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“A voz da comunidade nos distritos são as rádios comunitárias”

Numa altura em que os órgãos de informação públicos só veiculam os aspectos positivos e exaltam as realizações do Governo, esquecendo-se do seu papel, que é informar o cidadão, a alternativa que resta às comunidades das zonas rurais são as rádios comunitárias, cuja independência reside no facto de não dependerem de fundos do Estado.

Porém, apesar disso, muitos são os casos de interferências no seu funcionamento e na imposição de uma linha editorial que só atrofia o direito dos indivíduos à informação e põe em causa um dos propósitos da criação das rádios comunitárias: dar voz à comunidade. Estes constrangimentos levam o coordenador da Rádio Comunitária de Catandica, na província central de Manica, John Chekwa, a afirmar que “fazer rádio nos distritos não é fácil, é necessário haver uma entrega pessoal”.

Ele é um exemplo do que é sentir “na pele” as consequências de agir em nome da comunidade. Foram movidos dois processos contra si e a rádio que dirige já foi invadida por um deputado da Frelimo devido à sua cobertura imparcial da campanha eleitoral em 2008, aquando das terceiras eleições autárquicas. Mas não lhe passa pela cabeça abandonar a causa que abraçou. Na sua opinião, “a voz da comunidade são as rádios comunitárias, por isso elas devem corresponder às expectativas”.

@V – Como é que chega à Rádio Comunitária de Catandica?

JC – Bem, em 2005 eu era repórter e editor de um jornal comunitário, no distrito de Báruè. Na altura ainda não havia uma rádio comunitária. Entretanto, devido à censura, um colega meu e o director do referido jornal foram presos, e isso ditou o fim da publicação. Já em 2006, chega a UNESCO e, devido ao trabalho que eu desenvolvia na comunidade e aos meus artigos, colocaram-me o desafio de gerir a Rádio Comunitária de Catandica, após a sua abertura. Numa primeira fase, recusei o convite. Apenas aceitei trabalhar na qualidade de activista. Só em 2007, depois de analisar a situação, é que assumi o cargo de coordenador, que ocupo até hoje.

@V – Como foram os primeiros dias de funcionamento da rádio? Foi fácil a sua inserção, as estruturas locais não interferiram no vosso trabalho?

JC – Não foi fácil. No princípio o governo distrital censurava as notícias que emitíamos. Não queria que veiculássemos uma informação sem que passasse antes pelo seu “crivo”. Havia uma espécie de filtração de conteúdos.

@V – E como é que isso foi ultrapassado?

JC – Foi graças ao apoio dos nossos parceiros, nomeadamente o MASC (Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil), MISA Moçambique, e o FORCOM (Fórum das Rádios Comunitárias). Com a sua colaboração, começámos a ter a noção do verdadeiro papel de uma rádio comunitária, que é representar a comunidade. A partir daí passámos a reportar assuntos do interesse da comunidade, as suas preocupações, e muito mais.

@V – Não terão sofrido represálias a partir do momento em que deixaram de “prestar vassalagem” ao governo distrital para dar voz à comunidade?

JC – Claro que sofremos. Quando começámos a reportar as preocupações da comunidade, um deputado da Frelimo, pelo círculo eleitoral de Manica, de nome Tomás Razão, invadiu a nossa rádio em 2008 alegadamente porque o que reportávamos não era verdade.

Ele teve aquela atitude porque nós acabávamos de reportar um caso de vandalização de material de propaganda da Renamo, o que culminou com o espancamento de um jovem, membro deste partido. Estávamos no período das eleições autárquicas. Nós entrevistámos todos os intervenientes, e ouvimos o pessoal médico do hospital para onde o jovem tinha sido levado. A notícia foi lida em todas as línguas locais.

@V – Consta que foi processado em 2009…

JC – Sim, fui. O que aconteceu foi que a rádio recebeu uma denúncia de membros de uma associação de camponeses local. Eles acusavam o director dos Serviços Distritais das Actividades Económicas de Catandica de ter comprado uma viatura que tinha sido vendida pelo director executivo da referida agremiação. Procurámos o director distrital e ele refutou a acusação.

Disse que tinha emprestado um certo valor ao director executivo da associação e que este não demonstrava interesse em pagar, por isso penhorou a viatura. Porque já tínhamos o contraditório, reportámos o caso e, como consequência, foi aberto um processo contra mim. Estranhamente, o caso não teve desfecho e depois de um tempo ficámos a saber que o processo tinha sido arquivado e a viatura devolvida à associação.

@V – E em relação ao caso das sementes que não germinavam, sabe-se que está a responder a um processo.

JC – Sim, estou a responder a um processo relacionado com este caso. O julgamento vai ser amanhã, dia 25 de Abril. (O fecho da edição do jornal teve lugar na quarta-feira, 24 de Abril).

@V – Pode contar os contornos do caso?

JC – Na campanha agrícola 2011/2012, os agricultores do distrito de Catandica aproximaram- se da rádio e disseram que tinham adquirido 2,5 toneladas de semente de milho à empresa Nzara Yapera. Só que a mesma não germinou. Depois disso, tentámos entrar em contacto com o responsável da empresa, mas este recusou-se a receber-nos.

O director distrital das Actividades Económicas também não quis falar sobre o assunto, mas um técnico da mesma instituição pediu 100 grãos da semente para testar a sua qualidade e o resultado indicou que apenas 30 porcento dela é que germinavam. Só que a empresa trouxe um resultado de uma análise laboratorial que tinha sido feita na cidade de Chimoio. Mas o resultado é duvidoso.

@V – Porquê?

JC – A empresa diz que o resultado é do dia 16 mas a semente deu entrada no laboratório no dia 30. Isso quer dizer que já havia resultados antes de a semente ser enviada para análise. E mais, a notícia foi veiculada no dia 23.

“As rádios comunitárias são insustentáveis e a Taxa de Radiodifusão só beneficia a Rádio Moçambique”

@V – É fácil fazer rádio no distrito?

JC – Não é. Há interferências no seu funcionamento e, por vezes, nós, os colaboradores, recebemos ameaças. Não temos fundos, pelo menos o operacional. O nosso orçamento é inconstante. Os nossos voluntários precisam de um incentivo e nós não estamos em condições de pagar um subsídio, pelo menos.

@V – Como é que reclamam da falta de fundos se os cidadãos pagam a taxa de radiodifusão?

JC – Nós, as rádios comunitárias, não beneficiamos de nenhum valor proveniente do pagamento da taxa de radiodifusão. Quem recebe é a Rádio Moçambique, mas esta não cobre todos os distritos. Por mais que o seu sinal chegue lá, não cobre toda a extensão. Nós estamos onde a RM não consegue chegar.

@V – Face a essas dificuldades, como é que a Rádio Catandica funciona?

JC – Felizmente, desde 2010, contamos com o apoio do Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC) e outros parceiros, como a UNICEF e o FORCOM. Nas nossas instalações, leccionamos cursos de informática, temos serviços de cópias. Sobrevivemos também de anúncios.

@V – Que tipos de assuntos a Rádio Catandica reporta?

JC – Como órgão comunitário, abordamos questões ligadas à agricultura, saúde, educação, cultura e governação.

@V – Quais são os problemas com que as comunidades de Catandica se debatem?

JC – Há falta de serviços básicos, tais como a educação, saúde. Nas zonas rurais não há centros de saúde, o que faz com que as pessoas tenham de percorrer dezenas ou centenas de quilómetros para chegarem à vila, onde temos um hospital distrital. Não há vias de acesso. Há muita produção no interior mas não há como escoá-la para os mercados. Não temos água, mulheres e crianças percorrem longas distâncias para acarretar o líquido precioso.

@V – Como é o vosso relacionamento com a administração local?

JC – É bom. Por exemplo, o edifício onde funciona a rádio pertence à administração distrital. Ela é que paga as contas de luz e não nos cobra nada pelo facto de estarmos a ocupá-lo. Semanalmente, ela envia o programa e nós divulgamo-lo.

@V – E com o conselho municipal?

JC – Também é bom. Aliás, a edilidade contribui mensalmente com 500,00 meticais para o funcionamento da rádio.

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