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A Feminista Durona: As meninas que ninguém protege

Li noutro dia uma entrevista de 2013 sobre os casamentos prematuros no Sudão, e era citado um ancião que dizia: “As meninas nascem para que a gente possa comer. Tudo o que quero é receber o meu dote”. Ele tinha forçado a sobrinha, de menor idade, a casar-se com um homem mais velho.

Esta fala deu-me que pensar. Em Moçambique, nunca ouvi ninguém que falasse dos “casamentos” prematuros dessa maneira. Mas também é verdade que isso não impede que o nosso país seja um “campeão” desta prática horrível de obrigar meninas novas a unirem-se a homens adultos. Por exemplo, quem sabe que, a nível mundial, Moçambique está em 7º lugar entre os países com maior incidência? As estatísticas nacionais confirmam e dizem: mais de metade das mulheres casa-se antes dos 18 anos. Destas, cerca de duas em cada 10 casam-se antes dos 15 anos. As regiões centro e norte do país apresentam uma maior prevalência de casamentos prematuros.

Para além de todos os problemas de acesso à saúde e à escola, de desigualdades sociais entre áreas rurais e urbanas e entre províncias, as crianças de sexo feminino ainda enfrentam os “casamentos” prematuros. Sabemos que há pais que prometem a filha em casamento mal nasce e, por conta disso, recebem dinheiro e bens para ajudá-los com as despesas de alimentação e outras. Quando a criança, já com 10 ou 12 anos (às vezes mais cedo) é reclamada pelo “noivo”, ela é entregue.

Há informações também de que mesmo sem promessa de casamento, se aparecer algum homem com dinheiro e posses, os pais ou os responsáveis pela criança podem entregá-la para casamento. Estes dados não são novos. Todos nós sabemos disso, de ouvir falar, porque conhecemos alguém que foi obrigado a casar-se, por termos na família casos desses. E o que fazemos? Fazemos pouco ou quase nada.

Essas meninas obrigadas a casar-se tão novas normalmente deixam a escola, começam a ter filhos muito cedo, com prejuízo para a sua saúde, e viverão o resto das suas vidas sem muita esperança e sem muitas alegrias. Terão um marido a quem servir, vários filhos de quem cuidar e alimentar. E, muitas vezes, por se casarem com homens já com outras esposas, terão que trabalhar para toda a família. E nós continuamos a olhar para o lado. Dizemos que é a nossa cultura e que temos de respeitar. Dizemos que os pais é que sabem o que é melhor para as filhas. Dizemos que as coisas são mesmo assim e que nada se pode fazer.

Portanto, a realidade é essa. Por esse país fora, há muitas meninas a serem forçadas a casar-se contra a sua vontade, para enfrentarem uma vida difícil. O futuro delas está comprometido, sem poderem estudar e decidir por si mesmas o que é melhor para elas. Quem fala por elas? Quem as protege? Uma matrona da Zambézia afirmou: “Só isto é dito pelos pais: ‘tem um homem que quer casar contigo’. Gostar, não gostar, só cala, não pode negar.”

Talvez seja a altura de dizermos não e de exigirmos que sejam tomadas medidas para se acabar com estes crimes contra as crianças. Talvez também tenhamos que começar a falar mais sobre o assunto, para que as meninas saibam que podem e devem dizer não a esses “casamentos” e para que os adultos, que devem protegê-las, entendam que o “casamento” prematuro já não é aceitável no Moçambique democrático. Já agora, nem sequer devíamos chamar essa prática de “casamento prematuro”. Quando alguém se casa, expressa a sua vontade. Neste caso, não seria melhor dizer que são “uniões forçadas de crianças”?

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