O Presidente da Associação Médica de Moçambique (AMM), Dr. Jorge Arroz, foi detido cerca das 18h40 deste Domingo (26), nas instalações da AMM, na cidade de Maputo, e conduzido à 6ª Esquadra da Polícia da República de Moçambique (PRM) onde esteve preso durante cerca de quatro horas acusado de sedição. Os profissionais de saúde que estão em greve há sete dias, exigindo um aumento salarial de 100 por cento e a aprovação do Estatuto Médico pela Assembleia da República, reuniram-se no exterior da esquadra e só saíram de lá quando o seu líder foi restituído à liberdade.
“O Dr. Jorge Arroz acaba de ser detido na AMM” reportou-nos um cidadão às 18h46 deste Domingo. A nossa equipa de reportagem dirigiu-se à 6ª esquadra, para onde o Dr. Jorge Arroz havia sido levado e presenciamos o oficial de permanência a explicar as razões da sua detenção na sequência de um mandato emitido pela Polícia de Investigação Criminal sob a acusação de estar a delinear um plano para encerrar todas Unidades Sanitária de Moçambique nesta Segunda-feira (27) no seguimento da greve que ele, e outros profissionais de saúde observam desde a passada Segunda-feira (20).
Entretanto a notícia da detenção correu pelas redes sociais, particularmente pelo facebook, e vários cidadãos começaram a acorrer à esquadra situada na praça 20 de Setembro.
Arroz que estava acompanhado pelo seu advogado viu em pouco tempo chegar o Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Tomás Timbane, que após inteirar-se da acusação começou a tentar contactar a procuradoria da cidade por forma a encontrar um procurador que analisasse a detenção, claramente ilegal.
Poucos minutos após as 20 horas Jorge Arroz foi encaminhado para uma cela da 6ª esquadra.
Ao pequeno grupo de profissionais de saúde juntaram-se outras centenas de colegas e cidadão anónimos que não quiseram deixar acontecer mais uma ilegalidade da PRM. Temos também relatos que à essa altura os profissionais de saúde que estavam em serviço Hospital Central de Maputo pararam as suas actividades e começam a ponderar juntarem-se ao movimento de cidadãos que exigia a libertação do líder dos Médicos.
Cerca das 21 horas, enquanto no exterior se gritava ” não saímos daqui sem o Arroz” tudo se encaminhava para que o Presidente da AMM passasse a noite na cela. Uma jovem trouxe água, snacks e uma capulana que foram entregues a Polícia para que fizesse chegar ao detido.
Por essa altura o efectivo policial na esquadra havia sido triplicado, com a presença de vários agentes à paisana, ao que tudo indica da PIC.
Alice Mabote, Presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, cuja instituição está a prestar apoio jurídico aos médicos em greve desde a primeira greve, chegou. Abriu caminho entre a multidão, polícias e medias que lotavam o interior da esquadra e dirigiu-se ao oficial primeiro para saber a situação e exigiu falar com o Comandante ao mesmo tempo que de telemóvel em punho contactava fazia contactos para a libertação de Arroz.
Às 21h30 a Procuradoria já havia sido contactada e estava a analisar o processo de detenção do Dr. Jorge Arroz.
Mas a tensão continuava com o trânsito quase condicionado na rotunda existente no cruzamento das avenidas Marien Ngouabi e Guerra Popular. Vários automóveis que passavam manifestavam a sua solidariedade reduzindo a marcha e buzinando. A tensão aumentou um pouco mais quando a polícia tentou empurrar à força, para o exterior da esquadra, os membros da imprensa, médicos e cidadãos que estavam a prestar a sua solidariedade e fechou a porta de acesso principal à 6ª esquadra.
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21h58 foi ordenada soltura de Jorge Arroz, afirmou o Bastonário da Ordem do Advogados, que inclusive usou a rede social facebook para divulgar a boa notícia.
Alice Mabote e o Advogado Carlos Jeque pediram a todos que se encontravam no interior da esquadra para se retirarem, num gesto de algum respeito pela polícia para que o detido pudesse ser libertado.
Mas os ânimos não acalmaram, o povo que se unira defronte da 6ª esquadra queria ver o Dr. Jorge Arroz sair pela porta da frente. Porém a PRM não deixou.
Poucos minutos antes das 23 horas Jorge Arroz foi retirado por umas das portas laterais da esquadra e conduzido até a Associação Médica de Moçambique.
Ainda na noite deste Domingo o chefe das Operações do Comando Geral da Polícia, António Pelembe, falou à imprensa sobre as motivações da detenção do Presidente da AMM.
Pelembe disse que Arroz não foi detido, mas sim notificado para prestar declarações. “A polícia encontrou Jorge Arroz em flagrante delito, reunido na associação médica de Moçambique a delinear um plano estratégico de como levar avante a greve no dia de amanhã (hoje). Tal plano visava o encerramento de todas as unidades sanitárias de modo a impedir os que por consciência prestam serviços mínimos aos doentes, e a evacuação de todos os doentes para fora dos hospitais”.
Esta Segunda-feira está agendado um encontro de todos profissionais de saúde moçambicanos, no cine teatro Gilberto Mendes, na baixa da capital moçambicana, para darem continuidade a luta por melhores condições de vida.
Contrariamente as informações do Ministério da Saúde que tudo está calmo nas Unidades Sanitárias vive-se um ambiente de caos nos Hospitais e continuam a existir Centros de Saúde que não estão a atender aos doentes.
A falta de fundamento da detenção
O antigo Juiz-Conselheiro do Tribunal Supremo, João Carlos Trindade, numa acto de cidadania partilhou gentilmente o enquadramento jurídico sobre o crime de sedição que, alegadamente, teria fundamentado a detenção do Presidente da Associação Médica de Moçambique, Dr. Jorge Arroz.
Segundo Trindade convém prestar atenção ao que dispõe o artigo 179 do Código Penal em vigor: “Aqueles que, sem atentarem contra a segurança interior do Estado, se ajuntarem em motim ou tumulto, ou com arruído, empregando violências, ameaças ou injúrias, ou tentando invadir qualquer edifício público, ou a casa de residência de algum funcionário público:
1º, para impedir a execução de alguma lei, decreto, regulamento ou ordem legítima da autoridade;
2º, para constranger, impedir ou perturbar no exercício das suas funções alguma corporação que exerça autoridade pública, magistrado, agente da autoridade ou funcionário público;
3º, para se eximirem ao cumprimento de alguma obrigação;
4º, para exercer algum acto de ódio, vingança ou desprezo contra qualquer funcionário, ou membro do Poder Legislativo, serão condenados a prisão até um ano, se a sedição não for armada.
1º – Se a sedição for armada, aplicar-se-á a pena de prisão.
2º – Se não tiver havido violências, ameaças ou injúrias, nem tentativa de invasão dos edifícios públicos ou da casa de residência de algum funcionário público, a prisão não excederá a seis meses na hipótese do artigo e a um ano na do parágrafo antecedente. “.
Segundo este João Carlos Trindade, da simples leitura do dispositivo legal extraem-se facilmente as seguintes conclusões: Em termos substantivos:
– A reunião dos representantes de uma classe profissional, numa sala da sede da sua organização e no exercício do direito constitucional à greve, não se pode confundir com motim ou tumulto. Além disso, para que se verificasse o crime, seria necessário reunir indícios suficientes de que os actos praticados (o ajuntamento em tumulto ou motim…) se destinavam a qualquer dos fins indicados no preceito incriminador:
1 – impedir a execução de alguma lei, decreto, regulamento ou ordem legítima da autoridade;
2 – constranger, impedir ou perturbar no exercício das suas funções alguma corporação que exerça autoridade pública, magistrado, agente da autoridade ou funcionário público;
3 – eximir-se ao cumprimento de alguma obrigação; ou
4 – exercer algum acto de ódio, vingança ou desprezo contra qualquer funcionário ou membro do Poder Legislativo.
Ora, não se afigura, de todo, que tenha sido possível alcançar tais indícios.
Em termos processuais:
– O crime de sedição, tal como tipificado no Código Penal, é um crime de execução colectiva, pelo que não se compreende que só o Dr. Arroz tenha sido detido, invocando-se flagrante delito. Todas as pessoas que estavam reunidas com ele no momento da detenção deveriam ter sido igualmente conduzidas à esquadra para responderem pela mesma imputação;
– Se a detenção se deu “em flagrante delito”, como revelou o porta-voz da Polícia, como se compreende que tenha sido emitido um mandado de captura prévio? Nesse caso, seria dispensado o mandado, pois, “em flagrante delito a que corresponda pena de prisão todas as autoridades ou agentes da autoridade devem, e qualquer pessoa do povo pode, prender os infractores” (artigo 287º do CPP);
– Ainda que se admita a remota possibilidade de terem existido indícios suficientes e de a reunião dos grevistas poder ser qualificada de tumulto ou motim, sempre seria irregular a captura, se o respectivo mandado não respeitasse (como parece ter sucedido, pelos relatos da comunicação social) os requisitos formais do artigo 295º do Código de Processo Penal (CPP) vigente, maxime, do seu nº 2 (“a indicação do facto que motivar a prisão, ou desse facto e das circunstâncias que, nos termos do artigo 291º, justificam a captura”). Neste caso, ter-se-ia, inclusivamente, violado o disposto no nº 3 do artigo 64 da Constituição;
– Tendo em conta que ao crime caberia, na pior das hipóteses, a pena de prisão até um ano, tudo o que a Polícia poderia, legalmente, ter feito após a condução do “arguido” à Esquadra era notificá-lo para se apresentar no tribunal competente no dia seguinte, para eventual julgamento em processo sumário, e não conduzi-lo para uma cela, pois nos crimes punidos com pena de prisão não superior a um ano não é permitida a prisão preventiva (artigo 286º do CPP).
Em resumo, mais uma vez a Polícia revelou ineptidão e falta de competência no cumprimento das normas processuais, sendo legítimo pressupor que os reais motivos da detenção tenham sido outros, que não aqueles que, de forma atabalhoada, foram tornados públicos.
Em actualização…
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