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A “nossa” malária

A “nossa” malária

A principal causa de internamento e óbitos nas unidades sanitárias públicas do país é também um dos problemas de saúde mais negligenciados pelos moçambicanos. Todos os anos, em média, quatro mil pessoas morrem devido à doença causada pela picada do mosquito Anopheles. Os dados oficiais dão conta de que o número de doenças e mortes provocadas por malária tendem a baixar, porém, estatísticas à parte, a realidade é outra. Nem as pessoas que supostamente deveriam ter melhor informação escapam à uma malária.

Nas primeiras horas de um dia útil da semana, João* começou por se sentir cansado. E depois com uma ligeira dor de cabeça. Não deu muita atenção, até porque, pensou, talvez andasse a trabalhar demais. Talvez precisasse de repouso. Havia de ser um mal-estar passageiro. Deixou o computador e fez uma pausa de aproximadamente meia hora, mas a indisposição manteve-se.

No final do dia, sentiu novamente a dor de cabeça, mas desta vez com maior intensidade. Porém, suspeitou de que a mesma fosse fruto do cansaço visual causado pelo uso constante do computador. “Tenho de fazer uma visita ao o almologista”, sentenciou.

Malária ou quaisquer outros tipos de doenças estavam fora de questão. Tomou comprimidos e foi deitar-se. Durante a noite, acordou a gemer de febre e, para baixar a temperatura do corpo, fez compressas frias com uma toalha húmida na cabeça e no tronco, tendo atenuado a situação e dormiu.

No dia seguinte, voltou a sentir-se cansado. “Se calhar é apenas um mal-estar, há-de passar”, disse para si mesmo enquanto se mantinha defronte do computador. A poucos minutos do meio-dia, teve novamente febre, dor de cabeça, além de car sem apetite.

Não pensou três vezes e deslocou- se ao Centro de Saúde 1° de Maio, a unidade sanitária mais próxima da sua residência, na cidade de Nampula. O diagnóstico laboratorial foi, diga-se de passagem, o inesperado: duas cruzes de malária. Ele não teve dúvidas sobre a causa da doença, uma vez que há vários meses vinha a abdicar do uso de rede mosquiteira, apesar de dispor de uma pendura nas paredes do seu quarto.

O caso de João não é isolado. Quando José* pára e re ecte na malária que contraiu em Inhambane, durante as eleições intercalares daquela urbe, uma palavra emerge imponente: negligência. A doença foi mais fruto do seu desleixo do que do facto de ser uma doença endémica em Moçambique.

Nos nove dias que permaneceu na “terra da boa gente” oriundo da cidade de Maputo dormiu num quarto sem mosquitos, cuja cama estava protegida por uma rede mosquiteira.

“Não usei a rede e nem o repelente que o meu colega deixava disponível”, conta e acrescenta: “passávamos as refeições num restaurante repleto de mosquitos. Nem essa ameaça foi capaz de levar-me a usar repelente. Aliás, algumas vezes ia ao restaurante de calções e chinelos. Os mosquitos, esses, não se inibiam e faziam a festa”.

Um passo para a “cova”

“Efectivamente, depois de intensa dor de cabeça, desloquei-me ao Hospital Central de Maputo (HCM) e no balcão de atendimento registaram os meus dados. Nome, local de nascimento e bairro. Ficaram com o meu contacto e de mais alguém que pudessem contactar caso houvesse necessidade”, conta.

Porém, antes perguntaram-lhe se vinha transferido. Ele disse que não, razão pela qual a funcionária do HCM solicitou o pagamento de 150 meticais pela consulta. Com a cabeça a arder, não teve outra hipótese. Num posto de saúde a mesma consulta custaria 1 metical, valor que nem chega para comprar um rebuçado. Contudo, as pessoas, diga-se em abono da verdade, ganharam o hábito de correr para o HCM até por uma dor na unha. Este é uma das causas responsáveis pelas enchentes.

No interior do HCM tive de esperar pela minha vez. Porém, um funcionário disse à acompanhante de José (neste caso sua esposa) que poderia apressar o atendimento. Só tínhamos de agradecer. Ela concordou. “Nessa altura em que promovemos o suborno esquecemos do nosso papel de formadores da opinião pública”, comenta.

Meia hora depois José foi recebido pelo médico. Perguntou pelos sintomas. Mediu a tensão e disse que, naquele aspecto, a saúde estava óptima e pediu-lhe para ir fazer o teste de malária. Meia hora depois voltou com um papel que não conseguia interpretar. Resultado: “malária, duas cruzes”, disse o médico de plantão.

“Depois de passar a receita dei 50 meticais ao funcionário do HCM. Acredito que dividiu com o enfermeiro. Naquela altura pouca importância tinha o destino que o dinheiro tomaria. Eu só queria comprar os medicamentos e deitar-me”, conta.

Na farmácia do HCM onde é normal não existirem medicamentos, segundo o senso comum, encontrou tudo de que precisava. Em casa começou a tomar os comprimidos, amarelos e com um cheiro forte. Dois de manhã e outros dois à noite. Durante três dias a mesma rotina.

A fraqueza e a falta de apetite foram perdendo espaço à medida que os comprimidos acabavam. No primeiro dia, ficou literalmente deitado e com a sensação de que a medicação estava a agravar a doença, sentimento que começou a desaparecer no segundo dia.

Existe uma linha ténue que separa a vida da morte quando se contrai a malária porque, além de sobreviverem à doença, os pacientes têm de lutar contra a falta de dinheiro para os medicamentos e subornar os pro fissionais de saúde, suportar o mau atendimento e as longas las de espera. Em média, os doentes são obrigados a aguardar pelo atendimento médico duas horas.

Negligência

Nas duas histórias distintas, os protagonistas tiveram a mesma sorte: ambos contraíram a malária. Além disso, as causas da doença também foram semelhantes: a negligência. Apesar de ser a principal causa de problemas de saúde e mortalidade nos hospitais do país, a população continua a ignorar os métodos básicos de prevenção.

Todos os anos são distribuídas redes mosquiteiras a diversas comunidades, porém, constata-se que as mesmas têm sido destinadas a outros fins, nomeadamente pesca e actividades domésticas.

Os dois casos acima relatam e elucidam que nem sempre a malária é um problema das políticas de saúde pública ou de mau atendimento nos hospitais e postos de saúde. João e José são, na verdade, Rui Lamarques e Hélder Xavier, jornalistas de pro ssão, e lidam todos os dias com informação relacionada com a malária.

Porém, foram negligentes e tinham a possibilidade e a informação para terem mais cuidado. Por terem ignorado o adágio popular que diz “mais vale prevenir do que remediar” foram vítimas do mosquito Anopheles.

O outro lado

Aquando das celebrações do Dia Mundial de Luta contra a Malária, o posto administrativo de Imala, no distrito de Muecate, província de Nampula, sob o lema “Manter Ganhos, Salvar Vidas e Investir na Malária”, acolheu a cerimónia que se tornou numa oportunidade de sensibilização comunitária sobre a necessidade de prevenção, recorrendo, para o efeito, à palestra, concursos e actividades lúdicas para passar a mensagem. As autoridades locais sublinharam a importância do uso da rede mosquiteira.

Segundo o médico distrital, Frederico João Sebastião, a malária é a primeira causa de internamento de crianças, jovens, adultos e mulheres grávidas a nível do distrito de Muecate. Apesar de não se tratar de uma zona pantanosa, os casos da doença são frequentes.

Por semana, a média de consultas é de 1050, grande parte com sintomas de malária. “Embora se tenham distribuído redes mosquiteiras, os casos da doença subiram devido ao mau uso das mesmas”, disse.

A miragem

As estratégias de implementação do combate à doença estão longe de atingir as metas estabelecidas de eliminar a malária em Moçambique. Porém, as autoridades moçambicanas prevêem que até ao fi m deste ano (2012), todos os 128 distritos do país tenham acesso a pelo menos um método de prevenção da malária como rede mosquiteira ou pulverização intradomiciliária.

Dados existentes dão contam de que os casos de malária baixaram. Durante o ano de 2011 registaram-se cerca de três milhões de casos, contra os cerca de seis milhões em 2005. Em termos de óbitos passou-se de quatro mil, em 2005, para cerca de dois mil, o ano passado. O Ministério da Saúde (MISAU) deverá igualmente aumentar a disponibilidade de testes rápidos de diagnóstico da malária e de medicamentos antimaláricos.

A epidemia é responsável por 40 porcento de todas as consultas externas. Até 60 porcento de doentes internados nas enfermarias de pediatria são admitidos como resultado de malária severa. A doença causada pelo mosquito é também a principal causa de mortalidade nos hospitais em Moçambique.

Ou seja, quase 30 porcento de todos os óbitos registados. A estimativa de prevalência no grupo etário dos dois aos nove anos de idade varia de 40 a 80 porcento, com 90 porcento de crianças menores de 5 anos de idade infectadas em algumas áreas.

O acesso aos cuidados de saúde é um problema preocupante, uma vez que ainda é muito baixo. Segundo o MISAU estima-se que metade da população vive a mais de 20 quilómetros da mais próxima unidade sanitária.

A malária é também o maior problema que atinge mulheres grávidas nas zonas rurais. Aproximadamente 20 porcento estão infectadas pelo parasita, sendo as primigrávidas as mais afectadas, com uma taxa de prevalência de 31 porcento.

Malará afectou seis mil pessoas em Nampula

Na cidade de Nampula, perto de 6006 pessoas foram afectadas pela malária, no primeiro trimestre deste ano, contra 3889 em igual período do ano passado, o que originou entre 147 e 240 óbitos, respectivamente, uma situação que está a preocupar as autoridades sanitárias e a população.

E para pôr cobro ao problema, no mesmo período foram distribuídas redes mosquiteiras, principalmente nas consultas pré-natais, um total de 71.421 contra 47.551 nos primeiros semestres dos anos de 2012 e 2011, respectivamente, em toda a província, o que representa um crescimento em 50 porcento em relação ao ano passado.

Diversas actividades estão a ser implementadas no sentido de reduzir o nível de contaminação da malária, nomeadamente a distribuição de redes mosquiteiras e a criação de espaços que estimulem uma melhor higiene individual e colectiva.

“Quero que toda a população siga as mensagens que o Governo tem vindo a promover no combate à malária, usando a rede mosquiteira e outras práticas contra o maior causador da doença”, disse o director da Sáude, Mulher e Acção Social da cidade de Nampula, Leonel Namuquita, tendo acrescentado que todas as actividades que as autoridades da Saúde vêm fazendo devem ser complementadas com um esforço para combater e erradicar a malária de Moçambique e de Nampula em particular.

Sintomas de malária

O período de aparecimento dos primeiros sintomas da malária depende do género do parasita. Regra geral, iniciam entre 10 e 35 dias após o mosquito haver injectado o parasita no indivíduo. Os episódios podem iniciar de repente com calafrios e tremores, acompanhados por sudorese e febre intermitente.

Esses sintomas seguem sempre um padrão semelhante, podendo ser acompanhados de um período de mal- -estar, calafrios com tremores e febre que dura de 1 a 8 horas. Os ataques podem ocorrer a cada 48 horas e durar 20 ou 36 horas, ou recorrer a cada 72 horas.

Em suma, os sintomas iniciais de malária são:

– Dor de cabeça

– Febre baixa e constante

– Dores musculares

– Calafrios

– Mal-estar

Os padrões da doença variam de acordo com o tipo de malária e as complicações podem ser fatais.

Causas

A malária é causada por parasitas protozoários do género Plasmodium. Em humanos a malária é causada pelos protozoários P. falciparum, P. malariae, P. ovale, P. vivax e P. knowlesi. Destes, o P. falciparum é a causa mais comum da infecção, e responsável por 80% dos casos de malária e 90% das mortes decorrentes da doença.

Os hospedeiros e vectores de transmissão da malária são as fêmeas dos mosquitos. Os mosquitos jovens ingerem primeiro a malária ao alimentarem-se de um ser humano contaminado. Uma vez infectado, ele torna-se o vector da doença e pode contaminar outros humanos.

Só a fêmea do mosquito é que se alimenta de sangue, daí que os machos não transmitem a malária. As fêmeas do mosquito do género Anopheles preferem alimentar- -se de noite. Elas geralmente começam a procurar alimentação ao anoitecer e continuam pela noite adentro. Os parasitas da malária também podem se transmitidos por transfusão de sangue, embora isso seja raro.

Prevenção

A prevenção consiste em evitar-se picadas do mosquito, fazendo-se uso de rede mosquiteira, repelentes, calças e camisas de manga longa, principalmente no período de fim da tarde e início da noite, além de se evitar a acumulação de água parada a fim de se impedir a oviposição e o nascimento de novos mosquitos.

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