Mais um cidadão moçambicano, identificado pelo nome Issufo Mohamed, com mais de 60 anos de idade, está em parte desconhecida, desde a noite da passada quinta-feira (15), na sequência de um sequestro perpetrado por indivíduos a monte, na capital do país. Octávio Zilo, Procurador da República de 1ª na Procuradoria Provincial de Maputo, entende que o combate a este crime depende, em parte, de uma “polícia mais qualificada, mais treinada, mais motivada e mais honesta”.
A vítima, dona do estabelecimento “Armazéns Lomba Viana e Filhos, Lda”, sito na Avenida Filipe Samuel Magaia, é parente do proprietário da “Casa Universo, Lda”, também raptado por pessoas até aqui a monte, à saída da sua loja, a 05 de Setembro corrente, na capital do país.
Segundo apurámos, por volta das 19h00 daquela quinta-feira, Issufo Mohamed foi interceptado por indivíduos armados, na Avenida Romão Fernandes Farinha, próximo ao cruzamento com Avenida Zedequias Manganhela, retirado à força da sua viatura e arrastado até ao carro em que os presumíveis bandidos se faziam transportar, cuja chapa de matrícula não foi identificada.
Os estabelecimentos comerciais dos dois irmãos, em poder dos alegados raptores, funcionam na baixa da cidade de Maputo, não muito distante um do outro.
De acordo com Octávio Zilo, em Moçambique, os raptos resultam de várias motivações, entre elas a degradação de valores morais, a crise de valores, as desigualdades sociais profundas, as relações familiares conflituosas, a ganância e busca de vida fácil, a falta de opção melhor de sobrevivência, o desemprego, os baixos salários, o alto custo de vida e a distribuição desigual de renda.
Estes factores, ainda na óptica do orador, que fala em Maputo, recentemente, num seminário sobre as “Dinâmicas Actuais da Criminalidade em Moçambique: Desafios para Prevenção e Combate”, tornam o caminho do crime o mais fácil, porque não tem nada a perder e quem não tem o que perder é sempre um inimigo perigoso. O evento foi organizado pela Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Para Octávio Zilo, que é também formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária, na área de Jurisdição Penal, as estatísticas provam que a esmagadora maioria dos indivíduos relacionados com o delito de rapto são homens jovens, entre 18 e 30 anos. “Os jovens do sexo masculino, por uma série de razões, são a clientela mais comum do crime, seja como agentes, seja como vítimas”.
Perfil dos raptores
Num outro desenvolvimento, o orador traçou um breve perfil dos raptores com características da criminalidade organizada. Trata-se de indivíduos com idades compreendidas entre os 30 e os 50 anos, “reservados e astutos, cuidadosos e muito zelosos, desconfiados e discretos, de estatuto social médio, com alguns antecedentes criminais, com capacidade de observação e análise, pacientes e organizados, não muito violentos e com bom discurso”.
O outro grupo, com idades que variam de 20 a 25 anos, é de baixo estatuto social, geralmente tem antecedentes familiares de consumo de drogas e álcool e são oriundos de bairros com altos índices de criminalidade. Regra geral, são pessoas alertas e desconfiadas, egocêntricas e ávidas de protagonismo, violentos e com um discurso pobre e vulgar.
Os jovens constituem o rosto da criminalidade, porque, segundo a fonte, são mais susceptível à influência forte de amigos, tem necessidade de dinheiro e, comummente, não encontram emprego por falta de experiência profissional, e enfrentam grandes necessidades de afirmação de valores individuais.
Para além destas motivações, a insuficiência de meios tecnológicos indispensáveis ao combate deste tipo de delito e a dificuldade de localização e captura dos agentes do crime, devido ao medo das vítimas em fazer o seu reconhecimento, criam enormes obstáculos.
Ademais, a contrariedade em obter o depoimento das vítimas que, na maior parte das vezes, é inconsistente e confuso dada a sua condição física e psicológica abalada, a dificuldades de obtenção de prova contundente devido ao justo receio em depor contra os raptores são outros entraves, disse o magistrado.
O pior de tudo isso, disse o Procurador, é que o crime altamente organizado conta, muitas vezes, com agentes do crime infiltrados nas forças policiais, há proliferação e acesso fácil a armas de fogo, circulação de elevadas somas de dinheiro fora do circuito normal da actividade financeira, existência de residências sem o devido registo e arrendamento de casas de habitação sem observância da lei.
Consequências dos raptos
Quando os raptos ocorrem com frequência, o medo e as dúvidas nos cidadãos aumenta e leva à falta de confiança nos órgãos da administração da justiça. “Os efeitos psicológicos provocados são os que mais preocupam a nível individual, familiar e social, porque podem ser crónicos e durarem a vida toda”, anotou o Procurador.
“As crianças que experimentaram a violência dos raptos, uma vez libertadas, apresentam distúrbios psicológicos e mudanças de comportamentos bruscos que vão desde risos ou choros, falar como bebés, ou mesmo não falar, dependendo da idade, pesadelos, medo de sair de casa, não quererem falar sobre o sucedido ou falar constantemente, entre outros”.
Os males não esgotam ai, a nível económico, os raptos propiciam o surgimento de offshores e uma economia paralela ilegal, devido aos valores monetários que circulam fora dos parâmetros normais de circulação de capital. E “quando os raptos são direccionados para empresários, podem retrair os investimentos, bem como originar ou dinamizar a profissionalização do fenómeno, com grupos se organizarem-se funcionalmente como autênticas empresas, com pessoal treinado”, disse Zilo.
Medidas de combate
O magistrado, que dissertava sobre os “Raptos em Moçambique: Origem, Motivações, Formas de Manifestação e Medidas de Combate”, considerou que investir em segurança não significa aumentar o número de policiais, nem de viaturas ou armamentos. “Precisamos de uma polícia melhor e mais qualificada, mais treinada, mais motivada, mais honesta”.
Ele sugeriu, entre outras medidas, a elaboração de uma política nacional sobre os raptos ou sobre o crime organizado, bem como o levantamento, diagnóstico e melhor percepção da natureza e do nível do problema. E ainda o “fortalecimento da cooperação internacional policial e judiciário para permitir uma troca de experiência sobre melhores procedimentos, para além de acordos com países vizinhos”.
De acordo com Octávio Zilo, o país não tem estatísticas credíveis sobre a influência do álcool e das drogas na origem de outros crimes, mas a experiência quotidiana mostra que são raríssimos os casos de crimes violentos cometidos sem que os protagonistas estivessem sob o efeito de estupefacientes. E “alguns planos de rapto são exactamente traçados em barracas ou restaurantes”.
Negar a liberdade condicional a delinquentes que cometem crimes hediondos
O artigo, 146 do Código Penal, determina que “os condenados a penas privativas de liberdade de duração superior a seis meses poderão ser postos em liberdade condicional pelo tempo que restar para o cumprimento da pena, quando tiverem cumprido metade desta e mostrarem capacidade e vontade de se adaptar à vida honesta”.
Comentado em torno desta cláusula, Zilo disse ser verdade que a busca de uma solução para a explosão dos crimes de rapto não pode começar, apenas, pela mudança das leis. Antes de mudá-las, “é preciso começar com medidas primárias de base (…), mas a experiência na aplicação da lei traz consigo grandes desafios”.
Uma análise ao artigo acima indicado, “permite-me concluir que a subsistência nos moldes em que se apresenta, pode perigar as medidas de prevenção e combate ao crime de rapto. É que, de acordo com este artigo, os condenados a penas privativas de liberdade superiores a seis meses podem ser postas em liberdade condicional, quando tiverem cumprido metade da pena e mostre capacidade e vontade de se adaptar à vida honesta”.
O magistrado rematou frisando que o ideal seria coarctar a possibilidade de liberdade condicional para delinquentes que tenham cometido crimes hediondos.