Mais de 42.000 vietnamitas já foram vítimas de explosões de bombas inativas datando da guerra, anunciam estatísticas locais. A maioria dos acidentes acontece com agricultores que tentam recuperar o metal e a pólvora para tentar revendê-los, e com crianças que brincam com os obuses desconhecendo seu perigo. O conflito chegou ao fim em 1975, mas livrar o território dessas armas levará centenas de anos, estima o vice-ministro da Defesa, general Nguyen Huy Hieu.
O último desses acidentes, agora em julho, aconteceu com quatro homens – um professor e três agricultores que tentavam desmontar um engenho ao longo da antiga pista Ho Chi Minh, utilizada pelos comunistas do Vietnã do Norte para abastecer as tropas que combatiam no sul do país durante a guerra contra os americanos.
A pista havia sido bombardeada pelos Estados Unidos. As lembranças do horror de uma guerra parece, assim, se perpetuar nessas vítimas recentes. Tudo parecia acabado no dia 30 de abril de 1975, quando os americanos arriavam sua bandeira da embaixada em Saigon – que era o antigo nome da cidade hoje denominada Ho Chi Minh.
A queda da cidade vietnamita marcou o apogeu da expansão do mundo comunista durante a Guerra Fria e o fim do mito dos Estados Unidos invencíveis. Milhões de telespectadores em todo o mundo viram o êxodo dramático e caótico de centenas de vietnamitas a bordo de helicópteros, que os levavam do telhado da embaixada aos porta-aviões da marinha americana.
Os Estados Unidos já tinham se retirado militarmente do Vietnã em 1973, depois dos acordos de Paris, que puseram fim a oito anos de intervenção direta. No final de 55 dias de sítio, Washington pouco ou nada pôde fazer por seu frágil protegido, o governo da república do Vietnã, cuja capital Saigon caiu nas mãos de tropas regulares norte-vietnamitas, ajudadas pelos vietcongs, os guerrilheiros comunistas do Sul.
A reunificação pelas armas do país asiático dava fim a 30 anos de guerra sem interrupção, que deixou mais de três milhões de mortos. Falecido em 1969, o pai da independência vietnamita, Ho Chi Minh, não pôde assistir ao momento culminante de uma luta desencadeada sucessivamente contra japoneses, franceses e americanos, e que, para os comunistas, justificou os sofrimentos do povo.
Do lado americano, o mesmo não aconteceu como Robert McNamara, secretário da Defesa dos presidentes John Fitzgerald Kennedy e Lyndon Johnson que faleceu no último dia 6 de julho aos 93 anos. Era um dos mais ferrenhos defensores da intervenção norte-americana no Vietnã, antes de assumir seu erro. No comando do Pentágono de 1961 a 1968, chegou, na época, a reivindicar o nome de “guerra de McNamara” para o conflito no Vietnã. “Considero esta guerra muito importante, e estou satisfeito de ter meu nome associado a ela e de fazer todo o possível para ganhá-la”, escreveu ele em 1964.
A Guerra do Vietnã, no Sudeste Asiático, ocorreu entre 1959 e 1975. A guerra foi travada entre a República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte) e seus aliados comunistas e a República do Vietnã (Vietnã do Sul) apoiada pelos Estados Unidos e seus aliados na região. Em 1965, os Estados Unidos enviaram tropas para impedir o governo do Vietnã do Sul de entrar em colapso completo e evitar a invasão do Norte e a unificação do Vietnã sob o regime comunista. os americanos falharam em seus objetivos, sendo obrigados a se retirar do país em 1973.
Dois anos depois o Vietnã foi reunificado sob governo socialista, tornando-se oficialmente, em 1976, a República Socialista do Vietnã. Na guerra, aproximadamente três a quatro milhões de vietnamitas dos dois lados morreram, além de outros dois milhões de cambojanos e laocianos, arrastados para a guerra com a propagação do conflito, e de mais de 50 mil soldados dos Estados Unidos.
O FIM DE UM MITO
Para os americanos – tanto os que apoiaram a guerra como os que foram contrários -, a derrota militar foi o símbolo indelével de uma derrota sem precedentes na história e o fim do mito de um país invencível. Os Estados Unidos chegaram a gastar mais 350 bilhões de dólares durante duas décadas para resolver o conflito. Um total de 8,5 milhões de jovens americanos – dos quais 58.000 jamais voltaram para casa -, foram enviados ao front, uma experiência que deixou para muitos sequelas psicológicas difíceis de esquecer.
Um monumento de granito negro com os nomes dos mortos recorda hoje em Washington, não longe da Casa Branca, todo o orgulho, o amor, a desilução, a culpabilidade e a tristeza da guerra e a derrota. Militarmente, Washington aprendeu uma lição estratégica no Vietnã: no futuro, evitaria envolver-se gradualmente num conflito, optando, como na guerra do Golfo, por uma intervenção maciça e rápida. Os Estados Unidos estavam, de uma forma ou de outra, envolvidos no Vietnã desde 1945.
Apoiaram brevemente Ho Chi Minh contra os japoneses, antes de ajudarem financeiramente os franceses em sua fracassada tentativa de retomar o controle do país. Depois da partida dos últimos soldados franceses do sul do Vietnã, em 1956, e a chegada de centenas – e depois milhares – de militares americanos, o presidente John F. Kennedy e seu secretário da defesa, Robert McNamara, decidiram envolver diretamente os Estados Unidos no conflito. Trinta anos depois, a “teoria do dominó”, evocada para justificar a decisão e evitar uma expansão incontrolável do comunismo, resultava equivocada: nenhum outro país do sudeste asiático passou depois para o o lado vermelho.
Foi finalmente o desmoronamento do bloco soviético que provocou o fim a Guerra Fria, a partir de 1989, abrindo o caminho para a vitória dos Estados Unidos, transformados na única superpotência global. Durante o conflito, as tropas do exército da Vietnã do Norte travaram uma guerra convencional contra as tropas norte-americanas e sul-vietnamitas, e as milícias dos vietcongs, menos equipados e treinados, lutaram uma guerra de guerrilha na região, usando as selvas do Vietnã, espalhando armadilhas mortais aos soldados inimigos, enquanto os Estados Unidos se armaram de grande poder de fogo, em artilharia e aviação de combate, para destruir as bases inimigas e impedir suas ofensivas.
Travada com uma grande cobertura diária dos meios de comunicação, a guerra levou a uma forte oposição e divisão da sociedade americana. Para os Estados Unidos, a Guerra do Vietnã resultou no maior confronto armado em que o país já se viu envolvido. A derrota provocou a chamada ‘Síndrome do Vietnã’ em seus cidadãos e sua sociedade, causando profundos reflexos em sua cultura, na indústria cinematográfica, além de grande mudança na sua política exterior, até a eleição de Ronald Reagan, em 1980.