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A ntyiso wa wansatititi – A caixa de Pandora

Às vezes acho que são as palavras que se viram contra mim, exactamente nos momentos cruciais, aqueles em que elas, as palavras, me poderiam valer. Talvez as use com excessiva facilidade e as gaste com toda a minha pretensa eloquência.

Ou talvez elas não representem quase nada, nem sequer o significado que lhes damos. O que contam são os actos – esses sim, falam mais alto – e o que nunca se ousou dizer, o que se guarda no peito durante dias, semanas ou anos, como um tesouro precioso e clandestino que perde o encanto e o valor se for revelado ou descoberto. Mas é mais forte do que eu.

Há anos que me sento em frente a um ecrã branco e preencho-o de caracteres pretos, criando a ilusão de que desta forma encho os meus dias e dou uma ajuda a mais algumas pessoas, os meus leitores, de que naquilo que lhes escrevo encontram respostas e soluções para tristezas e enigmas que o meu conhecimento não alcança.

O meu apego às palavras é tão grande que são elas o princípio, o meio e o fim da minha existência, a única forma que alcanço para me relacionar com os outros e com o mundo. E também comigo, quando falo sozinha com os meus botões e procuro respostas e explicações para tudo. E depois, depois há as palavras dos outros. As de todos os escritores cujos livros conversam comigo na minha casa, que vou descobrindo nas minhas viagens. Histórias perfeitas e parágrafos sublimes que vou coleccionando com o prazer e a culpa de quem se apropria de tesouros alheios.

E quando as palavras que os outros escrevem dizem o que sinto, sinto-as como minhas e registo-as num caderno, no telemóvel, num guardanapo de papel, para mais tarde as oferecer a alguém. Aforismos, diálogos, monólogos, descrições de um personagem, de uma casa, de um lugar. Frases soltas, reflexões, princípios filosóficos, abreviaturas, nomes, alcunhas, diminutivos, expressões idiomáticas, provérbios e ditados populares, tudo serve para me entender melhor com a realidade. Mas talvez não seja assim. Talvez tenha escolhido o caminho oposto par alcançar o entendimento.

Quanto mais penso, me organizo e me respondo, mais dúvidas tenho e menos satisfeita me sinto. A pouco e pouco, comecei a perceber que não há respostas para tudo. E as poucas que existem, ou são erradas ou são absurdas. E é então que baixo os braços, entrego as armas e desisto a favor do silêncio, que é tudo o que me resta. Mas o silêncio nunca traz respostas.

Instala-se como um tirano que ocupa todas as casas e jardins do mundo, que manda prender e torturar todos os que falam, que se esconde atrás da indiferença, do desinteresse, do vazio, da distância, tentando convencer-me de que é melhor assim, como se as palavras vivessem todas na caixa de Pandora e fosse um crime para a humanidade abri-la e deixá-la respirar.

Um dia destes faço um furo na caixa, daqueles invisíveis, tipo formiga branca, e começo a ver as palavras a sair numa coluna de fumo, uma a uma, quase sem se dar por isso. Pode ser que, então, finalmente, saiam as palavras certas, poucas, sempre poucas, as suficientes, porém, para te fazer voltar ao mundo em que éramos quase sempre felizes, com ou sem elas.

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