Falta de transparência nos megaprojectos, crónica corrupção na administração, antigos combatentes não desarmados, pobreza e desemprego são factores que ameaçam a paz em Moçambique, concluiu o primeiro relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP).
Adelino Buque, membro do fórum do MARP, questionou, durante a apresentação do relatório, na terça-feira, no Chimoio, Centro do país, se com os megaprojectos, sobretudo as minas de carvão, o cidadão “vai ganhar crateras e casas sem pilares?”, referindo-se às populações que foram retiradas dos seus locais de habitação.
“Há muita corrupção e violação de direitos. O professor viola direitos ao cobrar dinheiro para deixar passar o filho da enfermeira e esta, por sua vez, cobra uma sobretaxa ao professor pela assistência médica”, explicou Adelino Buque, citando o relatório.
O documento classifica os serviços públicos em Moçambique como deploráveis “por incompetência e ineficácia, corrupção, burocracia e fraca prestação de serviços”, aliados a pessoas inexperientes em funções cuja responsabilidade está muito além das suas capacidades.
Partidarização na função pública
Ainda neste domínio, o relatório critica o preenchimento de vagas na função pública com base na filiação partidária.
Aos membros da FRELIMO, no poder, é permitido organizar células do partido no local de trabalho, realizar reuniões durante as horas de expediente e contribuições financeiras ao partido usando canais oficiais para desconto directo nos salários, indica o relatório considerando a situação um desafio para a paz.
“A superlotação das cadeias pode atentar a paz. As pessoas estão lá ociosas, em que condições? O que conversam? Qual o seu plano depois de saírem da cadeia? Isso também periga a paz”, considerou Adelino Buque.
Discriminação entre desmobilizados
O relatório avança que o clima de paz é também afectado pelos programas inconclusivos de desmobilização e reabilitação, sobretudo dos desmobilizados da guerra civil, dos quais os soldados desmobilizados elegíveis (na sua maioria da FRELIMO) recebem subsídios.
Mas a maior parte dos desmobilizados da RENAMO, que não foi absorvida pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), foi ostensivamente excluída do pagamento dos subsídios, durante os 18 meses de reintegração social, após os Acordos Gerais de Paz em 1992, aponta o relatório.
Alguns progressos
Entretanto, o relatório reconhece progressos socioeconómicos, na área de educação, saúde e na gestão das finanças públicas, fortalecimento do ambiente de negócios, citando exemplos de crescimento nas infra-estruturas educacionais e sanitárias que quase duplicaram desde 2003.
O relatório avança que Moçambique assinalou progressos- recorde na promoção da igualdade do género e protecção dos direitos da mulher, nos quais apenas perde para o Ruanda e África do Sul.
“As mulheres ainda são sujeitas a uma discriminação e marginalização social considerável. A violência doméstica baseada no género é muito comum e o tráfico de mulheres é um perigo significante”, refere, no entanto, o documento de 730 páginas.