Vou contar-te um segredo, meu querido Pirata. Tu podias ser o homem da minha vida. Não mais um homem da minha vida, mas O Homem Da Minha Vida. Aquele em que eu podia confiar a minha casa, a minha família, o meu mundo. Já tive alguns homens na minha vida.
Com um casei e tive filhos, com o outro sonhei e tive viagens e com outro ainda, imaginei que a minha vida podia ser outra vez uma casa cheia com uma família de cinco lugares sentados à mesa. Nenhum deles ficou. O meu marido era maluco, o meu maior amor era mentiroso e o meu segundo noivo mudou de ideias numa tarde de Setembro e a cabeça dele nunca mais voltou ao lugar. Não, não enlouqueceu, apenas deixou de gostar de mim. Depois disso, habituei-me a olhar para os homens como tantas vezes eles olham para as mulheres: como objecto de desejo, prazer e consequente abandono.
Não me custa fazer isso, agir com o meu lado mais instintivo. Nem preciso de fechar o coração, ele está trancado há bastante tempo, o suficiente para me ter esquecido do código de acesso, mas não há demasiado para que o tenha perdido dentro do meu peito. Desde que mudei de registo e parti do princípio de que afinal os homens nem sequer eram importantes na minha vida, senti-me mais leve. Menos feliz, é certo, porque ninguém é feliz sem sonhos e sem ideais, mas pelo menos mais serena. Ou talvez conformada, tanto faz. Sei apenas que me cansei de sonhar e que me sinto melhor assim. Agora, quando olho para trás e os vejo com a distância que faz sobressair todos os defeitos deles, vejo que nenhum era para mim, o que me faz pensar que o homem da minha vida ainda pode aparecer.
Talvez ande por aí, à minha procura, sem saber que sou eu, ou talvez já me tenha encontrado, mas nenhum de nós tenha percebido. O homem da minha vida tem de ser parecido comigo. Em educação, princípios, inteligência e humor. Tem de saber comer à mesa, cumprimentar a minha mãe e brincar com os meus filhos. Tem de me desejar todos os dias e de me amar todas as noites. Tem de me contar sempre a verdade e de abrir os braços nos dias em que o cansaço vence tudo. Tem de cuidar de mim se eu adoecer e brincar comigo quando eu estiver triste. E eu tenho de ser a mulher da vida dele.
E tu podias ser o homem da minha vida, meu náufrago da perna de pau, tu que jogas futebol e fazes boxe, que tens um corpo perfeito e uma pele extraordinária, que viras os meus sentidos ao contrário e me fazes rir como ninguém. Mas não é o que a vida quer. A vida quer outra vida para ti que não ao meu lado. Estás ocupado, casado com uma mulher que se calhar até é a mulher da tua vida.
Não tenho inveja dela, a inveja é um país que nunca visitei. Nem tenho ciúmes, porque sei que a amas e que ela te faz feliz. Só tenho pena de não te ter conhecido antes dela, mas isso são coisas do destino e do destino ninguém sabe, ninguém manda, ninguém muda, mesmo quando pensamos que somos mais fortes do que ele. A sorte ou a fatalidade desenham- se a qualquer momento e um simples gesto pode mudar o curso da nossa vida para sempre. A vida é uma longa viagem, nunca sabemos até onde nos leva, nem quando acaba, e a minha tem sido cheia de sonhos e de bons momentos.
Um desses momentos foi contigo, quando atravessavas a cidade para me dar um abraço, quando abrias o teu coração e me contavas todas as asneiras que fazias, quando chegavas ao final da tarde e me fazias rir, quando ficavas deitado ao meu lado a apanhar sol e a suspirar pelo meu corpo. Nunca houve mentiras, faltas, dúvidas, silêncios, mal entendidos. Nunca perdemos a cabeça nem enganámos ninguém. Nunca nos zangámos nem perdemos a confiança um no outro. E nunca nos quisemos usar, como tantos homens e tantas mulheres fazem. Nós encontrámo-nos, num mundo em que toda a gente anda aos encontrões. Já pensaste o quanto isso vale? Vou-te contar um segredo, meu Pirata em terra.
Tu não és o homem da minha vida. Mas a simples ideia de pensar que podias ser, dá-me força e alento para voltar outra vez a sonhar que ele anda por aí, à minha procura, mesmo sem saber que sou eu a mulher da vida dele. Ninguém é feliz sem sonhos e tu trouxeste-mos de volta, embrulhados em papel azul. Agora são meus, posso fazer deles o que quiser.