Gerações de artistas plásticos – e não só – incluindo os seus familiares e alguns membros do governo da cidade da Matola reuniram-se no dia 21 de Fevereiro, no Museu e Galeria Chissano, a fim de celebrarem mais uma data do desaparecimento físico do seu patrono. O mestre Alberto Chissano encontrou a morte – por suicídio – há 20 anos. No entanto, o adágio preconiza: “Morre o homem, mas a (sua) obra prevalece”. A criação de Chissano está a perpetuar-se no tempo e no espaço.
Na celebração da vida e obra do escultor-mor moçambicano, o mestre Alberto Chissano, além do singelo acto do reconhecimento – através da apreciação – do mérito da sua produção artística, as pessoas presentes visitaram a campa onde jazem os seus restos mortais, dando o pontapé de saída para a realização de uma série de actividades que tinham sido agendadas.
De acordo com os seus discípulos, na sepultura do mestre Chicana, onde, em observância do seu mandado, ainda em vida, não se depositam flores, jazem apenas os restos mortais do seu corpo. Afinal, a sua alma vive em cada um deles. É o túmulo que inspira-lhes a perpetuar a obra por si iniciada. Ou, pelo menos, existe essa crença: “Chissano é uma marca indelével na vida dos escultores moçambicanos”.
“Como explicar a morte de Chissano, se ele vive dentro de nós?”. Questões desta natureza povoam as mentes dos seus familiares e seguidores que – apesar de terem transcorrido duas décadas do seu desaparecimento físico – não se conformam com o facto. Nunca acreditaram que ele tenha desaparecido e, por isso, seguem-no a partir dos seus preceitos e obras.
“É em resultado desta compreensão que nós jamais abandonaremos o Museu e Galeria Alberto Chissano. Estamos aqui para dar continuidade à obra que o mestre iniciou, trabalhando a madeira como ele fazia – a fim de imortalizar a forma peculiar como ele se relacionava com a escultura”, afirma o discípulo Armando Mandlate, também conhecido por Mahazule.
Na mesma data da celebração da vida e obra de Alberto Chissano, Armando Mandlate, seu discípulo, inaugurou a sua mostra individual de escultura em que – para os bem entendidos na matéria – se visualizam traços comuns, a nível da técnica empregue e as preocupações temáticas, entre a criação do seguir e a do seu mestre.
Nas suas obras, Mahazule não despensa o olhar triste e amargurado dos povos que sofrem e morrem de fome. O facto de ter sido aluno de Chissano possibilitou-o ter essa visão, movendo-o a falar sobre os problemas experimentados por quem não tem o poder de se fazer ouvir. O artista exibe, na sua escultura, as peripécias – a pobreza e a má nutrição – que, invariavelmente, semeiam luto em muitas famílias africanas.
Reconhecendo a relevância desse activismo artístico, sobretudo porque desperta as pessoas em relação aos problemas do seu tempo, pretende-se manter e dar contiguidade a esta maneira de fazer arte, de modo que se possa sublimar os princípios filosóficos do mestre Chissano. Na ocasião, a governadora da província de Maputo, Maria Helena Jonas, manifestou uma grande satisfação pelo trabalho que a família do mestre Chissano tem feito para a preservação das suas obras.
Os seus parentes têm sabido preservar a obra do mestre Chissano, ao longo dos anos. Isso é importante porque, na história dos povos, sempre ocorrem momentos marcantes em relação aos quais os artistas – através da sua produção – têm a obrigação de os registar. “O mestre Alberto Chissano sintetiza – na sua escultura – os êxitos e fracassos do povo moçambicano. Ele é, assim, o ponto mais alto do desenvolvimento da nossa escultura”, refere Jonas.
Ninguém contribui
“Desejamos que a homenagem que se faz ao nosso pai – o mestre Chissano – seja traduzida em actos, a fim de que seja honrado da mesma forma que era quando vivo”, refere Otília Chissano, a filha do perecido, que está preocupada em sensibilizar a sociedade e as entidades de direito para que prestem atenção à grandeza do seu progenitor. E não lhe faltam argumentos: “Há muitos moçambicanos que não conhecem Alberto Chissano, muito menos a sua obra, porque as entidades que deviam promover o seu conhecimento não realizam essa tarefa”.
O escultor Mahazule que, seguindo os seus passos, procura eternizar o nome e a obra do seu instrutor, considera que a imagem do mestre Chissano está a ser marginalizada e esquecida. O criador fundamenta a sua posição do seguinte modo: “Ainda não ouvimos falar de uma actividade relevante desenvolvida com o propósito de o sublimar. As pessoas devem ser valorizadas mesmo depois de encontrarem a morte. Chissano produziu obras que nos engrandecem, como moçambicanos. Por isso, ele merece um estatuto social proporcional à sua grandeza”.
Diz-se que se está diante de uma apatia total que, concorrendo para a desvalorização do artista, se traduz na manifestação de um desinteresse absoluto manifesto até em situações que não envolvem bens materiais. “Não precisamos só de ajuda monetária, mas de um apoio em termos de ideias e de projectos para que possamos preservar o património nacional que se encontra neste estabelecimento”, refere.
Uma vida dedicada à arte
No mundo das artes, a relação de Alberto Chissano com a escultura teve início quando ele retorna a Moçambique, vindo da África do Sul, por volta de 1960. Depois da sua incorporação nas Forças Armadas Portuguesas, o escultor tornou-se empregado do Núcleo de Arte, onde trabalhou como servente. Mas antes, Chissano tinha sido pastor de gado, instruendo como alfaiate e empregado doméstico.
Muitos anos depois de trabalhar e conviver num contexto de vida artística, o Núcleo de Arte, hoje, com mais de 90 anos, Chissano começou a desenhar e a esculpir a madeira. Quatro anos depois, em 1964, realiza a sua primeira mostra individual.
Inicialmente a esculpir a madeira, embora de vez em quando trabalhasse com a cerâmica e material metálico, Chissano construiu gradualmente a sua obra ao mesmo tempo que consolidava o seu conhecimento em relação à cultura africana.
Sabe-se ainda que, no seu percurso, Chissano foi inicialmente influenciado pela sua avó que o estimulou a olhar para a natureza de forma particular – apreciando- a. A par disso, o pequeno artista ganhava gradualmente alguma consciência em relação aos problemas que os homens do seu tempo enfrentavam.
Nas suas obras podem-se visualizar cenários que envolvem o apreciador da escultura numa espécie de tristeza que resulta da fome e da miséria. De certa forma, acredita-se que à medida que esculpia, Chissano restituía uma forma de vida à madeira – matéria morta – que outrora fora árvore. Uma vida humana. Uma vida que reclama um bem-estar social.
Uma vida que não se contenta com a miséria e todas as formas de opressão. Em resultado disso, o artista acabou por conquistar o primeiro Prémio de Escultura da Câmara de Lourenço Marques, em 1966, incluindo outros galardões da mesma especialidade, na antiga Jugoslávia em 1981.
O escultor-mor é particularmente conhecido pela capacidade peculiar que possuía de associar a pintura à cerâmica, incluindo a música tradicional a fim de revelar os seus sentimentos e – por extensão – os do povo moçambicano. Alberto Chissano nasceu no distrito de Manjacaze, na província de Gaza, em Janeiro de 1934. Ficou órfão de pai muito cedo e, por isso, foi educado pela mãe e pela avó que era curandeira.
O Museu e Galeria Chissano
Inaugurado a 13 de Agosto de 1993, o Museu e Galeria Chissano – uma criação do mestre – é um edifício constituído por dois pisos, com o objectivo de possibilitar que os moçambicanos tenham contacto com a escultura. De certa forma, a referida instituição impõe-se como um viveiro das suas obras.