Por Despacho Presidencial nº 36/2014, o Presidente da República no uso das competências que lhe são conferidas pelo artigo 159 alínea h) da Constituição da República, nomeou esta quarta-feira, 09, Beatriz da Consolação Mateus Buchili, para o cargo de Procuradora-Geral da República (PGR), em substituição de Augusto Raul Paulino que deixa o cargo a seu pedido, a meio do segundo mandato, alegadamente por motivos de saúde.
Buchili, uma antiga treinadora de basquetebol nos finais da década de oitenta e início dos anos noventa, vai encontrar uma PGR dotada de mais recursos, mas….a instituição que agora dirige é tida pela opinião pública como “ineficiente” no controlo da legalidade, de que é suposta ser acérrima guardiã.
Beatriz Buchili é formada em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e é pós-graduada na mesma especialidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no Brasil, onde fez o seu mestrado em 2006. O Pluralismo Jurídico e a Realidade Sociocultural de Moçambique foi o tema que a actual PGR escolheu para a sua tese.
A acusadora do morticínio no “Caso Montepuez”
Coube a Beatriz Buchili, investida nas funções de procuradora chefe de província de Cabo Delgado, o papel de acusadora do Ministério Público (MP) no tristemente célebre “Caso Montepuez”, onde sete polícias foram julgados por alegada responsabilidade na morte de 119 reclusos por asfixia numa cela minúscula da cadeia distrital, ocorrida em 2000. Os reclusos, que militavam na Renamo, estavam detidos por contestarem os resultados das eleições gerais de 2 e 3 de Dezembro de 1999 que deram a vitória a Joaquim Chissano em eleições de credibilidade ferida (NR: Foi nessas eleições que se detectaram “votos com vícios insanáveis” segundo acórdão do Tribunal Supremo).
Os sete polícias foram absolvidos por insuficiência de provas no referido julgamento em que também respondia um antigo director da Polícia de Investigação Criminal de Cabo Delgado, Tchuma Macequece.
Os reclusos eram elementos ligados ao maior partido da oposição moçambicana e que presumivelmente teriam participado nas manifestações antigovernamentais de 9 de Novembro de 2000, protagonizadas pela Renamo-União Eleitoral. Em resultado da manifestação de Montepuez, na província de Cabo Delgado, onde os confrontos atingiram proporções alarmantes, centenas de pessoas foram detidas, muitas delas sem culpa formada, e encarceradas em celas de dimensões minúsculas e sem ventilação.
Em consequência desse caso, 119 pessoas morreram na noite de 21 para 22 de Novembro de 2000, sem que a Polícia e a guarda prisional alertadas para a ocorrência tivessem prestado qualquer socorro, acreditando ter-se tratado de um ajuste de contas por parte dos agentes policiais.
Relacionado com o caso de Montepuez, 21 pessoas, a maioria simpatizante da Renamo, foram condenadas a penas entre três meses e 20 anos de prisão. António Frangoulis, um ex-director da PIC da cidade de Maputo e ex-deputado da Frelimo, partido de que se desvinculou há dias para se filiar ao Movimento Democrático de Moçambique (MDM), foi enviado a Cabo Delgado na altura da tensão e, segundo uma fonte do @Verdade, “ele tem muito a contar sobre o que de facto aconteceu”.
Os desafios de parte do legado que Buchili herda de Paulino..
A morosidade na tramitação de processos criminais, a existência de reclusos com prazos de prisão preventiva expirados, a superlotação das cadeias, os raptos e sequestros, os crimes eleitorais são parte do legado que Buchili herda de Augusto Paulino. “A não observância dos prazos da instrução preparatória e prisão preventiva também contribuem para a superlotação das cadeias. Há pessoas que estão reclusas sem nenhuma necessidade. A morosidade processual continua a ser um constrangimento a ultrapassar”, chegou a dizer Paulino.
A titulo meramente ilustrativo, a cadeia de Máxima Segurança da Machava, vulgo B.O, devia albergar 600 reclusos, mas neste momento conta com 864. A cadeia Central de Maputo tem 1.800 reclusos contra um limite de 800. Porém, não se sabe qual é a capacidade das celas do Comando da Cidade de Maputo, pois, de acordo com o magistrado, aquele é um lugar de trânsito e não de reclusão. Nos últimos anos da sua chancelaria como PGR, Paulino foi um “choramingão” devido à sua impotência no combate ao crime. Algo atabalhoado e perdido, Paulino chegou mesmo a acusar magistrados e advogados de estarem ao “serviço do crime organizado”. Na sequência dessas declarações, Gilberto Correia, o antigo bastonário da Ordem dos Advogados, pronunciou-se sobre o caso e pediu trabalho ao PGR e não “desabafos públicos”.
“Existem queixas concretas contra advogados e juízes corruptos que não são investigadas. Neste País não acontece nada e não vai acontecer nada. Estas queixas encontram-se em gabinetes que estão em subordinação directa do PGR, portanto são meros desabafos e nada vai acontecer”, disse o então bastonário.
No que tange ao combate à corrupção, um assunto na mesa dos moçambicanos no seu quotidiano, Beatriz Buchili herda de Paulino uma batata quente. O seu antecessor sai da PGR com a convicção inabalável de que “a batalha contra a corrupção no país está longe de ser ganha pelos órgãos da Justiça”. Paulino reconheceu esta situação durante a apresentação do seu informe anual sobre o estado geral da justiça.
Nessa informação prestada à Assembleia da República em Abril, Augusto Paulino disse que desde 2008 foram tramitados, “em todo o país, 4.142 processos dos quais foram acusados 1.318 e julgados 508, todos relacionados com corrupção, peculato, desvio dos fundos e bens públicos”. Apesar destes números assustadores, Paulino disse que, com o envolvimento de todos os órgãos do Estado e de toda a máquina judiciária, o fenómeno podia ser reduzido à sua insignificância.
Paulino referiu nessa comunicação que as formas de corrupção mais comuns no país têm a ver com a contratação pública, venda de vagas nos concursos de ingresso, cobranças ilícitas nas unidades sanitárias e escolares, na fiscalização rodoviária, entre outras.
No capítulo referente à criminalidade, dentre vários tipos de crime, o PGR disse aos deputados que o ano de 2013 foi caracterizado por fenómenos criminais atípicos que criaram alarme social, tendo semeado terror, medo, intranquilidade e insegurança nos cidadãos.
“Tais fenómenos consistiram em raptos com exigência de elevados valores de resgate, ameaça de raptos com cobranças de valores aos ameaçados para não serem raptados, E disseminação de informação de ameaça de realização de acções criminosas por determinados grupos”, disse Paulino.
O PGR acrescentou que, relativamente aos raptos que assolaram, particularmente, as cidades de Maputo, Matola, Dondo, Beira e Nampula, foram instaurados 44 processos, dos quais 20 acusados e 14 julgados, nos quais foram condenados 17 réus, com penas que variam entre dois e 24 anos de prisão maior e no pagamento de indemnizações a favor das vítimas.
Para estancar a onda de raptos no país, Augusto Paulino disse que foi necessário o reforço da actividade operativa da PRM, destacando-se a selecção criteriosa e mobilização de recursos adicionais para a corporação.
Beatriz Muchili herda ainda de Paulino alguns dossiers que, nos últimos dias, agitaram diversos círculos de opinião nacional, nomeadamente, a alegada campanha ilegal promovida pelo Chefe de Estado, Armando Guebuza, a favor do candidato da Frelimo nas próximas eleições gerais, Filipe Nyusi, e os obscuros negócios da EMATUM e da Star Time, onde o Governo meteu a mão pontapeando os mais elementares regulamentos e a ética.