Apesar de condenada por fraude e roubo em 2003, a ex-mulher de Mandela está em quinto na lista, com respeitadas figuras do partido.
Apesar de condenada por fraude e roubo em 2003, a ex-mulher de Mandela está em quinto na lista, com respeitadas figuras do partido.
Admirada pelo povo e renegada por uma elite, Winnie Mandela tem nas eleições gerais de anteontem a oportunidade de um regresso à primeira linha da cena política sul-africana. A ex-mulher do Presidente Nelson Mandela está na quinta posição na lista de candidatos do Congresso Nacional Africano (ANC) às legislativas para o Parlamento que escolherá o próximo Presidente, que será certamente o líder do partido, Jacob Zuma.
Para muitos, os que nos bairros mais pobres a apoiam, Winnie continua a ser “mãe da nação”, heroína da luta anti-apartheid e defensora dos pobres e dos excluídos. “Com a sua coragem, energia e presença constante nos bairros negros durante e depois do apartheid, conquistou milhões de fãs”, escreveu recentemente o jornal britânico “The Guardian”.
Porém, esta figura complexa, de contrastes e contradições, como é frequentemente definida, também representa, para os críticos, o que de mais negativo o ANC produziu nos últimos 15 anos no poder: corrupção e abuso de poder.
O ANC de Zuma, que terá uma vitória garantida nestas eleições, vê nela um importante trunfo para manter a maioria de dois terços, conquistada nas últimas eleições em 2004 e que Zuma não quer perder.
Reviravolta no partido
De Winnie Madikizela-Mandela, em 2003, poderia pensar-se que nunca regressaria à política. Nesse ano, renunciou ao cargo de deputada depois de ser condenada a cinco anos de prisão por dezenas de acusações de fraude e roubo – uma pena suspensa que viu reduzida a três anos e meio em 2004.
Já antes disso, caíra em desgraça. Em 1991, fora condenada pelo rapto do jovem de 14 anos Stompie Seipei, do ANC, alegado informador do regime, e mais tarde assassinado; e em 1995, afastada de um cargo ministerial pelo próprio Presidente Mandela, por incompetência, corrupção e desvio de fundos. Mas o caso do rapto de Stompie Seipei, que depois foi assassinado, foi de longe o mais grave em que viu o seu nome envolvido.
A pena de prisão pelo rapto foi comutada para uma multa, mas mais tarde Winnie foi acusada por testemunhas na Comissão da Verdade e Reconciliação em 1997 como tendo ordenado a morte do jovem, embora nunca tenha sido formalmente acusada.
“A vergonha de Winnie Mandela”, escreveu então o “New York Times”, num editorial que exprimia o “desgosto de ver uma heroína da luta anti-apartheid usar o seu poder contra o seu próprio povo” e que considerava que a condenação pelo rapto deveria ter sido suficiente para Winnie nunca mais regressar à política.
Destinos cruzados
Porém, com a reviravolta dentro do ANC, a retirada de Mbeki (que perdeu a confiança do partido) e a ascensão triunfal de Zuma, dez anos mais tarde, também Winnie veria o seu destino mudar. No congresso do ANC que afastou Mbeki da liderança e elegeu Zuma para o substituir, em Dezembro de 2007, Winnie foi a mais votada dos membros da comissão nacional.
“Os dois [Winnie e Zuma] são os políticos mais talentosos em populismo na África do Sul”, ironiza o jornalista sul-africano Kevin Bloom numa entrevista telefónica ao jornal português “Público”. Ambos têm o apoio das bases enquanto heróis da luta, ambos foram presos durante o apartheid, e ambos viram-se envolvidos em casos de justiça que conseguiram contornar.
“Só um tolo subestimaria o seu papel na história deste país. Mas esses factos não a livram dos crimes que cometeu”, afirmou o juiz que pronunciou a sentença de 2003.
Também na semana passada, analistas, juristas e sobretudo a oposição da África do Sul contestaram a elegibilidade de Winnie depois dessa condenação a uma pena de prisão em 2003, independentemente dos argumentos do ANC a seu favor.
O partido histórico defendeu-se das acusações de se reger por “baixos valores morais”, dizendo que a escolha da lista de candidatos se baseou “em valores morais que decorrem da própria história” – numa alusão ao seu papel de heroína da luta.
Winnie está na quinta posição da lista de candidatos a deputados, entre os prestigiados ministro das Finanças, Trevor Manuel, e a ministra dos Negócios Estrangeiros, Nkosazana Dlamini-Zuma, além de estar à frente de outras figuras do Governo.
Isso indica que o ANC vê nela um “trunfo crucial” para ganhar votos entre os pobres desiludidos pelo não cumprimento de promessas do ANC, escreve o “The Guardian”. A maioria de dois terços que o ANC ambiciona manter não está garantida, sobretudo depois de um grupo de dissidentes ter formado um novo partido, COPE, que pode vir a recolher entre dez e 15% dos votos.
Kevin Bloom confirma: “Ela é incrivelmente popular entre a maioria negra”. Por outro lado, acrescenta o jornalista, “é uma voz, mas não uma [figura] política que legisla ou implementa”. E é mais um exemplo de que “certas pessoas estão acima da lei”, considera, numa referência à anulação pela justiça das acusações de corrupção contra Jacob Zuma.
Como Jacob Zuma, também Winnie Mandela teve problemas judiciais
que conseguiu contornar para voltar à política.