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SELO: As Multas, por Livre Pensador

Com a judicialização do nosso poder político e da sociedade civil, reforçouse também a instituição da sociologia da “multa”. No entanto, este aumento da influência dos fazedores de leis em todos os sectores da sociedade aca- bou por nos conduzindo ao exagero de ter de nos sujeitarmos à vontade deste ou daquele lobby de juristas e não dos desígnios republicanos de um estado laico.

E assim, consoante os interesses de grupo, temos vindo a receber muitas doses de legalismo e de muito pouco de humanitarismo, mas sobretudo, de muito comercialismo e desprezo por quem não tem para ao menos cumprir com as leis que lhe são impostas.

Olhemos, por exemplo, para o que acontece no sector madeireiro. Recorrentemente, tem sido registada a depredação de recursos, que vão até outras envolventes, como a extinção de espécies animais, ameaças e assassinatos de líderes comunitários, vulgarmente conhecidos como régulos.

No sector mineiro, idem. No pesqueiro, fotocópia. Na agricultura e outros, a mesma impunidade. No meio disso tudo pergunta-se: porque o Estado permanece anestesiado perante este caos? Aqui já oiço e leio muitas teorias justificativas. Umas pugnam pelo maior envolvimento da sociedade civil, que nem sabem definir.

Outras defendem parcerias público-privadas entre multinacionais e grupos singulares de cidadãos. Pelo reforço do cúmulo jurídico das penas transitadas em julgado. E há até quem queira assacar responsabilidades de órgãos de soberania aos simplórios votantes sazonais e semianalfabetos do metafórico “país real”.

O que é certo é que nenhuma delas se tem revelado eficaz na reversão desta gangrena do poder do Estado. Pois bem, se me permitem, vou agora sugerir-vos uma nova abordagem. E ela consiste em simplesmente analisar do ponto de vista económico, social, político e até administrativo sobre a substituição de penas de prisão efec- tiva ou de trabalho comunitário pela MULTA.

Na fiscalidade, municipalidade e ordem pública tornaram-se um “modus vivendi” tão perene, que até já se contabilizam como “receitas extraordinárias” para cumprir metas anuais.

E a pergunta que faço é: que exemplo dá o Estado ao prevaricador e à sociedade no geral, quando subliminarmente se cria a ideia de que o pagamento de multas (ou caução, se quisermos sofisticar isto para crimes de colarinho branco) vai regenerar o Cidadão e torná-lo mais útil e responsável na sociedade?

Na boleia da promoção dos direitos humanos e das convenções internacionais que vamos assinando por aí, sem antes referendá-los na nossa sociedade, vamo-nos distinguindo da prática corrente que obriga os cidadãos a cumprirem impreterivelmente as penas que lhe são impostas pelo Estado, surgindo a multa como acrésci- mo, tal como acontece na maioria dos países da SADC e do mundo inteiro.

Estou, por isso, muito céptico em relação à criação de idêntico cenário em Moçambique, pois verifico que as multas, além de serem um privilégio ao alcance de quem tem dinheiro, o que à partida já é a promoção de discriminação social, patrocinada pelo Estado, são também uma espécie de “resgate” social de uma classe privilegiada, independentemente da gradação da infracção que ela cometa aos demais.

E, sobretudo, retira a este uma imagem republicana de autorida- de imanada dos cidadãos, gestor de conflitos internos e externos, agluti- nador rumo ao desenvolvimento e bem-estar comum.

Ao envolver-se o Estado nesta anti-pedagogia da Multa, vulgarizando-o ao nível dos prevaricadores, torna-o aos olhos dos demais excluídos um instrumento parasitário, e até um escolho, para a sua sobrevivência comum, o que convidará ao consequente federalismo ou secessão do mesmo. Como já advertia Brecht, nada é por acaso.

Este Estado moçambicano contemporâneo especializou-se em cobrar multas aos cidadãos e não na sua re- generação social, o que o cumprimento de boas leis poderia ajudar. Razão pela qual este é um aspecto que a sociedade, com esta revisão constitucional, não deveria deixar de reflectir profundamente, já que dos nossos fazedores de leis há muito que estamos conversados.

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