Por imposição ou escolha, o ser humano tem de se adaptar às circunstâncias da vida, para não sucumbir. Cerca de 50 pessoas de um povoado entre a cidade de Tete e Moatize fizeram um pouco de tudo, passando de camponeses a vendedores informais. Não tem sido fácil, mas parar é morrer.
Berta, de quatro anos de idade, está de pé, com uma bacia na cabeça, ao lado pequenos amontoados de pedras para construção. Mais acima, de onde vêm homens, mulheres e crianças da mesma idade, gotas de chuva cravejam o caminho de terra que sai do local donde o produto que transportam é extraído.
Ao lado de Berta encontram-se a mãe e Benjamim Rodrigues, este, de 31 anos de idade, conhecido pela alcunha de “chefe” entre a legião dos sobreviventes da pedreira. Na frente dos três, estão bidões de 25 litros desprovidos da parte de cima e que são usados como recipiente para medir a quantidade e marcar o preço.
Está-se em Julho de 2013, na era do boom dos recursos minerais na agreste província de Tete e das oportunidades de negócios que surgem de todos os lados, transformando a vida dos residentes deste el dorado como nunca pensaram.
Contudo, à margem das mineradoras e tudo o que elas arrastam, há quem vive literalmente do que a pedreira dá. São cerca de 50 pessoas que todo o santo dia amontoam pedras e vendem cada bidão por 20 meticais.
A procura é grande, mas o trabalho é pesado e os lucros nem sempre compensam. Na verdade, os ganhos não correspondem ao esforço despendido. Não seria exagero afirmar que o dinheiro que resulta de um dia de trabalho é suficiente para viver e chegar ao dia seguinte com força necessária para calcorrear o mesmo calvário.
Como tudo começou
Benjamim Rodrigues conta como tudo começou: “A terra deixou de produzir e nós ficámos sem nada para fazer. Não podíamos cruzar os braços e morrer de fome. As pedras sempre estiveram aqui, mas só agora é que começamos a extrair e organizar para vender aos que constroem casas na cidade e na vila de Moatize”.
“A pedreira que está ali (aponta para um local ao lado onde funciona uma empresa que comercializa pedra formalmente) chegou depois de nós”, diz enquanto outros dois indivíduos acenam com a cabeça para darem mais força ao pronunciamento.
No princípio, era uma actividade exclusivamente masculina, mas a aridez da terra e a fraca formação dos residentes dos povoados entre Moatize e Tete arrastou mulheres e crianças para o negócio. Nem a concorrência da pedreira demoveu o “chefe” e companhia.
“Aqui é mais barato para o cliente”. Porém, bem mais difícil para o vendedor incapaz de organizar uma quantidade suficiente para ganhar algum dinheiro.
Os clientes, também, usam artimanhas para baixar o valor do produto. Grande parte aparece à beira de o sol se pôr para, desse modo, reduzir os custos. Uma chantagem que Benjamim e os outros cinquenta vendedores não conseguem combater.
Por exemplo, um bidão que nas primeiras horas custa 20 meticais lá para o final do dia não chega aos dez. @Verdade conversou com um camionista que estava no local a encher o carro e a distribuir dinheiro para uma dezena de vendedores sorridentes.
João Herculano, de 34 anos de idade, afirmou que é muito mais barato comprar pedra para a sua construção nos vendedores informais. “Não só é mais barato como também é possível comprar em pequenas quantidades de acordo com a disponibilidade financeira”.
Um metro cúbico de pedra num posto de venda formal custa 600 meticais. Nas contas de Herculano é possível poupar metade desde que se tenha paciência. Reunir um metro cúbico de pedra não é tarefa fácil. Hélio, uma espécie de fiel escudeiro de Benjamim, explica o quão difícil é extrair e juntar à beira da estrada um metro cúbico de pedra.
A troco de 600 meticais subiu e desceu 24 vezes ao e do local onde recolhe com recurso a uma picareta as melhores pedras para atrair clientes. Levou duas horas e 33 minutos. Completamente estafado, mas feliz por ter feito num só dia o que, regra geral, precisa de três para ganhar.
A presença de crianças como Berta, num negócio que exige força braçal, pode ser explicada de duas formas. A primeira é que as progenitoras não têm com quem deixar as crianças. A segunda e talvez mais próxima da realidade é que grão a grão a galinha enche o papo. A metáfora não é exagerada e é só preciso olhar para o tamanho da bacia de Berta para confirmar que a sua contribuição no processo é residual quando o processo é decomposto.
É realmente muito pouca coisa o que transporta de cada vez. Contudo, no final do dia é muito o que junta. O que se perde, no entanto, é o tempo para as brincadeiras próprias das crianças da sua idade e, neste contexto, são obrigadas – pela força das circunstâncias – a imitaram o comportamento de adultos na luta pela sobrevivência.
Berta chega com a mãe, de quem não se separa e acompanha no exercício de juntar pedras para comprar comida. Gabriela Elias, de 41 anos, mãe solteira, depois de ter morado três anos em Tsangano, mudou-se de armas e bagagens para um dos locais mais inóspitos do distrito de Moatize.
Uma mudança bastante significativa, já que em 1991 aquele lugar estava coberto de machambas. Passados 18 anos, as hortas perderam terreno e, pouco a pouco, a aridez foi tomando conta do espaço. Contudo, há instantes que mudam uma vida. Para Gabriela tudo começou com um convite. Desesperada com a fraca produtividade da sua machamba, aceitou sair com Maria para recolher pedras.
Desde aquele dia, Gabriela sabe que depois daquele episódio, na sua vida, há um antes e um depois. “Pela primeira vez, tive a consciência de que tenho de fazer qualquer coisa para sobreviver, mesmo que seja dura”.
Tudo começa às cinco horas
Os trabalhos iniciam muito cedo, bem antes do sol espreitar. Àquela hora, dizem, a pedreira é apenas deles e “quem não trabalha não come”. O regresso, esse, só se dá lá por volta das 19horas quando os clientes já não vêm e a fome aperta. Na verdade, diz Benjamim, o negócio “não dá para nada”.
Em média, conta, consegue arrecadar 300 meticais por dia, o suficiente para garantir comida na mesa de um agregado familiar com cinco membros. No local, de vendedor em vendedor, o relato repete-se. Este é um trabalho duro e só praticado por pessoas que se recusam a viver do “amanhã Deus dará”.