“Construir o Paraíso Aqui”, que esta terça-feira se estreou em Lisboa na segunda edição dos Dias do Desenvolvimento, mostra a face positiva da Guiné-Bissau aquela que não é feita de golpes, de guerras e de torturas. Cabo-Verde também tem o seu espaço no filme. Devido à extrema secura desta terra, a chuva faz-se artificialmente a conta-gotas.
Quando ouvimos o nome da Guiné-Bissau no noticiário, raramente é por boas razões. Leva o rótulo de país falhado, onde os golpes de Estado se sucedem. Mas há quem inverta a tendência. Quem construa, em vez de destruir. Quem crie nas mais adversas condições. É dessa outra possibilidade que fala o documentário ‘Construir o Paraíso Aqui’, que se estreia amanhã nos Dias do Desenvolvimento, no Centro de Congressos de Lisboa, uma iniciativa que dura até quarta-feira.
O filme, da autoria do jornalista Paulo Nuno Vicente, da Antena 1, com imagem e montagem de Luís Melo, da Universidade de Aveiro, concepção gráfica de Ana Grave e música de Eneida Marta e Juca Delgado, dá voz às “vozes africanas da cooperação descentralizada”.
É um documentário para quem acredita (ou está disponível para acreditar) que a Guiné-Bissau e também Cabo Verde são mais do que o que aparece nas notícias. São pessoas, com ideias, com projectos, com força. Com vontade de construir o paraíso, mesmo sabendo que é difícil atingi-lo.
Produzido pela Associação para a Cooperação Entre os Povos, o filme revela indivíduos e colectivos empenhados em transformar o que os rodeia, gente que sonha com um país diferente, gente que não quer desistir. E esse esforço não é para qualquer um, em países onde tudo, por mais insignificante que pareça, pode fazer a diferença.
Em Iemberem, nas Matas de Cantanhez, no Sul da Guiné-Bissau, uma máquina de arroz fez uma revolução. Mudou o estatuto das mulheres. Deixaram de estar presas ao pilar do arroz e puderam passar a ir à escola.
Pelas mesmas bandas, funciona a primeira televisão comunitária a emitir em ondas hertzianas. A emissão dura uma hora e 55 minutos, o exacto tempo do gerador.
Na Guiné, as estradas ainda dificultam a vida, afectando o comércio. Mas nunca há um só caminho e essa foi a deixa para a comunidade de Fulacunda criar um campo de cultivo, cada um com o seu quadrado. Tite está em festa – chegou a luz eléctrica, na forma de painel solar.
Em Buba, há gente a trabalhar contra uma realidade mais dura: o tráfico de crianças para o Senegal, supostamente para aprenderem o Alcorão. Amadu conta a sua história, esforça-se por não chorar. Os pais não o aceitarão de volta enquanto não souber de cor o livro sagrado do islão.
Chuva feita pelas mãos
Em Cabo Verde, recentemente chegado ao estatuto de país de desenvolvimento médio, a vida pode ser mais fácil, mas persiste “a insustentável dureza da terra”. Ainda assim, há quem não desista de afrontar a falta de chuva. No Alto da Ribeira da Torre, na ilha de Santo Antão, “a chuva que não cai é feita pelas mãos.” Fez-se um reservatório, um sistema de rega gota-a-gota, e não faltam interessados em repercutir a experiência de racionalizar um bem escasso. Na mesma ilha, a fruta de Figueiral e João Afonso está a ser transformada em doces, impedindo-a de apodrecer.
Na ilha de Santiago, faz-se hidroponia, geram-se produtos biológicos numa estufa e recicla-se a água, num país com potencial hídrico limitado. E na ilha do Maio, já há três quilómetros de média tensão que não deixam adormecer a luz e fazem funcionar um centro profissional.
‘Construir o Paraíso Aqui’, co-financiado pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, apresenta-se como “uma tentativa de inversão”. “Antes de mais, da perspectiva do jornalismo, entregando o protagonismo do diálogo às vozes do Sul”, explicou ao jornal “Público” Paulo Nuno Vicente. “São vozes raras na cadeia tradicional da informação, onde há um peso excessivo de actores estrangeiros”. É tão “objectivo mostrar o que se passa de positivo” como “mostrar os golpes de Estado, os conflitos, as violações de direitos humanos”, realça.