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A Pátria Amada está viciada de erros

A Pátria Amada está viciada de erros

Em 2013, o @Verdade publicou uma matéria relacionada com o reconhecimento dos direitos autorais do criador do actual Hino Nacional, “Pátria Amada”, a Salomão Júlio Manhiça. Na época discutia-se a proposta da revisão do símbolo, um processo de que o Parlamento moçambicano está a par. Mas mais do que os dois primeiros aspectos, existe um terceiro e delicado – “o Hino Nacional de Moçambique, Pátria Amada, está viciado de erros”.

O maestro Feliciano de Castro, licenciado em música pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, foi formando do autor do hino nacional de Moçambique. Castro teve a honra de – ao longo da produção da sua monografia sobre o primeiro hino nacional que sublimava a Frelimo – ter sido supervisionado por Salomão Manhiça.

Foi esta experiencia, este contacto com o seu mestre, que possibilitou ter as informações que nos narra. Entre 1981 e 1982, ao pensar na possibilidade de os moçambicanos – como uma nação – não se identificarem com o primeiro hino nacional, dado o facto de ter sido criado para saudar e glorificar os feitos do partido Frelimo, o Presidente Samora Moisés Machel compreendeu a necessidade de se criar um novo símbolo nacional – equivalente ao primeiro – mas, a partir do qual, todos os moçambicanos se identificassem.

Para iniciar o processo da criação do novo hino, Machel selecionou um conjunto de escritores e poetas, dentre os quais Mia Couto, Samuel Munguambe Júnior, Calane da Silva e José Bento Victor, que deviam gerar propostas do que viria a ser o novo hino nacional. No entanto, na época, não se chegou a nenhum resultado favorável. Até que Machel acabou por encontrar a morte.

Nas vésperas das primeiras eleições-gerais, que aconteceram em 1994, criou-se a Comissão para a Revisão do Hino, com vista a analisar e corrigir as partes que enalteciam essa força política. Segundo Feliciano de Castro, a referida comissão devia readaptar o texto do hino à realidade contemporânea. “O problema é que no seio do grupo existiam pessoas apologistas da ideia da mudança total do cântico, enquanto outros queriam que se mudasse somente o conteúdo mantendo-se a melodia da obra”.

Em resultado disso, concluiu-se que se devia adoptar um novo hino. Nesse processo, um dos funcionários do Governo recordou-se das composições que se havia feito naquela época, tendo escolhido a composição de Salomão Júlio Manhiça. Mas isso não bastava. Era preciso que se encontrasse também artistas capacitados para a gravação da obra. Por volta de 1994, Manhiça reuniu-se com Faustino Chirute, também maestro, para fazer a composição do hino. Juntos escreveram o texto e a própria partitura. Segundo conta de Castro “esse hino, Pátria Amada, tem uma composição musical muito complexa. Por isso, encontrar as pessoas capazes de ler e interpretar as suas partituras foi um processo desafiador”.

A origem do problema

Feliciano de Castro refere que o grupo que produziu o hino nacional modificou-o de forma leviana. “Tudo feito por dinheiro e não pelo amor à Pátria Amada. Faltou sensibilidade e auto-estima nas pessoas envolvidas no processo”. Na ocasião, diante das dificuldades com que se debatia, segundo Feliciano de Castro, tal grupo de pessoas – para se livrar da complexidade do trabalho que devia fazer – mudou alguns componentes complexos da partitura. Curiosamente, no Boletim da República sobre o assunto explica-se que foi aprovado o hino nacional que inclui o texto e a sua partitura.

No entanto, contrariamente ao que está escrito na partitura e violando o aludido instrumento, o hino é entoado de outra maneira. Para além da desvalorização do que estava escrito e aprovado pela Assembleia da República, o pessoal vandalizou a sua estrutura rítmica. Por exemplo, segundo Feliciano de Castro, o hino é um instrumento e um dos símbolos de uma nação.

Diferentemente do que acontece nas partes em que o hino é entoado numa voz menos credível, este deveria ser exaltado numa nota firme, simbolizando o amor e a confiança que nós temos pela nação moçambicana. O mesmo acontece com algumas palavras que não se fazem ouvir pois foram ofuscadas por outras. Por exemplo, no coro diz-se “Moçambique nossa terra gloriosa”, o que para Feliciano devia ser emitido em duas vozes em contratempo, uma que enaltece a glória e outra a generosidade. “Esta situação é triste porque, para além do ritmo marginalizado, a sua composição está no mesmo estado. Não se respeita esse símbolo da pátria”.

Feliciano considera que este assunto pode parecer simples, mas há pessoas – especializados na diplomacia internacional – que se dedicam ao estudo e à interpretação de partituras que constituem o hino nacional de cada país. “O pior é que para nós, os moçambicanos, falar sobre as irregularidades existentes no nosso hino pode significar falta de nacionalismo”. O músico afirma que é possível que – no concerto das nações – “sejamos questionados sobre como é que, como um povo, não sabemos entoar o nosso hino. E porque é que continuamos a promovê- -lo sabendo que está eivado de erros?”

Há desleixo

Para além da desvalorização e da falta de humildade dos que gravaram o hino nacional, Feliciano afirma que “este problema é conhecido pelas entidades governamentais do país. Entre as pessoas que sabem bem da versão original do hino nacional está o Presidente da República e o seu Governo, mas acham que falar sobre o assunto é imprudente. Por isso, não querem assumir o erro”.

A propósito da “falsificação” do hino, Feliciano explica que, por diversas vezes, foram questionados – e quase sancionados – pura e simplesmente porque interpretaram-no de acordo com a partitura. “Uma vez pediram-me para ajudar nos ensaios do Grupo Coral do Conselho Municipal de Maputo, na recepção ao Chefe de Estado. Dentre as várias canções solicitadas, ensaiámos também o hino nacional.

Dados os vícios que existem na obra, tive de dar uma formação de duas semanas, esclarecendo os desvios existentes e a forma de evitá-los para entoar a obra perfeitamente. Tudo estava como eu queria, mas, no dia do evento, depois da entoação do hino, vieram algumas pessoas perguntar donde era o cântico que havia entoado porque não era de Moçambique. Na altura, eu disse que aquele canto era, sim, de Moçambique”, refere Castro.

O legado de Manhiça

Salomão Manhiça vivia angustiado com a qualidade do hino nacional porque o indignava. Depois de não ter sido reconhecido, ainda em vida, o seu direito de autoria da obra, Manhiça instruiu o seu aluno a fim de que ele lutasse pelo reparo – no aspecto da propriedade intelectual – das regularidades geradas na sua interpretação. Neste sentido, Feliciano acredita que a melhor forma de se resolver o problema é a abolição da obra devendo-se gravar a original, respeitando as partituras. “É que o que se lê não existe na partitura. Por isso, não é isso o que deve representar o país”.

Saiba mais consultando o link: https://www.verdade.co.mz/destaques/democracia/37090-parlamento-reconhece-direitos-autorais-do-criador-do-hino-nacional.

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