Faz um frio agudo dentro de mim. Procuro um agasalho. Cubro. Recubro. Mas,desnudo-me diante de uma mentira, pois cubro o meu corpo e não o meu sentimento de angústia. Que sentimento tão inválido é este que me aflige? Feio. Insípido, flácido na fluidez da impaciência que eu descubro.
Enquanto cubro, vou descobrindo a minha nudez sentimental que me escapa por causa da invalidez emocional. Inválidos somos nós, na vertiginosa conquista que pretendemos dar ao nosso futuro.
Ah, o futuro. Olha meu irmão, o futuro é tão antigo como a Humanidade. E ao caminharmos para o futuro, é da clemência que vamos ao encontro, na precisão de uma nova conquista. É nesse mito que se emerge a minha angústia, que se esfria dentro de mim. Não será isto início de uma loucura. Louco. Estou a ficar louco. Pelo menos a loucura dá-me a certeza de que sou alguma coisa. Pelo menos uma certeza, ganhei, na vida: sou louco. Louco!
Nesse estágio da vida, pelo menos posso lutar contra tudo. Posso lutar contra «o nada». Posso sonhar com tudo. Posso viver o rito de um presságio único. Posso, como louco, ser barco. Mar. Oceano. Concha marítima. Mercado. Mercador. Luz. Sol. Folha. Agulha. Amante. Amado. É bom ser louco, porque podemos ser e fazer tudo. Podemos ganhar. Perder. Rir. Chorar. Cantar. Saltar. Orar. Ou rezar para quem acredita que numa fé maior que a minha.
Mas isso não tira e muito menos purifica a nossa loucura, apenas atenua. Engrandece. Desloca-nos. Transfere-nos. Espalha-nos. Congela-nos. Irrita-nos. É dentro da nossa irritação humana que continuo a sentir um frio agudo dentro de mim.
A angústia revela-me a sua loucura. Alguns chamam-me louco, por ser poeta. Sou artista e não poeta. Estou transtornado com a minha situação de artista. Sou promíscuo. Débil. Boémio. Suicida. Insolente. Vagabundo. Gostava apenas de ser o sol das futuras gerações. Belo. Bom. Moralmente aceite como referência de todos os tempos e de todos os artistas. Mas olhem para onde estou agora, no lado da ala vertiginosa do mundo. Estou do lado da mesma estrela que conquistei, da mesma estrela que, sem me aperceber, deitei na lama, por causa de uma simples fornicação mental, banal, diagonal, sazonal e excepcional.
Virginal, no plano quinzenal. Infernal, no plano teológico. Salvífico, no legado literário. Matinal. É nesse matinal escuro, solar e existencial que me encontro agora. É nessa matriz que me cubro, redescobrindo que não fui honesto com os descobrimentos que foram desacobertados para que eu possa andar coberto como um artista cordialmente uno, complexo e simples.
Nessa onda matinal, em que me encontro agora, o frio (a angústia) toma conta de mim. Acho que estou nos últimos momentos de mim. Mesmo assim, vou-me agasalhando cada vez mais. Esperando que a angústia (o frio) me leve de mim, para fora de mim. Enquanto me cubro, espero que o frio (a angústia) me arranque de mim, para me levar para o futuro de mim mesmo.
Choro. Choro, sim. Choro, porque tenho medo do além. Choro, não por medo de um frio denso e agudo. Choro porque descubro dentro da Humanidade, dentro de mim, que a única angústia (o frio) de que tenho medo (dentro do meu frio angustiante) é o futuro: a morte.