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A ntyiso wa wansati – A casa é tua

A ntyiso wa wansati - Como um ovo
Não sei de onde me apareceste nem porque é que te convidei para ir à ópera, mas a vida atropela-nos de repente e quando damos por isso já mudou tudo, olhamos para trás percebemos que se fechou um ciclo e que nada será como antes. 
Respondeste-me que a Carmina Burana era uma grande seca, que tinhas dado partes da letra na faculdade e que tinhas chumbado duas vezes a latim por causa dela, nunca percebias nada, mas agora quem não percebe nada sou, nem porque é que meti conversa contigo nem porque é que mesmo sem teres ido naquela tarde ao S. Carlos, nem por isso deixaste de entrar na minha vida.

Que raio terás tu visto em mim, que não sou alto nem bonito, que tenho um aparelho nos dentes e trabalho mais do que Deus manda e que nunca tenho tempo para nada, nem sequer para ir ao barbeiro cortar a cabeleira farta que me dá um certo ar de playboy perdido no tempo. Mesmo assim, consigo ter sempre os sapatos engraxados e as camisas engomadas, uma colecção de botões de punho da qual me orgulho e uma bonomia perante a vida que deve ser mais genética do que outra coisa, porque a vida não me tem sido fácil, mas não há nada que me deite abaixo e agora que te conheci, ainda fiquei com mais vontade de me rir para ela.
Quando estou contigo é como se parassem os ponteiros do relógio, o que até é normal quando um tipo se envolve com uma mulher e tem vontade de a levar até ao fim do mundo, mas quando não estou contigo ainda é pior, os ponteiros começam a andar para trás, oiço as pessoas ao longe e movimento-me como se estivesse dentro do Sputnik, só me falta a Laika a ladrar em delírio, feliz por pairar num universo sem gravidade.
Isto é grave, mais grave do que partir de foguetão e ficar perdido no espaço, porque na solidão da estratosfera há alguém cá em baixo que nos comanda à distância, que nos fala através dos altifalantes, nos diz que somos heróis, que está na hora de dormir e sabemos que não estamos sós. Quando tu não estás comigo, fico sem voz de comando, ninguém me diz nada porque as pessoas falam mas eu não oiço, só oiço o teu coração a bater junto ao meu, a tua respiração de suspiros, os teus gemidos de arrepio quando te passo as mãos pelos braços e estes se eriçam como pêlo de gato, só oiço a tua pele cujo cheiro reconheci antes mesmo de tocar, a música dos teus cabelos quando escorregam pelas minhas mãos como água doce, enquanto sorris como uma miúda e eu tenho vontade de nunca mais te largar, porque longe de ti não sei se estou perdido, só sei que me sinto só e que só penso em voltar para o teu lado.
Dizem que os homens não têm coração porque nunca viram o meu, que deve ser com certeza maior do que eu, porque nele cabem a minha mãe, a minha filha e tu, mas só se lá quiseres entrar, não obrigo ninguém a nada, estás à vontade, a casa é tua, por dentro e por fora, cabeça, tronco e membros, carne e coração, tempo e alma.
Gosto de ti de uma forma que não consigo nem quero explicar, gosto de ti assim, despenteada, um bocadinho carente e às vezes muito cansada, gosto das tuas gargalhadas sacudidas, das tuas mãos compridas, das tuas ancas estreitas que agarro pelo ilíacos como pegas do guiador de uma bicicleta, gosto da tua boca quando se encosta à minha e dos teus ombros quando se enroscam por entre os meus, quando tens medo do passo seguinte.
Também tenho medo, mas não digo nada, porque gosto de sorrir para a vida e pensar que tudo vai correr bem, mesmo quando os dias me trocam as voltas e chego à noite estoirado a casa sem encontrar um sentido às coisas.
Não sei se caíste do céu, nunca ouvi dizer que o Chiado era um aeroporto de anjos, mas agora que vieste de um planeta diferente, não te vás já embora, a casa é tua, entra, experimenta, mora um bocadinho no meu coração e ouve o teu a bater. Talvez ele te diga se este é o teu lugar e chegaste ao fim da tua viagem. A casa é tua, fica por aí, até saberes o que queres, porque querer é poder e se depender de mim, eu quero que fiques para sempre, enquanto o que sinto por ti for verdade.
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