Seis meses após o início da tensão militar no centro de Moçambique, e com os principais protagonistas da guerra, Governo e o partido Renamo, de costas voltadas académicos e organizações da sociedade civil nacionais apresentaram, nesta quinta-feira (19), em Maputo, o primeiro manifesto colectivo de reflexão sobre as razões e os factores da crescente instabilidade político-militar que se vive e a conclusão é que: “a actual instabilidade político-militar tem as suas causas prováveis na cultura política dominante, baseada na limitação da cidadania e no modelo económico extractivo que enfraquece o vínculo entre o Estado e o cidadão”.
Os “Caminhos Moçambicanos para a Construção da Democracia” – apresentado publicamente pelos académicos Brazão Mazula, Lourenço do Rosário e Luís de Brito -, é um documento que resulta de debates acontecidos num seminário, entre os dias 10 e 11 de Dezembro, na capital moçambicana, e refere que “a actual situação exige uma reflexão mais abrangente, includente e virada para a identificação de elementos que possam assegurar um processo político mais estável, pois a limitação deste processo, a apenas dois partidos políticos, pode se revelar problemática para uma solução sustentável da instabilidade”.
Segundo Brazão Mazula, o documento sugere ainda o alargamento do debate a outros sectores políticos, diferentes grupos sociais, religiosos e profissionais, para reforçar a cidadania e consolidar a democracia, tornando-o mais inclusivo: “Uma possibilidade seria a realização duma Convenção Nacional, um mecanismo que tem alguma experiência de sucesso em contextos de crise em outros quadrantes, mesmo no continente africano”, frisou.
Num outro desenvolvimento, o académico referiu que o documento aconselha a realização do debate sobre o sistema de representação, “reflectindo sobre as possibilidades de adopção de um sistema eleitoral misto, com a introdução de listas uninominais com o objectivo de alargar a base de participação e também a promoção da cidadania”. “A crescente e muito elevada abstenção nas eleições presidenciais e legislativas é particularmente preocupante e contrasta com a tendência inversa observada em muitos municípios. A experiência mostra, pois, que a proximidade dos candidatos em relação aos eleitores é um factor de mobilização e um caminho para a melhoria da qualidade de representação”, sublinhou.
Relativamente à construção de uma sociedade democrática no País e suas respectivas instituições, o documento constata, entre outros aspectos, a existência de “uma cultura político patrimonialista que gera autoritarismo e paternalismo e limita as possibilidades da cidadania, constrangendo a liberdade dos indivíduos e a distância institucional entre o Estado e o cidadão, que é um legado histórico das condições da construção do Estado moderno em Moçambique e legado de uma cultura política menos libertária do que se tem proposto”.
Refira-se que os intelectuais que participaram no referido encontro e as organizações promotoras da iniciativa, nomeadamente a FUNDE, IESE, CEDE, EISA, OMR e Gapi-SI, comprometeram-se a continuar a contribuir para a reflexão sobre os caminhos para a consolidação do processo democrático no País, bem como participar e estimular a participação em outras iniciativas em prol da paz, cidadania, democracia e desenvolvimento.