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Gimo Mendes reaparece com as “Raízes da Minha de Terra”

Gimo Mendes reaparece com as “Raízes da Minha de Terra”

O ícone da música clássica moçambicana e fundador do Eyuphuro, Gimo Abdul Remane Mendes, radicado na Dinamarca, decidiu presentear os seus fãs, amigos e familiares da sua terra natal, com o lançamento da compilação dos seus dois últimos álbuns (Meló e Luz) intitulada “Raízes da Minha Terra”. Nas suas composições, o artista apresenta uma série de ritmos macuas, concretamente da zona litoral, fazendo uma fusão das danças Tufu, Nigungo e N’sope. O @Verdade aproveitou a sua passagem pela cidade de Nampula para manter dois dedos de conversa com este conceituado músico.

@Verdade (@V): Como começou a sua carreira artística?

Gimo AbduL Remane Mendes (GM): O Gimo Mendes não difere de tantos outros artistas moçambicanos que lutaram (e continuam a lutar) pela preservação das raízes culturais da sua terra natal. Nasci em 1955, na vila sede do distrito de Mossuril, mas vivi e cresci na cidade da Ilha de Moçambique, influenciado pela cultura dos povos árabes que por ali passaram. Comecei a cantar em 1974 com alguns grupos dos bairros da Ilha de Moçambique.

Cantávamos em todas as línguas maternas. Foi na Ilha de Moçambique onde descobri que, com a música, poderia ter outras oportunidades na vida. Sempre apreciei as danças locais, nomeadamente o Tufu, Nigungo e N’sope. Danças, essas, de origem afro-árabe que, na altura, eram interpretadas na língua emakhua, e achei que podia compor as músicas usando instrumentos acústicos e batuque.

Não foi fácil interpretar as músicas na língua emakhua, porque na altura era considerada um idioma de indivíduos pés-descalços, e as pessoas queriam que eu cantasse em português. Na sequência disso, alguns amigos descriminavam-me, mas nunca desanimei, prossegui com o meu estilo musical até me mudar para a cidade de Nampula. Importa referir que na Ilha de Moçambique ganhei muita simpatia da população local e quase todos encorajavam-me a dar continuidade ao trabalho.

@V: Nessa altura, existia alguma possibilidade de crescer profissionalmente na Ilha de Moçambique?

GM: Não havia espaço para uma possível evolução profissional, razão pela qual me mudei da Ilha de Moçambique para a cidade de Nampula, onde consegui compor a minha primeira música com o título “Amuara a N’Raki”, que significa em português “a Esposa do Senhor Raqui”. A música descreve a vaidade duma mulher que, por se achar muita bonita e aproveitando-se da ausência do marido, aplica mussiro no rosto e expõe-se na via pública. Esta música foi produzida por mim em 1981 nos estúdios da Rádio Moçambique, e fez muito sucesso. No mesmo ano, fui a Maputo à procura de oportunidade, por lá, as coisas estavam muito difíceis, razão pela qual regressei a Nampula.

@V: Com quem Gimo Mendes trabalhava nessa altura?

GM: Eu trabalhava com Omar Issa e, mais tarde, integrámos no grupo o já falecido Salvador Maurício. Desenvolvemos a ideia de compor músicas, cruzando as nossas experiências culturais. Usávamos instrumentos acústicos e o batuque, mas havia alguns constrangimentos no que tange à realização de concertos. Alguns anos depois tivemos um desentendimento com Salvador Maurício, e passei a trabalhar apenas com Omar Issa.

@V: Como surgiu a ideia de produzir o seu primeiro álbum?

GM: Não tínhamos álbum, fomos trabalhando e, com o andar do tempo, houve a integração de mais elementos no grupo, nomeadamente Zena Bacar, Mussa Abdala, o falecido Chico Ventura e Belarmino Junteiro. Continuámos a apostar no ritmo tradicional e fomos fazendo arranjos das músicas, combinação de sons, entre outras técnicas, e conseguimos vencer algumas dificuldades. Depois disso, achei por bem criar um agrupamento musical, o qual baptizei com o nome de Eyuphuro, que traduzido em português significa “Remoinho”, e compusemos cinco músicas novas.

@V: Como é que o grupo adquiriu instrumentos musicais?

GM: Os primeiros instrumentos musicais são resultados de donativos, numa acção de solidariedade de algumas pessoas estrangeiras que, de forma singular, se simpatizaram com o grupo e acharam que era capaz de atingir outros patamares. Alguns instrumentos foram feitos localmente, como é o caso dos batuques. Quiseram dar-nos dinheiro, mas nós recusámos. Pedimos apoio ao governo provincial, mas não tivemos sucesso.

Não ficámos de braços cruzados, continuamos a trabalhar e como resultado disso recebemos um convite para fazer uma digressão pela Europa, onde durante seis meses visitámos os seguintes países: Holanda, Bélgica, Dinamarca e Suécia. Refira-se que tivemos algum apoio do governo da nossa província relativamente às despesas com as passagens aéreas para Maputo.

@V: A banda Eyuphuro produziu quantos álbuns?

GM: Tivemos dois álbuns, todos gravados fora do país. No nosso próprio país, sobretudo em Nampula, a nossa terra de origem, éramos descriminados por causa do batuque que usávamos nas nossas composições. Não tínhamos espaços para realizar os concertos, não havia carinho por parte da Direcção Provincial da Cultura, entre outras situações. Tenho muito material masterizado que não chegou a ser produzido, e localmente não conseguimos vender os nossos discos.

 

O divórcio com o Eyphuro

@V: O que esteve por detrás do rompimento das relações entre Gimo Mendes e o agrupamento Eyuphuro?

GM: Eu trabalhava bastante e quase sozinho, fazia os arranjos das músicas, procurava organizar espectáculos, através duma empresa que eu havia criado para o efeito, e os meus colegas aguardavam pelo trabalho final. Já estava a sentir-me esgotado e, como expliquei anteriormente, dentro do país era difícil vender os nossos discos com vista a suportar as despesas do grupo, incluindo alguns ordenados. Recordo-me ainda de que, em algum momento, tive de pedir dinheiro a minha esposa para pagar salários aos colegas. Foi na sequência deste cenário que, em 1992, tive de partir para Dinamarca onde se encontrava a minha família (esposa e filhos).

@V: Presentemente, o que tem feito?

GM: Durante os 18 anos na Dinamarca, eu concluí o nível superior em Música, tenho um estúdio próprio, no qual, na companhia de alguns estudantes e outros artistas, tenho feito a produção das minhas músicas, além de realizar concertos por aquele país. Tenho estado em alguns países africanos, onde fui convidado para leccionar música nalgumas instituições de ensino superior.

@V: Tem alguns projectos ou planos para Moçambique?

GM: Viver da música em Moçambique é difícil por causa da pirataria, um facto que faz com os empresários não invistam neste ramo. Gostaria de abrir uma escola de música, caso haja alguém que possa ajudar. Com a experiência adquirida além-fronteira, estou aberto para transmitir os meus conhecimentos aos meus irmãos moçambicanos.

Ainda é prematuro avançar projectos para o meu país. Importa salientar que, apesar de residir fora de Moçambique, ainda me inspiro nos diferentes ritmos tradicionais da Ilha de Moçambique e, no âmbito da minha carreira de músico, fundei a associação “Artist Take Action (ATA)”, uma agremiação de carácter cultural e humanitário na qual, dentre vários objectivos, procuro juntar músicos, jornalistas e outras pessoas ligadas ao mundo da cultura dinamarquesa para um intercâmbio com os artistas moçambicanos.

Continuo a compor músicas inspirando-me nas raízes moçambicanas e, em 2007, fui galardoado com o prémio “ Danish Wold Awards” na categoria de “Melhor Música do Ano” na Dinamarca, e, em 2009, fui nomeado para a categoria de “Melhor Artista Africano do Ano”.

@V: O que se pode encontrar neste seu novo trabalho?

GM: “Raízes da Minha Terra” é um trabalho discográfico a solo, dedicado a Nelson Mandela e pretendo “retornar”, através da música, às minhas origens africanas, particularmente moçambicanas. Por outro lado, o álbum faz uma crítica à má imagem que o Ocidente tem do nosso continente sobretudo por causa de conflitos armados com que alguns países se debatem, as catástrofes naturais, doenças, a pobreza, entre outros problemas. É um trabalho que levou quatro anos a ser concluído.

 

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