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A educação precisa de ser reformulada para atender às necessidades pontuais do país

A educação precisa de ser reformulada para atender às necessidades pontuais do país

Em Moçambique, a área da educação, se não é a mais questionada, pelo menos, está entre as que têm levantado acesos debates tanto pela qualidade de ensino, bem como pelo modelo que está a ser seguido. Sobre esta matéria, o director executivo da Associação para o Desenvolvimento da Comunidade e Meio Ambiente, Félix Banze, entende ser necessário reformular a política da área de modo a adequá-la às necessidades do país.

Nessa reforma, Banze propõe a inclusão de novas cadeiras a serem leccionadas no ensino geral, tal é o caso das de noções de direito e de economia doméstica, que no seu entender têm impacto directo no quotidiano dos cidadãos. A APDCOMA é uma agremiação que surge em 2002 e actua na defesa e promoção dos direitos humanos, suas áreas prioritárias, e também na área de desenvolvimento comunitário na perspectiva de implementação de projectos que permitam a geração de renda aos beneficiários.

@Verdade: O que a APDECOMA faz na promoção dos direitos humanos?

Félix Banze (FB) – Nós decidimos abraçar a área de promoção e defesa dos direitos humanos em 2006. Nesse ano estabelecemos uma parceria com o Ministério da Justiça e começámos a implementar um projecto denominado “Divulgação de Instrumentos Legais”. O objectivo era trazer à consciência, não só dos políticos, mas também da população no geral, a noção dos seus direitos e deveres. O direito que lhes é reservado como pessoas.

Entendemos que a partir da divulgação dos instrumentos legais a pessoa vai encontrar os seus direitos e deveres, ou seja, o cidadão precisa de saber que tem o dever de pagar o impostos e, em contrapartida, tem direito à educação, saúde e outros meios. Os instrumentos legais não só trazem o peso de serem normas, mas trazem também a questão social, pois a pessoa adquire a noção de convivência em sociedade. Nós achamos que há uma questão muito importante que o Governo ainda não está a dar a devida importância. Refiro-me ao ensino sobre os direitos humanos. Defendemos que devia haver uma cadeira, pelo menos, no ensino secundário sobre Introdução ao Direito.

O que nós estamos a verificar hoje é a falta de cidadania que resulta da falta de conhecimento, porque quando há falta de cidadania é porque o povo não sabe. Nós até podemos ter medo que as pessoas conheçam os seus direitos, mas, mais vale elas conhecerem os seus direitos porque vão-nos ser mais úteis que aquelas que não conhecem. Assim, e em contrapartida, não conhecem os seus deveres.

@Verdade: Entendem que de alguma forma o Governo teme que as pessoas conheçam os seus direitos, que ganhem a consciência de cidadania?

(FB) – Eu diria que é uma acção filosófica. Não faz sentido que nós, vivendo num país democrático há mais de 20 anos, não tenhamos, no ensino geral, noções de direito. Quando se introduz a noção de direito na faculdade, a questão que surge é quantas pessoas têm acesso ao ensino superior no país. E isso mexe com a cidadania. Mexe com o exercício consciente do voto. E porque isso tem impacto grave penso que é chegado o momento de os pensadores colocarem a mão na consciência e perceberem que é preciso libertar as consciências. E isso significa que as pessoas têm de ter acesso à informação e esta deve permitir que elas exerçam os seus deveres.

@Verdade: Onde é que foi feita a divulgação da legislação?

(FB) – Foi em duas províncias, nas quais nós nos propomos a trabalhar, nomeadamente, as de Inhambane e Maputo. Em Inhambane fomos mais extensivos porque atingimos os distritos de Massonga, Murrumbene, Jangamo e Inharrime e em Maputo trabalhámos em Magude.

@Verdade – Depois dessa intervenção houve alguma mudança?

(FB) – Incontestavelmente. As pessoas aprenderam, e nós podemos testemunhar isso. Há distritos em que o índice de criminalidade baixou consideravelmente e o nível de cidadania cresceu bastante. Não estamos a dizer que os assuntos foram resolvidos, tanto que nós advogamos que o Governo deve continuar com esse trabalho, porque é necessário que esse seja um processo contínuo.

Um exemplo: nós estamos há cerca de 20 anos a viver a democracia, mas ainda precisamos de aprender a democracia. Numa linguagem simples, democracia é aprender a viver com a diferença. É que se eu não sou capaz de conviver com a sua diferença então não sou democrático.

Antes da nossa intervenção, assistia-se a casos graves de violação dos direitos humanos através das estruturas locais da base que diziam: “aqui em Magude quando alguém é apanhado a roubar a medida é amarrar-lhe e torturar-lhe”. E nós perguntávamos: “Magude não é Moçambique? As leis não são as mesmas?”. Então eu penso que melhorou e, obviamente, é preciso fazer mais. E é preciso que não tenhamos medo nem receio de falar abertamente dos aspectos democráticos.

@Verdade: Que legislação foi divulgada?

(FB) – A prioridade foi a Constituição da República de Moçambique, que é a Lei Mãe. Era preciso fazer perceber às pessoas que do mesmo jeito que os cristãos têm a Bíblia como Lei Mãe, o país tem a Constituição da República. E além deste existem outros instrumentos legislativos que foram divulgados, como são os casos das leis da Família, da Terra e das convenções internacionais que defendem, por exemplo, os direitos da mulher, da criança. O que nós fazíamos, no concreto, era transformar aquilo que nunca passou no ouvido do cidadão numa mensagem simples, curta e receptiva.

@Verdade: Sabe-se que a associação desenvolve actividades de geração de renda. O que é feito?

(FB) – Sim, nós desenvolvemos actividades de geração de renda. Uma delas tem lugar através do apoio aos camponeses na produção agrícola. O apoio é feito através da distribuição de sementes, treinamento no uso de instrumento de produção, insumos agrícolas e fazemos o acompanhamento até a fase pós-venda e aí verificamos o que acontece depois. E, paralelamente a isso, apoiamos na geração de renda através de animais de pequena espécie. O que nós fazemos é mostrar às pessoas que elas podem criar para ganhar dinheiro e não simplesmente para o auto-consumo.

@Verdade – A criação para a geração de renda remete-nos à ideia que o Governo tem do ProSavana, que, por acaso, é muito contestado pela sociedade civil. Qual é a vossa posição em relação ao programa?

(FB) – Deixa só explicar o seguinte: quando alguém nasce numa terra, vive e cresce nela, aprende que o único recurso que tem é aquele espaço, o rio ou a floresta. Agora o que nos inquieta no ProSavana é que parece que este quer passar por cima das comunidades. Portanto, nós não estamos contra o programa, estamos a favor das comunidades. Que se dê prioridade às comunidades e que elas vejam e sintam a sua vida melhorada com esse projecto. O Governo só é Governo porque há comunidades e se a vida dessas comunidades não melhorar com a vinda de um determinado projecto/programa, então o mesmo não é válido. Se nós queremos o desenvolvimento do povo porque temos medo que ele desenvolva?

@Verdade – O Ministro Pacheco disse numa entrevista que relacionar o ProSavana com a usurpação de terra era uma conspiração de quem não queria ver Moçambique desenvolver…

(FB) – Nós respeitamos o posicionamento dos ministros, mas temos de dizer que o nosso clamor é em defesa das comunidades. Falamos, reclamamos e ajudamos a comunidade a expressar a sua voz. Eu podia falar da portagem, porque quando o assunto é terra é preciso lembrar que a terra é do povo, ou seja, dos nativos. Mencionei a questão da portagem porque as pessoas que vivem à volta dela não têm nenhum benefício. Porque a portagem tem que desenvolver a vida dos sul-africanos e das elites da cidade? Porque o rendimento da portagem é redistribuído de tal forma que o vizinho não absorve nenhum metical? Aquelas pessoas que são obrigadas a ouvir ruídos das viaturas todos os dias não têm nenhum benefício, mas a terra é delas.

@Verdade – Falou aqui da necessidade do exercício da cidadania, uma questão que está intrinsecamente ligada à educação. Como é que se pode garantir a cidadania quando vários segmentos da sociedade questionam a qualidade do nosso ensino?

(FB) – Eu não gosto de dizer que a nossa educação não está boa, como muitos dizem, mas prefiro dizer que ela precisa de ser melhorada. Eu quero chamar a atenção às pessoas que tomam decisões neste país para que prestem muita atenção. Nós temos a nossa população que está a morrer de enfermidades de vária ordem, nós estamos a travar uma verdadeira guerra contra as doenças e, no entanto, não temos no Ensino Geral, que é o que abrange a maioria no Sistema Nacional de Educação, alguma disciplina de saúde pública. Vamos ser práticos: reconheço que ensinar geografia, educação musical é bom, mas é preciso dar prioridades em função daquilo que são as nossas necessidades. Vamos deixar de copiar modelos e cair na realidade.

@Verdade – O que mudaria com a introdução dessa cadeira no ensino geral?

(FB) – Vou dar um exemplo: há pouco falava-se do fenómeno 3 -100. Esse fenómeno é tão prejudicial para o país que ninguém dá conta disso. Mas se nós tivéssemos uma cadeira como economia doméstica significa que nós educaríamos as pessoas a usar racionalmente o pouco que ganham. É só pensar quantas pessoas bebem uma cerveja e em seguida vão dormir com fome.

Mas isso não é só para os que bebem, temos um leque de situações que só acontecem porque as pessoas não estão preparadas para gerir da melhor forma o que ganham. A educação precisa de ser reformulada para atender às necessidades pontuais do país. A nossa sociedade está a criar-se sem alinhamento, fora dos padrões aceites universalmente porque simplesmente nos falta direccionamento e este provém da educação. Se nós educarmos as pessoas a poupar o que ganham elas vão produzir mais, vão poupar e vão fazer o país crescer.

@Verdade – Moçambique tem sido mencionado como um país com um crescimento económico considerável, não só a nível da região. Até que ponto esses números, muito propalados, se fazem sentir na vida das pessoas?

(FB) – Olha, se alguém me fala de crescimento de PIB (Produto Interno Bruto) entendo que a economia do país cresceu de alguma forma, mas não passou muito disso. Agora, por exemplo, dizia-se que o país encaixou cerca de 400 milhões de dólares em mais-valias no negócio de venda de participações no projecto de exploração de gás na bacia do Rovuma, feito pela ENI, mas tudo isso só tem sentido para nós como povo se a condição de vida melhorar. De facto, eu não consigo perceber como nós podemos gritar tanto para falar de crescimento económico quando na vida do cidadão pacato a balança pesa menos.

O que está a acontecer é o que se dizia uma vez, que nós temos, no país, gente endinheirada. Porque quem está na fonte bebe mais. Um exemplo disso é o caso recentemente despoletado no Tribunal Administrativo. Mas, para mim, o importante é que os governantes, e não falo somente dos que estão a nível central, mas a partir de um chefe de quarteirão, têm de se perguntar: “já que tenho aqui dez casas sob meu comando o que eu fiz para o amanhã dessas pessoas ser melhor?”. Isso, sim, é governar.

@Verdade – Pode-se, então, concluir que o nosso modelo de desenvolvimento não é dos melhores?

(FB) – Se eu disser que neste momento há pessoas que foram transferidas no âmbito do projecto da Estrada Circular de Maputo e estão numa zona sem água à espera de que a sorte os venha salvar isso é desenvolvimento? Sem dúvidas, é desenvolvimento termos uma estrada nova, mas quando se sacrificam pessoas em nome desse desenvolvimento, ele passa a ser colocado em causa. O Governo tem de saber criar condições em tempo útil.

@Verdade – Que acções a associação desenvolve na vertente ambiental?

(FB) – Nós trabalhamos muito em duas áreas, nomeadamente a biodiversidade, ou seja, a protecção das espécies. No que diz respeito às condições climáticas, combatemos a erosão e o abate de florestas. Por outro lado, temos a questão do ambiente e saúde. Por isso fazemos a gestão de resíduos sólidos, interviemos contra a poluição. Aliás, recentemente, o rio Mulaúze, que é usado para irrigar as machambas, estava a ser contaminado por uma empresa e interviemos com sucesso. Quando interviemos nesses casos, o nosso objectivo é fazer entender que a acção de um não pode, de modo algum, prejudicar o outro.

@Verdade – Há algum projecto em curso?

(FB) – Estamos a trabalhar no âmbito de promoção e geração de rendimento que neste momento está a abranger dois distritos, nomeadamente Manhiça e Magude. Os resultados são fantásticos. Estamos a produzir muito. O projecto envolve associações compostas, em média, por 50 membros que antes nem funcionavam e neste momento estão a produzir.

@Verdade – Quantas pessoas estão a ser abrangidas pelo projecto?

(FB) – Bem, nós estamos a trabalhar com oito associações a nível dos dois distritos e estamos a falar de mais de 400 membros. Há uma distribuição relativamente diferenciada do número de membros de cada associação, umas com 60 outras chegam mesmo a ter 70. Importa referir que essas pessoas são as beneficiárias directas. Porém, para além de estarem ligadas às associações, têm famílias. Fizemos um estudo de base e percebemos que em média um agregado familiar é constituído por cinco membros, o que quer dizer que as nossas acções beneficiam entre quatro e oito mil pessoas.

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