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A deplorável e inaceitável condição do artista moçambicano

A deplorável e inaceitável condição do artista moçambicano

O artista moçambicano contemporâneo – sobretudo o que representa o país na diáspora – é um actor social informado sobre a dinâmica do mundo, conhecendo plenamente, por conseguinte, os seus deveres e direitos. Com esta premissa, muito recentemente, o saxofonista Ivan Mazuze, radicado na Noruega, além de classificar como deplorável a condição do criador nacional – dado o facto de no seu país haver uma espécie de desrespeito pelos direitos do autor – afirma que se está perante uma situação inaceitável, neste Moçambique moderno.

Falámos com Ivan Mazuze a propósito da sua participação, na condição de único representante de Moçambique, em mais uma edição do Standard Bank Grahamstown Jazz Festival que decorre, na África do Sul, entre 3 e 13 de Julho. Como se sabe, o saxofonista está radicado num país europeu – a Noruega.

Como tal, de certa forma, sempre que visita o país, vem com um olhar do exterior. Para já constata que a indústria musical nacional está a experimentar um desenvolvimento amplo que se assinala em quase todos os géneros musicais – o Jazz, o Hip Hop, a Marrabenta, o Pandza incluindo os ritmos da música tradicional moçambicana.

No entanto, “apesar de essa transformação ser positiva, há um ponto fundamental sobre o qual se deve pensar com muito cuidado – os direitos do autor”, refere o artista para quem “é triste notar que as obras dos artistas moçambicanos são absorvidas em quase todas as redes mediáticas – rádios e televisões, por exemplo – e, em contrapartida, tais criadores não recebem nenhum dinheiro como forma de reconhecimento dos seus direitos”.

Enquanto esta realidade – a inobservância dos direitos do autor – prevalecer no país, os moçambicanos continuarão atrasados. Neste sentido, e havendo experiências já consolidadas, como é o exemplo do país vizinho África do Sul, “nós devemos copiar e implementar o que, por lá, se faz no campo dos direitos autorais. Não há nada a ser inventado. O que nos resta fazer é implementar esta lei, esta regra, esta obrigação social para com todos os artistas”.

É que, na percepção de Mazuze, não faz sentido que até o ano 2014, neste mundo moderno de tecnologias e Internet, em Moçambique os direitos do autor não estejam a funcionar: “É preciso que se reconheça a propriedade intelectual dos criadores”.

Hora do debate

Uma das questões pontuais quando se relaciona o facto de, presentemente, falar-se, em Moçambique, da necessidade de se garantir uma maior abertura do mercado da nossa indústria cultural ao mundo, são as razões que estão por detrás da não aplicação da lei sobre os direitos autorais.

Ivan Mazuze, autor das obras discográficas Maganda e Ndzuti, afirma que mais do que nunca agora estamos na hora do debate que se deve travar entre os artistas, os vários segmentos sociais interessados nos serviços e produtos artísticos, incluindo o Ministério da Cultura.

“Há necessidade de se estabelecerem regras e leis bem claras sobre a venda de produtos artísticos, como forma de se evitar a ocorrência da pirataria no mercado. É urgente que se crie uma base forte para esta indústria musical, porque o que temos agora é apenas um segmento caracterizado pela realização apenas de eventos e concertos. Os direitos autorais são fundamentais. É por essa razão que precisamos de fundamentos claros e específicos emanados do Ministério da Cultura e de outras instituições para que essa indústria possa funcionar”. Ou seja, “é inaceitável falar-se de uma indústria musical em Moçambique dissociada dos direitos do autor”.

O reconhecimento é passivo

A par de Ivan Mazuze existem muitos artistas, fora do país, como, por exemplo, Neco Novellas, Jimmy Dludlu, Orlando Venhereque, Otis, Gimo Remane, Costa Neto, Deodato Siquir, entre outros da mesma geração, cujo trabalho engrandece Moçambique no concerto das nações. Em relação a isso, questionou-se ao autor de Maganda se a nação moçambicana tem reconhecido o contributo que esta geração está a dar para o desenvolvimento e a projecção do país no mundo.

Segundo Mazuze existe algum reconhecimento, o problema é que o mesmo é passivo, no sentido de que acontece entre duas pessoas que se encontram na rua e conversam os artistas moçambicanos que se encontram no estrangeiro: “A verdade, porém, é que esses artistas são grandes. Eles é que são os embaixadores da nossa cultura porque a sua música é exposta a milhares e milhares de pessoas no mundo. Por isso, era importante que o seu contributo para a disseminação da cultura moçambicana no mundo fosse reconhecido por instituições governamentais ou que têm a ver com o sector da cultura no nosso país, como forma de se elevar o nome da nação para outro nível”.

Ivan Mazuze fundamenta a sua opinião com o seguinte exemplo: “No festival em que vou participar, na África do Sul, irão actuar artistas de diversas partes do mundo. Eu sou o único representante de Moçambique. A minha participação depende de uma conversa que está a ser travada entre duas ou três pessoas, incluindo eu. Não temos um apoio, por exemplo, do Ministério da Cultura para que o nosso país se faça presente oficialmente”.

É preciso ter claro, de facto, que se o nosso Governo entrasse neste tipo de eventos como um interlocutor diplomático, nessas relações entre Moçambique e África do Sul, “muito mais artistas moçambicanos poderiam actuar neste festival. Mais uma vez, isso não é algo que precisamos de inventar. Os fazedores de arte, de outros países, expõem a sua obra, no estrangeiro, a partir das relações de cooperação entre os governos dos seus países”.

O Grahamstorwn Jazz Festival

A decorrer entre 3 e 13 de Junho, o Grahamstorwn Jazz Festival é um dos três festivais mais importantes que existem na África do Sul. Foi o primeiro evento de grande dimensão, com um palco profissional, em que o conceituado saxofonista moçambicano Ivan Mazuze actuou, em 2002, na altura em que era estudante, na cidade de Cabo.

Foi no âmbito do seu programa de desenvolvimento artístico para estudantes – a partir do qual se criou a Banda Nacional de Jazz da África do Sul – no qual Ivan Mazuze foi, em 2002, classificado com o melhor saxofonista. A par da banda, o artista realizou uma digressão em todo o país. Há muitos anos que Ivan Mazuze não actua no Gramstown.

Por isso, o seu retorno, desta vez, tem um sentido simbólico: “Estou muito orgulhoso de poder realizar um show este ano como um dos artistas principais do evento. Há esperança de que eu possa apresentar um reportório musical que resultará da combinação dos meus dois trabalhos discográficos – o Maganda e o Ndzuti”, afirma a terminar.

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