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Mulhavace: uma história sobre mulheres abusadas!

Mulhavace: uma história sobre mulheres abusadas!

A coreógrafa e bailarina moçambicana, Pérola Jaime, decidiu distanciar-se dos palcos. No entanto, dado o forte vinculo que mantém com a dança, apresenta em Maio a sua nova coreografia intitulada Mulhavace. A obra homenageia e celebra os feitos da mulher moçambicana…

Em Mulhavace, Pérola Jaime tem a intenção de levar ao público – especialmente o feminino – as histórias e vivências experimentadas por cidadãos moçambicanos, oriundos de inúmeras comunidades longínquas que, na luta para melhorar a sua condição social, abandonam os campos para as cidades.

Entre eles, encontra-se Mulhavace, uma menina desgraçada, cuja triste história constitui o eixo para a sua encenação. Nos locais de chegada, as cidades, há emigrantes que se tornam bem-sucedidos. No entanto, há outros que, para sobreviver, são explorados por cidadãos locais. Neste sentido, Pérola Jaime explica que a sua obra capitaliza essas vivências narrando- as em bailado.

A coreógrafa exterioriza o anseio de ver toda essa classe livre da exploração, do abuso sexual e da violência doméstica ao afirmar que “o meu interesse pela emancipação das mulheres surge pelo facto de eu ser filha de camponeses do distrito de Chibuto, na província de Gaza. A minha luta contra a escravidão feminina tem a ver com a minha experiência. Eu sofri muito”.

“Para dar uma vida melhor à minha família, o meu pai teve de partir para a África do Sul, de onde nunca mais voltou. Desde aquela época, comecei a enfrentar dificuldades. A minha vida foi dura porque, na minha casa, não havia homens para garantir a nossa subsistência”, recorda-se.

Neste sentido, a bailarina refere que a peça narra histórias que versam sobre a violência doméstica na sociedade moçambicana que, muitas das vezes, é perpetrada por homens poderosos e ambiciosos. Como muitas outras raparigas, Mulhavace viu o seu futuro comprometido devido a alguns hábitos influenciados pela cobiça.

A história começa quando Mulhavace é submetida a ritos de iniciação, cerimónia realizada em algumas comunidades do norte do país como forma de educar e preparar as “futuras mulheres”. Depois da cerimónia, contrariamente às demais raparigas que começaram a perspectivar o seu futuro, ocorre que sem nenhuma possibilidade de escolha, Mulhavace foi entregue a um senhor que a teve como esposa.

De acordo com a coreógrafa, as crianças do campo (donde ela é oriunda, sobretudo no interior da província de Gaza) quando crescem, as suas famílias preparam-nas para um certo homem “o que me incomoda imenso. Por essa razão, decidi retratar esta realidade que me parece ser oculta”.

Passado algum tempo de convivência com o seu esposo, com idade para ser o seu pai, Mulhavace foge do campo para a cidade na tentativa de se livrar desse matrimónio forjado pelo seu pai. E é aqui onde começa o seu drama porque, na urbe, a menina desprovida de documentos de identificação civil, desorientada pela natureza totalmente diferente do que vivera no campo, ela é “raptada” pela Polícia que – aproveitando-se da sua inocência – acaba por abusar dela sexualmente.

Depois do abuso sexual de que foi vítima, ao procurar ajuda, Mulhavace abriga-se na rua a par de outras crianças desfavorecidas. Ela vive os mais tristes momentos da sua história. De todos os modos, para Pérola Jaime, esta passagem tem um grande sentido porque ilustra o que normalmente acontece no seio da sociedade moçambicana: “As pessoas pobres estão mais inclinadas a prestar apoio do que as ricas”.

Depois de um tempo na rua, sem ombro e nem peito para chorar, alguém interessou-se por Mulhavace. Trata-se de uma senhora que prometeu cuidar de si garantindo a sua formação académica. A verdade, porém, é que a referida pessoa estava a enganar a menina. Instantes depois fê-la empregada doméstica e, para piorar a situação, sem direito a nenhum tipo de remuneração.

No entanto, depois de tanta exploração, a senhora vendeu a miúda a um pedófilo que, além de abusá-la sexualmente, obrigava-a a fazer fotografias pornográficas. Que futuro terá Mulhavace a partir daí em diante? Quantas pessoas – homens e mulheres – já passaram por estas circunstâncias? Com a obra, Pérola quer retratar a sua e a história do povo que, segundo ela, está cheia de manchas de sangue e rancor quase a sufocar a alma.

Um nome familiar

De acordo com a coreógrafa e bailarina Pérola Jaime, Mulhavace “é um nome tradicional da mãe do meu pai. Isto é, a minha avó. Quando cheguei aqui à capital do país, Maputo, particularmente à Companhia Nacional de Canto e Dança, alguns dos meus colegas perguntavam-me sobre o meu nome tradicional e eu não dizia”. Ao longo do tempo, com a fortificação das amizades, Pérola acabou por revelar que o seu nome tradicional é Mulhavace. Mas é muito mais utilizado na sua terra-natal, a província de Gaza. Este nome tem o sentido de guerreira e mulher sonhadora.

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