Na catembe, domingo é um dia preguiçoso, de calções e chinelos. Até o sol, apesar de bem-disposto, começa o dia sem muito esforço. Afastei as cortinas mas apenas uma luz frouxa, abatida, se fez adentro. Réstias moles espreguiçavam entornando-se para a sala.
Os meus sofás estavam, como sempre, telespectadores incansáveis, a olhar para a TV desligada. Refastelei-me, e quando premi o power do controlo remoto, a TV pôs-se a conversar- -me noticiários.
Eram notícia as intervençõs militares dos donos do mundo, naqueles países em que crianças emagrecidas mais do que os ossos permitem arrastam-se num chão rachado de secura, disputando com moscas o próprio ranho.
Aviões invadindo o espaço aéreo bombardeavam alimentos. Choviam ogivas gigantescas que em contacto com o solo pipocavam e multiplicavam-se em milhares de pequenos sacos de alimentos indispensáveis.
Para aqueles lugares, que pareciam não alcançados por Deus, também se disparavam medicamentos e mísseis de longo alcance atravessavam os céus assobiando, desenhavam uma parábola decalcando o arco-íris e caíam no chão seco, sedento, explodindo água! E as pessoas, aquelas pessoas magras, com mais pele do que carne, sorriam. Eu também sorri. Desliguei a TV quando um dos meus filhos me disse:
– Papá, hoje é domingo, vamos passear? Puseram-se em trajes de passear e fomos até ao cais.
– Vamos de baleia? – Perguntaram.
– Não. Baleias são para longas viagens. Vamos de golfinhos – respondi-lhes.
E atravessámos Catembe-Maputo, aos saltos, no dorso animado de golfinhos, escoltados por esquadrilhas de gaivotas.
– Para onde vamos, papá?
– Jardim zoológico, meus filhos.
Desembarcámos dos golfinhos. Babando, um camelo ofereceu-nos táxi no txova-xita-duma do seu dorso mas eu preferi ir até a paragem, onde elefantes esperavam pelos seus passageiros. Um deles bramiu: “Benfica via Jardim!”
– Vamos! – Chamei os miúdos.
Enrolou-nos, um a um, com a tromba, e arrumou-nos no dorso enorme. Atravessou a cidade com passadas estrondosas, à velocidadde paquiderme. As acácias pareciam cumprimentá-lo em cada esquina e o algodão limpo das nuvens maquilhava as cicatrizes do tecto azul de ozono.
Na rua vê-se de tudo um pouco: pinguins em trajes de cerimónia circulavam apressados; uma macaca com macaquinhos às costas perseguindo o macaco, farta de lhe aturar as macacadas de galho em galho; no passeio, sentada, uma leoa cuidando dos leõezinhos irrequietos vendia fruta e doces que comprei, enquanto o leão, preguiçoso, dormitava à sombra; cangurus aos saltos com as crias nas bolsas pareciam mamanas encapulanando filhos nas costas.
Num charco onde alguns bichos se refrescavam, um urso polar molhou-nos quando passou por nós sacudindo a pelugem; um hipopótamo, com um ar enjoado, bocejava e passarinhos banqueteavam-se com insectos no seu dorso; alguns flamingos encurtando a mini-saia da plumagem branca exibiam-se, dobrando a perna e balioçando sobre outra, fina e rosada…
Nas imediações do jardim zoológico gritei “paragem!”, e o paquiderme bramiu como se chiasse os seus travões. Levou a tromba ao dorso e, um a um, pôs-nos no chão. Entrámos para o jardim. Serpentes entrelaçadas faziam a vedação. Da bilheteira, uma zebra amável sorriu-nos.
– Olha, um cavalo.
– Não, filho. Quando um cavalo está de pijama chamam-se zebra.
O porteiro era um chimpazé, sonolento, coçando-se das pulgas.
– No jardim Zoológico há muitas espécies – disse eu aos miúdos –, vindas de toda a parte do Mundo.
As jardineiras tartarugas pacientemente comiam as folhas rasteiras do pátio e as girafas apanhavam as frescas folhas mais aéreas das árvores.
– Cuidado, não cheguem perto das jaulas. São perigosos – advertiu- nos um gorila que, de banana numa mão e vassoura noutra, limpava o jardim.
Acautelámo-nos, não nos aproximámos muito das jaulas. Passeámos pelo jardim zoológico e tivemos um domingo divertido, de jaula em jaula, conhecendo muitas espécies de políticos.