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“O município não tem combustível para recolher o lixo”

@Verdade conversou com Luís Job Mutombene, director executivo da Associação Cultural Ambiente da Mafalala (ACAM). Num espaço de uma hora e meia ficámos a saber que a agremiação caminha vertiginosamente para a auto-suficiência. Em cinco anos de existência, conseguiu construir e implantar um posto de saúde no bairro da Mafalala. Tem uma carpintaria onde os jovens aprendem habilidades para a vida. Também há corte e costura e pessoas que beneficiaram das formações da ACAM a ganhar o seu próprio dinheiro.

Mas nem tudo é um mar de rosas no mundo da ACAM, sobretudo na relação com as autoridades municipais. Ou seja, os jovens voluntários da ACAM limpam as valas de drenagem para combater o surgimento de mosquitos. Contudo, a edilidade é incapaz de recolher o lixo por falta de combustível. Essa incapacidade do município fez com que as campanhas de limpeza deixassem de ser realizadas. Resultado: os mosquitos voltaram a fazer a festa no bairro. Conheça, nas próximas linhas, um pouco do trabalho da ACAM….

(@Verdade) – O que é Associação Comunitária Ambiente da Mafalala (ACAM)?

(Luís Job Mutombene) – ACAM é uma organização comunitária de base maioritariamente constituída por jovens do bairro da Mafalala. A ACAM surge com o intuito de contribuir para a mitigação dos efeitos da pobreza e problemas de saneamento do meio no bairro da Mafalala.

(@V) – Que problemas específicos do bairro despertaram a consciência dos jovens do bairro para constituírem a ACAM?

(LJM) – Isso surgiu por causa do associativismo juvenil. Ou seja, alguns membros da nossa associação, ainda que de forma dispersa, já participavam em movimentos sociais e cívicos de âmbito nacional com o intuito de contribuir para resolver os problemas da juventude. Portanto, pelo facto de sermos, antes da ACAM, actores sociais vimos a necessidade de nos agruparmos em prol do desenvolvimento do nosso bairro.

Até porque antes de limparmos a casa do vizinho temos de fazê-lo em relação ao nosso meio. Foi, portanto, neste âmbito que decidimos reunir-nos a nível local para formar esta frente comunitária para mitigar os problemas da nossa casa.

(@V) – Com que problemas depararam e que respostas procuram dar?

(LJM) – Muitos. O grande problema é que sempre que chove o bairro vira destaque nos órgãos de comunicação social. Temos problemas sérios de saneamento do meio e isso contribui para o aumento de casos de cólera, malária e de problemas ambientais. Temos também o problema de consumo de drogas. Falo do álcool e de outras substâncias. A prostituição também é um problema. Temos pessoas que vivem numa situação de pobreza extrema.

Choca qualquer um a visualização sistemática do sofrimento dos nossos vizinhos quando chove. Há famílias que vivem literalmente debaixo das águas. O que se torna mais doloroso pelo facto de crianças também passarem por isso. Há pessoas que sempre que chove vivem debaixo das águas. Há casas precárias dentro do bairro. Por isso vimos a necessidade de tentar minimizar o impacto negativo que as chuvas causam.

Por outro lado, lutamos contra o desemprego ligado à fraca capacidade técnica profissionais dos jovens para facilmente acederem ao mercado do trabalho. Na área da formação temos apostado fortemente na formação profissional para responder aos problemas do bairro. Basicamente, estes são os problemas que identificámos e de forma organizada temos atacado gradualmente.

O descaso do Município de Maputo

(@V) – Sabemos que fazem, de 15 em 15 dias, a limpeza das valas de drenagem no bairro. Qual é o ponto de situação?

(LJM) – Temos o grupo de saneamento a nível comunitário, o qual é composto por 120 jovens do bairro da Mafalala. Periodicamente, organizávamos jornadas de limpeza das valas. Parámos, neste momento, de fazer a limpeza como forma de reivindicar a colaboração do município. Isto porque fazemos o trabalho, mas não temos capacidade de recolher os resíduos sólidos e levá-los para a lixeira.

(@V) – É um trabalho literalmente inglório. O que ganham ao tirar das valas algo que depois tem de ficar ao lado das valas sem ser recolhido?

(LJM) – Esse é que é o calcanhar de Aquiles, uma vez que sempre que chove o lixo volta a entrar nas valas. Nós não estamos para fazer ‘marracuenadas’ como se costuma dizer. Estamos para fazer um trabalho que resulte. Aquilo não é eficaz porque o município diz que não reúne capacidade para recolher o lixo que tiramos das valas para a lixeira de Hulene. Fica tudo ali. Não temos capacidade para remover, com pás e carrinhas é impossível.

(@V) – Os residentes do bairro pagam impostos. O que pensam dessa incapacidade do município?

(LJM) – Nós acreditamos que se trata de fuga da responsabilidade. A primeira coisa é que as Nações Unidas construíram aquelas valas através de um programa em parceira com o município. Nessa altura foi criado um sistema de drenagem operacional que funciona, entre parêntesis. Portanto, o dever do município é zelar pela sua manutenção. Eu convido o repórter para sentar dois minutos em qualquer esquina do bairro agora que choveu para sentir a força dos mosquitos naquele espaço. Não consegues ficar. A zona está cheia de mosquitos. Eu pergunto: como resolver problemas de saúde se não criamos um ambiente saudável?

(@V) – Pela sua natureza, Mafalala é um bairro propenso ao surgimento de mosquitos. No entanto, no entender da ACAM, essa profusão é agravada pelo descaso do município?

(LJM) – Exacto. Já propusemos ao município que o nosso trabalho seria o de retirar o lixo das valas, mas eles não cumpriram com o acordado. Tivemos um financiamento da embaixada da Holanda para o saneamento do meio. Nesse âmbito a ACAM fazia as jornadas de limpeza, e conseguíamos pagar o combustível para os tractores que vinham recolher o lixo. O Departamento de Água e Saneamento sempre colocou a incapacidade de meios para efectuar o trabalho.

Ou seja, tinha viaturas, mas não reunia meios financeiros para adquirir o combustível. Nós ainda temos o equipamento com o qual fazíamos a limpezas Quando terminou a vigência do projecto, sugerimos que o município disponibilizasse viaturas e leite e nós entrávamos com voluntários, mas isso não aconteceu. Por essa razão deixámos de fazer esse trabalho.

Até porque não é nossa responsabilidade, uma vez que os cidadãos pagam impostos e isso é uma obrigação do município e do Ministério da Saúde através das direcções distritais e da cidade garantir que possamos viver num ambiente são.

(@V) – Como é viver nesse cenário?

(LJM) – É insuportável actualmente estar sentado na Mafalala. Não sabemos se o Ministério da Saúde já não tem dinheiro para manter as brigadas de pulverização devido à crise. Estamos a passar mal. Temos de dormir dentro das redes mosquiteiras para sobreviver. Penso que o índice de malária no bairro vai aumentar drasticamente. Essa situação provocada pelo município fez com que mudássemos de foco, uma vez que não vale a pena remar contra um mal sem suporte. Vamos olhar para outro tipo de problemas. Até porque este é profundamente colocado de lado por parte das autoridades competentes.

Vamos prestar cuidados domiciliários a pessoas necessitadas. Doenças crónicas como HIV têm aumentado. Portanto, é preciso olhar por estas pessoas. Muitas dessas pessoas não têm acesso à alimentação e tomam medicamentos muito fortes. É preciso prestar-lhes atenção e permitir que possam viver mais.

Houve um caso de uma mãe que tinha três filhas seropositivas e acabou por ficar infectada. Ela lavava as feridas das filhas com as mãos desprotegidas. Essa é a nossa preocupação e, para evitar que casos do género se repitam, temos de ensinar as pessoas.

Ensinar as pessoas a ganharem dinheiro

(@V) – As vossas actividades beneficiam apenas os jovens da Mafalala?

(LJM) – Não. Também as zonas circunvizinhas. Porém, a nossa prioridade é o bairro. O nosso centro de formação, por exemplo, devido à exiguidade de espaço, não se encontra no bairro. Apenas a carpintaria fica no bairro. O resto fica na Escola Comunitária da Munhuana. Muitas vezes quem faz o corte e costura são pessoas que residem no Alto-Maé e na Malanga.

(@V) – A vossa carpintaria gera rendas?

(LJM) – Temos uma relação com a igreja católica e, por via disso, fazemos a manutenção das carteiras da escola Santa Ana da Munhuana. Por outro lado, a maior parte dos objectos que a gente faz é comercializada. Isto porque a madeira custa muito dinheiro e não podemos desperdiçar.

(@V) – Basicamente, o que as pessoas aprendem?

(LJM) – As pessoas aprendem a fazer molduras para fotografias, portas, janelas, camas, cadeiras, mesas, etc.

(@V) – Quantas pessoas beneficiaram da formação e já estão a ganhar dinheiro por via disso?

(LJM) – Podemos assegurar que nós apoiámos o primeiro grupo, de 12 pessoas, na abertura de uma sucursal no bairro do Zimpeto. Esses já têm a sua própria carpintaria. No corte e costura temos um grupo de senhoras que terminou e já criou a sua cooperativa. Com o nosso apoio fazem uniformes para as escolas ligadas à igreja. Existe sempre a possibilidade de terem serviço nesse espaço onde estamos inseridos. O pessoal de informática faz cartões-de- -visitas, convites, etc.

(@V) – Há esperança para os jovens da Mafalala?

(Mutombene) – Nós temos uma parceira que é a associação IVERCA que trabalha com o turismo. Alguns jovens que trabalham na nossa associação não são como voluntários, mas começaram como tal. Temos um apoio institucional para funcionar e o nosso staff é assalariado. Temos o centro social e o pessoal que lá trabalha é pago. Muitos jovens da nossa parceira, a IVERCA, foram recrutados através da ACAM e estão hoje a trabalhar como guias turísticos.

Os jovens, pelo menos, contam com salário e isso é benéfico. Isso ajuda muitas famílias a gerar rendas. Na área do desporto temos treinadores de futebol que são pagos para lidar com a formação das crianças. Nós já trabalhámos com o Munhuanense Azar e pagávamos alguns treinadores dessa colectividade. Algumas equipas de formação da Associação Académica estavam sob nossa responsabilidade. Uma das nossas missões é identificar talentos nos torneios e encaminhá-los para os clubes.

No primeiro ano dos atletas nós suportamos todos custos operacionais, incluindo equipamentos. Porém, no âmbito comunitário, existe um grupo de treinadores que identifica e treina os miúdos até a sua afectação no futebol federado. Actualmente na Mafalala existem duas equipas, uma masculina e outra feminina, que estão a ser orientadas por treinadores a quem nós pagamos.

Requalificação

(@V) – E a requalificação da Mafalala?

(LJM) – As pessoas dizem que Moçambique é uma terra muito pobre, mas nós não somos pobres, somos uma terra empobrecida. Chamanculo e Mafalala estão na lista para serem requalificados. Contudo, o presidente do Conselho Municipal veio a público dizer que não é possível fazer a requalificação desses bairros devido aos custos operacionais. Não sabemos se a dita requalificação significa implantar infra-estruturas sociais ou tirar as pessoas e colocá-las numa outra zona. Acho que não existe capacidade. O que poderíamos sugerir é apostar em construções verticais. O nosso pensamento é que o rés-do-chão deve pertencer aos moradores. Não nos podem tirar para dar o espaço aos chineses. Que nos deixem no lugar onde enterrámos as nossas raízes. Essa é a opinião das pessoas do nosso bairro.

Vitórias

(@V) – Quais são as grandes vitórias da ACAM?

(LJM) – A nossa grande vitória, depois da nossa criação em 2007, é que estamos a poucos passos da auto-suficiência. Estamos a gerar receitas próprias, conseguimos afirmar-nos dentro do bairro, somos uma organização de referência e todos aqueles que pretendem intervir na Mafalala olham para nós como um interlocutor a ter em conta, tanto o Governo como as organizações de cooperação. O facto de termos a igreja como principal parceiro e termos o D. Chimoio como nosso patrono é uma vitória. Por outro lado, consideramos uma vitória o facto de termos conseguido financiamentos de longo prazo, o que nos garante trabalhar de forma folgada. As pessoas pobres do bairro olham para nós como um suporte em caso de necessidade. Só lamentamos o facto de não termos nenhum apoio do Governo nestes cinco anos.

(@V) – Qual é a maior frustração dos membros da ACAM?

(LJM) – A nossa maior frustração é falta de abertura das autoridades municipais e do Governo, falo dos ministérios da juventude, acção social e da saúde. Apesar de sermos um grupo de referência na comunidade e ao qual a governadora e o município recorrem quando precisam de material de limpeza para usar nos eventos que fazem no bairro, na altura de sermos ouvidos somos totalmente ignorados. Quando solicitamos financiamento através do Fundo de Apoio a Iniciativas Locais não nos apoiam.

Não percebemos como esse fundo funciona e outras vezes dizem que já financiaram um projecto no bairro. A nossa meta agora é abrir um café Internet, mas infelizmente não foi possível sermos apoiados. O Pró-Jovem não existe, disseram que a cidade de Maputo tinha 19 milhões, mas os jovens que receberam apoios não levaram sequer um milhão. Onde está a outra parte do dinheiro e como é que nos dizem que não há dinheiro quando concorremos?

Falam de coisas, mas quando a gente procura inteirar-se descobre que os programas do Governo são fantasmas. Eles devem ensinar os jovens como submeter os projectos. Ninguém nos dá e depois dizem que são fundos para jovens. Fui ao município pedir os termos de referência e até hoje ainda não enviaram. Vais à comunidade e dizem que só podes encontrar na administração. Na administração remetem-te ao município.

“O posto médico é um ganho”

(@V) – Quais são as prioridades nesse rol de problemas?

(LJM) – Bem, por sorte conseguimos ter um centro comunitário onde temos um espaço no qual funciona a nossa associação. O centro resultou do apoio que tivemos da igreja católica e da cooperação holandesa.

Contudo, para responder aos problemas ligados à estrutura urbana ou habitação, uma vez que sabemos que as pessoas não têm a possibilidade de ter um lugar condigno para realizar eventos como casamentos, festas de aniversários e baptismos, usamos esse espaço como referência para os residentes do bairro.

O local é alugado a preços muito baixos. Não podemos ceder de graça. Não temos, como é óbvio, a capacidade de construir habitação para os residentes, mas conseguimos disponibilizar o espaço para os episódios marcantes das suas vidas.

Por outro lado, a ACAM apoiou na construção e implantação de um posto médico no bairro da Mafalala. Isso evita que os residentes tenham de se deslocar aos grandes hospitais onde contribuiriam para as longas filas. Por causa de uma febre, dor de cabeça ou uma simples tosse, as pessoas deixaram de correr para os hospitais. Isso é um ganho.

(@V) – O posto médico foi totalmente construído pela ACAM?

(Mutombene) – O posto médico era um espaço que outrora funcionou como albergue de idosos da igreja Santa Ana da Munhuana. Nós apenas reaproveitamos o espaço e implantámos em parte da infra-estrutura o posto médico sob a tutela do MISAU. Ainda no mesmo espaço pretendemos criar um centro infantário.

Um infantário e o microcrédito como respostas

(@V) – Um centro infantário é uma necessidade do bairro?

(Mutombene) – É. Muitos jovens no bairro dedicam o seu tempo ao trabalho. Ou seja, fazem alguma coisa para ter dinheiro para sustentar os que de si dependem. Isso faz com que as crianças sejam colocadas em segundo plano. Uns vão aos mercados com as mães e outros, no caso de os responsáveis trabalharem em locais distantes, crescem ao deus-dará. Para resolver esse problema temos de criar essa espaço, sobretudo para minimizar as dificuldades das mulheres. No bairro, grande parte das mulheres engravida cedo e um centro dessa natureza pode significar uma grande ajuda. Temos mães solteiras que precisam deste tipo de apoios porque as famílias furtaram-se dessa responsabilidade. Por isso pensamos, num acordo com a igreja, num programa de geração de renda para que elas sobrevivam e não encontrem na prostituição um tubo de escape para os problemas do dia-a-dia. Nós vamos ensinar as mulheres a gerirem. Estamos, neste momento, a implantar uma estrutura de microcrédito na nossa organização, que vai funcionar a partir deste ano. Ainda estamos na fase de organização dos critérios de selecção.

Prostituição

(@V) – Como é que combatem a prostituição no bairro?

(Mutombene) – Grande parte dos nossos membros, no passado, fez parte de outras organizações e, nessa altura, o grupo-alvo eram as trabalhadoras do sexo.

Um dos estudos que fizemos na cidade de Maputo deu-nos a indicação de que a maior parte, sobretudo no que diz respeito à prostituição de rua, das trabalhadoras de sexo que frequentam a zona baixa da cidade são oriundas do bairro da Mafalala, depois Hulene e, por último, Maxaquene.

Agora que intervimos no comunidade pretendemos iniciar este projecto de formação em gestão de pequenos negócios porque as mulheres sustentam que optam pela prostituição por falta de alternativas ou de respostas ao desemprego.

Ou seja, o facto de serem mães solteiras ou terem encargos em relação à família empurra-as para a prostituição. Portanto, para minimizar este impacto, queremos oferecer alternativas às meninas mais novas. Elas têm de poder escolher entre abraçar a prostituição e sobreviver de forma honesta. Queremos que a prostituição deixe de ser uma alternativa. Obviamente que isso não é automático.

Há casos em que num ano uma mulher teve relações com mais de 300 homens. Se tivermos relações com seis mulheres num ano em algum momento o preservativo vai romper. Imagina mil homens! Sem contar que outros vêm com más intenções pelo facto de serem seropositivos. Isto é o que queremos impedir que se repita nestas raparigas. Há um ciclo vicioso que é preciso romper.

(@V) – Como?

Temos um centro de formação, onde ministramos informática, corte e costura, batique e carpintaria. Vamos iniciar ainda este ano outros cursos, como electricidade auto e serralharia. São cursos que acarretam muitos custos por causa do material e da energia.

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