Olá Zaida, como vai você? Peço imensas desculpas por ter usado as suas desinteressadas e lindas palavras para baptizar a minha coluna, “Toma que te dou”. Quando abro o jornal e vejo aquele logotipo, renovo a saudade que sinto por si. Devia ter-lhe pedido permissão para usar esse verso límpido antes de o escarrapachar para toda a gente.
Não o fiz na devida altura e sinto, todas as semanas quando saem os meus textos imaginários e reais ao mesmo tempo, que você está presente naquele espaço. É como se estivesse a dizer-me alguma coisa cifrada, mas bela, e a beleza não se interpreta, é como o sabor do mel, não se explica. Sinto também que ao transmitir-me essas mensagens escondidas nos códigos, agradece a minha iniciativa, dessa forma eu eternizo-lhe através do meu “Toma que te dou”. Obrigado, Zaida, por não estar zangada comigo. Muito obrigado.
Escrevo-lhe esta carta enquanto de longe escuto a sua música acompanhada na guitarra pelo Carlos Lhongo, seu companheiro eterno nas batalhas de nunca acabar. Escrevo e escuto-lhe. É como se estivesse a ver-lhe naquela sua humildade, naquela sua simplicidade, bamboleando o traseiro maluco que você gostava de abanar para as massas.
Zaida, lembro-me também, neste momento, que um pouco antes de partir, a sua graça física já se tinha esvaziado. Já não era a mesma maluca que toda a gente gostava de ver e ter por perto. Olhei para si, naquele espectáculo em Pemba, em 2003, e já não tinha o fulgor na carne, mas mantinha incrivelmente a força de espírito. Bebia mesmo sabendo que já não o podia fazer.
Bebidas para despertar os seus demónios e dar às pessoas o melhor de si. E deu, Zaida, enquanto podia, até ao dia em que a rede de emalhar lhe cercou, para sempre. Lembrei-me de si hoje, como me lembro todas as semanas quando abro o jornal e vejo a minha coluna “Toma que te dou”. Lembreime de que não lhe pedi permissão para usar o seu verso e baptizar a minha coluna. Desculpa, Zaida. Peço perdão, e peço também para continuar a usar este título que me catapulta, que me engrandece, que me envaidece e me embevece. Sou seu admirador incondicional, meu amor!
Assisti ao seu funeral no cemitério de Lhanguene. Toda a cidade de Maputo parou para enterrar o corpo da rainha das massas. A copa das árvores que se erguem naquele lugar acolheram vários cachos de pessoas que queriam ver o seu caixão a descer para o fundo da terra, que lhe queriam l dar o último beijo. Os ramos de algumas dessas árvores não resistiram ao peso e partiram-se, trazendo cá para baixo aqueles magotes de gente, mas ninguém se feriu.
Ninguém se podia ferir naquele dia, Zaida, porque você estava a partir e acenava a todos, mexias pela última vez o seu traseiro maluco, agora sem a cerveja na mão, nem a guitarra do seu companheiro de inúmeras jardas, o Carlos Chongo. Partia sem nada nas mãos, veio sem nada nas mãos. Mas ficou o seu cheiro, que se vai sentir por todo o sempre enquanto o mundo existir. Zaida, não será, com certeza pelas paranóias que cometeu aqui na terra que Deus não lhe vai receber.
O seu coração é superior a tudo isso que qualquer ser humano pode fazer. Jesus virou-se para eles e disse: “Aquele que nunca pecou, que seja ele a atirar a primeira pedra!”. É isso, Zaida, muito obrigado pela visita que me fez ontem. Vi-lhe a vir, assim de longe, num descampado. Parecia um anjo, estava luzidia, tudo em si era resplandecente.
Corria ao meu encontro, de braços abertos, apelando a que eu corresse também. Fi-lo com a maior alegria. Lembrome de que nos abraçámos, caímos juntos por sobre a areia molhada de orvalho e as suas roupas me cobriam para não sentir o frio enregelador que fazia por ali. Muito obrigado, Zaida, pela visita. Para mim significa que você me acolhe com amor. Um beijo grande para si.