estampadas nos quiosques da Praça Sete de Março (hoje 25 de Junho) a anunciarem peças de teatro e filmes mudos. Gostava de dizer que tanto o cinema e a televisão partiam da fotografia. Toda a origem da imagem era a fotografia.
Aliás, quando surgiu a televisão em Moçambique, no início da década de 80, Rangel foi dos que mais batalhou para que os novos ‘cameramens’ frequentassem primeiro um curso de fotografia já que, no entender dele, não tinham qualquer noção de imagem. “Eram um desastre”, dizia. É em 1941 que Rangel entra no mundo da fotografia, como aprendiz no laboratório de fotografia do caçador de elefantes e fotógrafo profissional, Otílio Vasconcelos.
Em meados dos anos 40 muda-se para o laboratório do estúdio fotográfico “Focus”, onde começa a ganhar fama como impressor a preto e branco. Pouco tempo depois dá-se a estreia na imprensa no diário bilingue “Lourenço Marques Guardian”. Em 1952 integra a equipa do jornal “Notícias da Tarde “. De 1960 a 1964, é fotógrafo chefe do recém-fundado “A Tribuna “, e em meados dos anos 60 trabalha como fotógrafo na Beira para os jornais ” Diário de Moçambique” e “Voz Africana”, e posteriormente para o ” Notícias da Beira “.
Nesta altura muitas das suas fotografias são banidas ou destruídas pela censura colonial, tendo-se, muitas delas, perdido. Em 1970, conjuntamente com um grupo de jornalistas, Rangel está na fundação da revista “Tempo”, a primeira revista de capa colorida em Moçambique. Em 1977, já depois da independência e após o êxodo da maioria dos fotógrafos da imprensa nacional, Ricardo Rangel é nomeado fotógrafo chefe do jornal “Notícias”, tendo-lhe sido confiada a direcção e formação de uma nova geração de foto-jornalistas.
Em 1978, está entre os fundadores do Sindicato Nacional dos Jornalistas (SNJ) e em 1981 é nomeado director do semanário “Domingo”. No mesmo ano é um dos fundadores da Associação Moçambicana de Fotografia – AMF. Em 1983, é convidado para fundar e dirigir o Centro de Formação Fotográfica (CFF). Da sua prolífica obra perpassa uma preocupação de crítica social, na tradição dos fotógrafos da agência Magnum.
O seu reconhecimento internacional data de 1996, quando é incluído na mostra “Fotógrafos Africanos de 1940 aos nossos dias”, no Museu Guggenheim de Nova Iorque e numa homenagem prestada pelos Encontros da Fotografia Africana, em Bamako, no Mali. Rangel deixa também publicados vários livros de fotografia, com destaque para “pão nosso de cada noite”, em que através da sua objectiva entramos na Rua Araújo (hoje Bagamoyo) no mundo dos bares e dos cabarets da “rua do pecado” dos anos 60 e 70.
Nos últimos anos, mesmo com a saúde fragilizada devido à diabetes – foi-lhe inclusivamente amputada uma perna – nunca deixou de se deslocar diariamente ao Centro de Formação Fotográfica onde trabalhava todas as manhãs ao som de outra das suas paixões: o jazz.
Rangel tinha ainda outra máxima: Quantos mais fotógrafos existirem melhor andará este mundo porque esta classe reporta com fidelidade qualquer realidade deste planeta.