Chama-se Mohamad Abdul Carimo, tem 30 anos de idade e é residente no bairro Eduardo Mondlane, na cidade de Pemba. Encontrámo-lo numa tarde de intenso calor a pedir esmola na praia do Wimbe, muito frequentada por turistas e pessoas que para lá se dirigem a fim de desfrutarem das belezas que a quarta maior baía do mundo oferece.
Pedir esmola é algo (que passou a ser) normal nas cidades, principalmente nos locais frequentados por turistas, como a praia de Wimbe. Muitos fazem-no para contornar as dificuldades que a vida urbana impõe, apesar de alguns terem capacidade para trabalhar.
Mas esse não é o caso de Mohamad Carimo: ele sofre de paralisia, doença que o apoquenta desde que veio ao mundo, no longínquo ano de 1981. Quando nasceu, os pais levaram-no ao hospital na esperança de ter uma solução para o problema do filho, mas os médicos foram categóricos na resposta: “A doença do vosso filho não tem cura”.
Foi o início de um pesadelo, por saber que ele não teria a mesma infância que os outros e que o seu futuro já estava traçado: viver sentado numa carrinha de rodas.
Mohamad não se queixa de ter passado por vicissitudes na sua infância e juventude, fora a defi ciência física com que foi/é obrigado a viver.
A vida começou a mostrar a verdadeira face (entenda-se difícil) quando os seus pais tiveram os primeiros sintomas da terceira idade.
À mãe foi diagnosticada trombose e ao pai problemas de vista. Foi aí que Mohamad teve de ser responsável não só por si, mas também pela família, constituída por seis elementos: os pais, a esposa, a filha e o primo, de 12 anos.
Devido à agressividade do mercado de emprego, aliada à sua condição física, Mohamad não teve outra alternativa senão passar a pedir esmola na Praia do Wimbe.
Não foi por acaso que ele escolheu aquele local. É que ele dista menos de 10 quilómetros da sua casa. Nessa altura, o obstáculo a transpor era a forma de lá chegar, visto que não tinha sequer uma carrinha de rodas. Para tal contou com a ajuda do seu primo, Sualé, de 12 anos, que até hoje o leva de e para casa todos os dias.
A sua actividade começa nas primeiras horas do dia, por volta das sete horas. Tem sido uma rotina difícil porque os cerca de 10 quilómetros que separam a casa da praia são de areal e a caminhada chega a levar uma hora. Sualé frequenta a 8ª classe e entra às 11 horas, por isso tem de levar Mohamad à praia e voltar à casa para se preparar para a escola. Só quando terminam as aulas é que ele vai buscar o primo à praia.
Agora que está de férias, Sualé tem estado o dia todo com ele. Quando o cansaço lhes bate à porta, é na sombra dos coqueiros que (ainda) formam a marginal da praia de Wimbe que os dois repousam, ao som das ondas do oceano.
Por dia, Mohamad (diz que) consegue ter entre 100 e 200 meticais, valor com que alimenta a sua família. “Tenho de comprar farinha de milho e outras coisas para que possam cozinhar. Quando não tenho dinheiro não se come”, conta.
A deficiência não o impede de sonhar…
Muitos deficientes têm-se auto-excluído da sociedade e, não raras vezes, levam uma vida sem esperança, pensando que a deficiência não lhes permite sonhar ou que não são capazes de fazer algo que permita que sejam vistos como úteis à sociedade.
Na condição em que se encontra e as dificuldades pelas quais tem de passar para viver, era normal que Mohamad não olhasse o futuro com esperança e deixasse o seu destino à mercê do Senhor, mas essa não foi a atitude dele perante o primeiro obstáculo que encontrou.
Apesar de a paralisia ter também afectado as mãos, ele conseguiu ir à escola e hoje encontra-se a frequentar 9ª classe na escola S.O.S de Wimbe, no curso nocturno. O seu sonho é continuar com os estudos e, claro, ter condições para tal.
“(Ainda) não sei o que fazer na universidade, mas tenho uma queda por letras. Se eu pudesse ter uma bolsa ficaria satisfeito”.
(Sobre)viver numa carrinha de rodas caindo aos pedaços
Para agravar o drama de Sualé, a carrinha de rodas através da qual se locomove está obsoleta. A mesma foi-lhe oferecida em 2008 por um turista por ver o quão difícil era o tipo de vida que este levava. Antes, Mohamad não se locomovia, e dependia de terceiros para fazer fosse o que fosse.
Com o andar do tempo a mesma foi-se estragando e a única solução era mandá-la à serralharia para protelar a sua obsolescência. Hoje, é como se a carrinha tivesse sido feita numa oficina de tantos e, de remendos que tem, nem segurança oferece.Uma coisa é certa: o terreno da zona em que ele vive não oferece condições para o uso de uma carrinha.
Vezes há que que os pneus se furam durante o trajecto casa-praia ou vice- -versa, o que acaba por sobrecarregar as contas de Mohamad, pois a sua reparação não custa menos que 50 meticais, valor muito acima das suas capacidades.
“Há dias em que tenho de fazer uma escolha: ou ficamos sem comer para mandar reparar a carrinha para poder ir pedir esmola, ou comemos e fico sem ter como chegar à praia para pedir esmola. Essa é a vida que levo”, desabafa.
Ele não tem acompanhamento médico alegadamente porque aprendeu a (con) viver com a defi ciência. “Conformei-me com a minha situação, o que eu não faço é resignar-me perante as dificuldades só porque sou defi ciente”.
Quando a ganância não se compadece com a desgraça alheia
Se a vida de Mohamad já é difícil, a mesma tornou-se mais ainda quando o secretário do bairro no qual vive pediu que eles abandonassem o terreno ou o adquirissem a 35 mil meticais, quantia quem nem em sonhos eles (Mohamad e a família) já cogitaram ter.
A história teve início quando começaram a aparecer turistas sul-africanos a demonstrar interesses em adquirir espaços naquela zona por esta se encontrar próxima ao mar.
“O terreno no qual estamos não é nosso e o dono diz que temos de sair. O nome dele é Sifa Nifa, é o secretário do bairro. Nem sei onde buscar esse valor”. Eles ocupam o terreno desde o ano 2004 e foi-lhes cedido pelas autoridades locais sem, no entanto, passar-lhes um título de propriedade que pudesse servir de prova de titularidade. Antes viviam na zona da Universidade Lúrio (Unilúrio).
A importância turística da zona e a ganância fizeram com que o secretário do bairro fizesse vista grossa à triste realidade que caracteriza Mohamad e a sua família.
“Estou disposto a fazer tudo para ter esse valor e comprar o espaço, os meus pais (já) dependem de mim. Ele (o secretário do bairro) sabe que eu não tenho condições para ter esse dinheiro, mas ele fez isso para, quando chegar a hora de nos expulsar, dizer que nos deu uma oportunidade”, conclui.
O que é paralisia
A paralisia é o estado ou situação de imobilidade, seja ela total ou parcial. Ela pode estar associada à poliomielite (vulgarmente conhecida por paralisia infantil), que é uma doença que paralisa completamente os músculos das pernas, impedindo a pessoa de andar.
A enfermidade é causada pelo mal funcionamento de algumas áreas do sistema nervoso central, que deixa de transmitir impulsos para a activação muscular. A sede do distúrbio pode estar nas células do encéfalo ou da medula, ou nos nervos que vão ao músculo.
A poliomielite é um tipo de paralisia em que os músculos se mostram relaxados e fracos cuja sede da perturbação está nos nervos a si ligados. O tratamento depende de exercícios, massagens, aplicações eléctricas, fisioterapia, dentre outros métodos.