O uso abusivo da mão-de-obra infantil nalguns pontos do país tem sujeitado os petizes a sucessivas violações dos seus direitos. O caso de Nora, de 19 anos de idade, que trabalhava como empregada doméstica numa residência, algures na cidade de Nampula, é exemplo disso. A rapariga foi violada pelo seu próprio patrão, quando tinha 15 anos, tendo ficado grávida. Presentemente, o responsável pelo acto recusa-se a assumir a criança.
Nora é filha de pais pobres, a sua mãe é doméstica e o seu pai é um simples pintor. Devido às dificuldades financeiras por que a família passa, ela foi levada para a residência de um casal a fim de cuidar de uma criança recém-nascida. Em troca, a rapariga receberia um tecto e a oportunidade de estudar. O facto deu-se em 2007.
Durante os primeiros dois anos, o convívio era dos melhores, mas a coisa mudou de figura nos anos subsequentes, numa altura em que Nora frequentava a 5ª classe na Escola Primária da Cerâmica, arredores de Nampula. O seu patrão, a quem tratava por tio, começou a apresentar um comportamento estranho. Segundo Nora, o patrão apreciava-a e, algumas vezes, humilhava a rapariga, afirmando que ela estava somente a esbanjar os bens alimentares que ele comprava para sustentar a sua família.
“Estás a acabar a minha farinha”, dizia o indivíduo, pedindo implicitamente algo em troca. Volvido algum tempo, o patrão passou a invadir o quarto onde a menor passava as suas noites. A situação tornou-se constante e, mais tarde, este começou a violar a rapariga sexualmente. A partir daí, Nora nunca mais viveu num ambiente de paz naquela casa. Os abusos sexuais aconteciam quase sempre, porém, por temer represálias e por vergonha do julgamento que a sociedade faria, Nora continuava em silêncio.
As consequências dos actos começaram a surgir mais tarde. Primeiro, ela sentia-se deprimida e depois pensava em tirar a sua própria vida. Uma vez que ela não apresentava queixa, as incursões do seu patrão intensificaram-se, ganhando proporções alarmantes. “Eu andava muito triste, até que uma das vezes, quando fui visitar a minha mãe, ela perguntou-me o que se estava a passar. Por medo e vergonha, não consegui dizer o que estava a acontecer, dizia apenas que estava tudo bem”, disse.
Nora abandona os estudos
As acções do seu patrão foram, de certo modo, afectando psicologicamente a menor, tendo contribuído para que a rapariga abandonasse os estudos porque, segundo Nora, já não fazia sentido continuar a estudar. Aliada a essa situação, ela disse que teve vontade de abandonar o emprego, mas não tinha coragem de apresentar os motivos à sua patroa com a qual tinha boas relações de trabalho.
“Fiquei grávida”
Os meses passaram e Nora ficou grávida do seu patrão. Surpreendida com a notícia, a adolescente quis tirar a sua vida, primeiro, porque não se sentia preparada para ser mãe. Segundo, ela ainda frequentava a 5ª classe e tinha medo de ter um filho sem pai, pois não tinha coragem de encarar a realidade diante dos colegas de escola, das amigas e, sobretudo, do público em geral.
Por outro lado, a rapariga não queria que os seus pais vivessem novamente a vergonha de ter netos abandonados pelos seus filhos, tal como aconteceu com as duas irmãs mais velhas. Naquela altura, visivelmente perturbada com a situação, a rapariga confessou que tentou fazer um aborto, mas tal não foi possível. Exposta a tantas modificações resultantes da gravidez, a sua patroa assim como os seus pais acabaram por descobrir que ela estava grávida. Sem vontade de continuar a viver com a adolescente, a patroa decidiu mandá-la embora.
“A minha senhora não queria viver comigo porque eu estava grávida de uma pessoa que nem sequer se sabe o paradeiro”, afirmou. Nora não teve outra saída a não ser voltar à casa dos seus pais que viviam a escassos metros da residência onde trabalhava. Os progenitores receberam a notícia da sua gravidez com desagrado, mas, ela foi recebida com as duas mãos. Depois de os pais lhe terem aceitado, iniciou-se uma outra fase que, na sua óptica, foi a mais complicada. Os progenitores quiseram saber quem era o pai do filho que ela esperava, mas a rapariga dizia que não tinha conhecimento da pessoa em causa.
No dia 11 de Julho, Nora deu à luz uma menina no Centro de Saúde 25 de Setembro na cidade de Nampula. A nossa entrevistada disse que, desde aquele momento, a sua vida ficou sem sentido. Mesmo após o nascimento da sua filha que responde pelo nome de Nafiza, os seus progenitores incansavelmente perguntavam quem era o pai da bebé. À medida em que o tempo passava, a pequena Nafiza apresentava as feições do ex-patrão de Nora. A rapariga contou que os seus pais procuraram pelo ex-patrão para conversarem sobre o assunto.
Quando chegaram à casa do referido violador, para pedir que ele assumisse a criança e de igual modo a registasse, este recusou- -se a fazê-lo. Para a jovem, o episódio mais complicado foi sustentar a criança, tendo em conta de que ela não dispunha de roupa nem de comida para a filha. Do seu peito não saia leite nenhum e uma das alternativas era o artificial. Com os pais desempregados, ela passava o tempo a chorar. A nossa interlocutora disse que aceitou sofrer com a criança e nunca apresentou o caso às entidades competentes.
A menina foi registada com o apelido do avô que deu aconchego a Nafiza desde o dia em que soube da sua existência. Nora abandonou a escola na 5ª classe e até hoje não se dispôs a voltar a sentar-se nos bancos de um estabelecimento de ensino. Volvidos pouco mais de quatro anos, a nossa entrevistada assegurou-nos que não vai admitir que o homem que a violou seja chamado pai pela sua filha.
O que é o Protocolo Médico de Assistência às Vítimas de Violência Sexual?
Este Protocolo é um regulamento de aplicação obrigatória em todas as Unidades Sanitárias, e que visa garantir o bom atendimento a todas as vítimas, prevenir doenças que possam surgir em resultado da violação e fornecer provas para instruir o processo criminal, permitindo a criminalização dos agressores.
O Protocolo inclui as seguintes medidas, se a violação ocorreu antes de terem decorrido 72 horas:
• Fazer a testagem rápida para o VIH
• Fazer a testagem da sífilis
• Fazer a colheita de secreções vaginais para avaliação médico-legal
• Providenciar quimioprofilaxia para o VIH por um mês (para evitar contrair o vírus)
• Contracepção de emergência (para evitar engravidar do violador) Se já tiverem passado mais de 72 horas:
• Realizar a profilaxia para as ITS (infecções sexualmente transmissíveis)
• Realizar a testagem rápida para o VIH e Sífilis
Que fazer em caso de violação sexual?
• Mantenha a calma e tente fixar o maior número de indicadores que lhe permitam descrever o agressor, cor e corte de cabelo, cor dos olhos, cicatrizes, sotaque, outras características, quer do agressor, quer do veículo, se existir, como marca, cor, matrícula, etc.;
• Não faça uma higiene profunda, a nível ginecológico, sem ser vista/o por um médico ou perito;
• Preserve todas as peças de roupa que vestia na altura da violação, sem as lavar;
• Preserve qualquer objecto que lhe pareça ser pertença do agressor, mesmo uma ponta de cigarro;
• Dirija-se à esquadra de Polícia mais próxima e o mais rapidamente possível. As peças de roupa e os objectos referidos anteriormente são para entregar na altura da apresentação da queixa;
• Na esquadra deve ser encaminhada para os serviços de urgência da unidade sanitária mais próxima, onde deve ter prioridade no atendimento;
• Na unidade sanitária devem ser colhidas evidências da violação sexual e a vítima deve ser tratada de acordo com o Protocolo de Assistência às Vítimas de Violência Sexual.