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Madrassas começam a discutir prevenção HIV/SIDA com alunos

É hora da oração na madrassa Nur, em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, na costa norte do país. Crianças e adolescentes com idades entre oito e 20 anos se dividem em grupos de meninas e meninos para rezar.

Na lousa, versos do Alcorão escritos em árabe e uma seriedade que não se vê nas salas de aula comuns. As madrassas são escolas islâmicas, onde os alunos são educados sobre o islamismo e aprendem a se portar segundo o Alcorão na sociedade, na família e nos relacionamentos. Na madrassa Nur, no entanto, essa educação não para por aí.

Em determinados sábados, quando os 120 alunos dos dois períodos podem se reunir no mesmo horário, o jovem malimo [professor] Mitilage Rashid fala sobre o HIV e SIDA, adaptando as informações segundo a idade das crianças. Rashid foi um dos malimos que em 2008 receberam formação sobre HIV do Conselho Islâmico, em parceria com outras organizações.

Na formação, ele, com 30 outros professores, aprenderam mais sobre a epidemia e como ensinar os alunos. Mas o tema não era novidade para ele. “Nós, muçulmanos, já fomos alertados no Alcorão sobre essa doença, que quando os actos sexuais fossem cometidos de qualquer maneira, sem compromisso, haveria uma doença sem cura”. A inclusão do HIV/SIDA nos currículos das madrassas é uma inovação bem-vinda no rígido sistema educacional. Embora algumas madrassas ainda proíbam o assunto, malimos de escolas como Nur entenderam a importância de se abordar a epidemia num país cuja seroprevalência nacional é de 16 por cento.

 

NO CONTEXTO DO ALCORÃO

A mensagem sobre HIV nas madrassas, no entanto, é bem diferente da passada nas escolas regulares. Segundo o sheikh Mohammed Abdulai Cheba, director das 54 madrassas de Cabo Delgado, a mensagem é transmitida em duas partes: a primeira deixa claro que o HIV é um castigo divino; a segunda reforça a ideia de que a única forma de prevenção é a abstinência e a fidelidade.

“As pessoas fazem sexo ilegalmente, mas isso é um erro muito grande, porque é fora da autorização da família. Se querem fazer esse acto, eles devem preparar todos os requisitos: casar, aproximar as famílias e legalizar aquela vida que vai levar”, explica. Nas madrassas, os alunos não questionam tais ensinamentos. “O Profeta falou que se as pessoas fizessem coisas que Alá não gosta haveria uma doença sem cura. É uma forma de castigo”, repete Darisse Muarabo, 19 anos, aluno da quinta classe da madrassa e décima classe na escola regular.

O estudante Kadafi Joaquim leva as lições da madrassa ao pé da letra. Aos 18 anos, ele se mantém longe das raparigas – namorar, só se for para casar. ‘Temos que ouvir o Profeta e nos afastarmos das moças antes do casamento, porque é pecado”, diz. Ao defender a abstinência e a fidelidade, preservativos são automaticamente excluídos da discussão, porque, na opinião dos malimos, podem levar os alunos ao sexo. Haram (ilícito, em árabe) é o termo usado para descrevê-los.

“Quando confiamos na camisinha, ao invés de ter medo, o aluno vai querer fazer o adultério. Ele não terá mais medo de praticar o sexo”, explica Rashid. Cheba vai para mais além: “Todos os livros celestiais condenam o uso de camisinha. Quando o líder diz às crianças que têm que usar camisinha, ele está a autorizá-las a usar e a pecar”. Joaquim explica a lógica da perspectiva dos adolescentes: “O rato não pode ver o amendoim, senão vai querer comer. Se você carregar preservativo no bolso, vai começar a pensar em coisas”.

Para os malimos, associar o HIV a comportamentos ilícitos não estimula o preconceito ou a discriminação. “Quando aparece um castigo ele é para toda a gente, não só para quem cometeu o acto”, explica o sheikh Cheba. ‘Se uma pessoa está doente, muçulmana ou não, ela merece conselho e nós apoiamos, moralmente e materialmente”. Nem todos os alunos, porém, parecem entender dessa forma. “Eu não conheço ninguém seropositivo, mas se conhecesse, eu iria me afastar”, disse Ausse Said, 17 anos, que cursa a quarta classe da madrassa Nur.

 

ENQUANTO ISSO, NA ESCOLA

Adamo Selemani Daúdo, professor e activista da Geração Biz, projecto conjunto do Governo de Moçambique com ONGs como Pathfinder International sobre saúde sexual e reprodutiva para adolescentes e jovens, critica a forma como o HIV, e o sexo em geral, é abordado nas madrassas.

“Religião e ciência quase não se dão, uma contradiz a outra. Mas eu, como professor, sempre aconselho os alunos no uso do preservativo”, diz. “Nas madrassas eles defendem o não-uso do preservativo para praticar a fidelidade, mas hoje não existe fidelidade em Moçambique”.

Muçulmano, casado e pai de dois filhos pequenos, Daúdo diz que usa camisinha nas relações extra-conjugais “porque hoje em dia não há confiança. Nem mesmo as próprias muçulmanas são fiéis. Eu uso para a minha própria segurança”. O jovem professor dá aulas de história na Escola Secundária Fraternidade, mantida pela comunidade islâmica e que fica ao lado da Africa Muslim, uma das mesquitas mais conservadoras de Pemba.

Também faz palestras sobre saúde sexual. “Eu digo aos alunos que o preservativo é uma questão individual”, defende. “Não se pode falar dele como sendo um pecado, porque o preservativo é uma questão de segurança, protecção”. A escola dispõe de uma sala batizada de Canto do Aconselhamento, onde alunos podem esclarecer dúvidas ou pegar preservativos.

Segundo ele, muitos rapazes que frequentam as madrassas vão até lá em busca de preservativos. Tímidas, as meninas geralmente não aparecem. “Não estamos a incentivar o sexo, mas a ajudar o jovem na prevenção”, diz Daúdo.

Ajira Abdul Razak, uma extrovertida rapariga de 20 anos, defende a educação sexual como ela é dada nas escolas regulares, “porque não é realista esperar que o jovem seja abstinente e fiel”. Para ela, os jovens precisam de informações práticas, mesmo que decidam não usá-las. Ela fala por experiência própria. Mãe de um menino de um ano e meio, Ajira frequentava uma madrassa onde não recebeu nenhum tipo de orientação sobre HIV.

Na escola, aprendia sobre a saúde sexual e participava de palestras sobre a epidemia. Mesmo com todo o conhecimento, ela dispensava a camisinha nas relações sexuais com o namorado. Ficou grávida e quase foi expulsa de casa pelo pai quando anunciou a notícia, principalmente por ser a única filha. Teve o bebé, que agora fica aos cuidados de sua mãe enquanto ela está na escola.

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