O papa Francisco qualificou, Quarta-feira (1), como “trabalho escravo” a situação dos operários têxteis que morreram, semana passada, num desabamento em Bangladesh, e disse que os empresários que pagam salários injustos e buscam o lucro desenfreado vão “contra Deus”.
Essa foi a mais incisiva manifestação do papa pelos direitos dos trabalhadores desde a sua eleição, a 13 de Março, e mais um sinal de que o ex-arcebispo de Buenos Aires pretende fazer da justiça social uma marca do seu pontificado.
“Viver com 38 euros (50 dólares) por mês – esse era o salário das pessoas que morreram. Isso chama-se trabalho escravo”, disse Francisco num sermão de improviso na missa pessoal celebrada na sua residência, segundo o relato da Rádio do Vaticano.
O número de mortos pelo desabamento do edifício Rana Plaza, construído ilegalmente sobre um pântano aterrado nos arredores de Daca, capital de Bangladesh, subiu, Quarta-feira, para 411. Cerca de 40 vítimas não identificadas já foram enterradas.
Os benefícios fiscais oferecidos por países ocidentais e os baixos salários contribuíram para fazer de Bangladesh uma potência no sector do vestuário, com exportações de 19 bilhões de dólares por ano, sendo 60 por cento desse total destinados à Europa, onde a tragédia motivou questionamentos sobre o custo humano de roupas tão baratas.
Falando no Dia dos Trabalhadores, o papa disse que “não pagar um salário justo, não dar trabalho, só porque alguém está a pensar nos resultados financeiros, no orçamento da empresa, em buscar apenas lucro – isso é contra Deus”.
Segundo o pontífice argentino, “hoje no mundo existe essa escravidão que é perpetrada com a coisa mais bonita que Deus deu ao homem: a capacidade de criar, trabalhar, fazer a sua própria dignidade”. “Quantos irmãos e irmãs no mundo estão nessa situação por causa dessas directrizes económicas, sociais e políticas?”, acrescentou.
“A dignidade não é concedida pelo poder, pelo dinheiro, pela cultura – não! A dignidade é concedida pelo trabalho. Os sistemas social, político e económico fizeram uma opção que significa explorar o indivíduo”, afirmou.
Mais tarde, na sua audiência pública na praça de São Pedro, diante de dezenas de milhares de pessoas, o papa voltou a falar de direitos trabalhistas, mas não mencionou a tragédia de Bangladesh.
“O trabalho é fundamental para a dignidade de uma pessoa. Penso em quantos, e não só os jovens, estão desempregados, muitas vezes devido a uma concepção puramente económica da sociedade, que busca o lucro egoísta, além dos parâmetros da justiça social.”
Nesse pronunciamento, ele fez um apelo aos governos para que combatam o desemprego e eliminem o trabalho escravo associado ao tráfico humano.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que quase 21 milhões de pessoas no mundo sejam vítimas de situação análoga à escravidão ou trabalhos forçados.