O dirigente interino da Líbia deu um prazo de quatro dias nesta terça-feira às forças leais ao líder deposto, Muammar Khaddafi, para que entreguem o controle das cidades ainda sob seu domínio, do contrário terão de enfrentar uma ação militar. Enquanto prossegue a caçada ao próprio Khaddafi, as novas autoridades líbias acusaram a vizinha Argélia de ato de agressão por ter recebido a mulher e três filhos dele, que se refugiaram no território argelino.
O Ministério de Relações Exteriores da Argélia informou que a mulher de Khaddafi, Safia, a sua filha Aisha e os seus filhos Hannibal e Mohammed entraram no país na manhã de segunda-feira, levando seus filhos. Isso provocou uma disputa diplomática num momento em que o conselho interino da Líbia se empenha para consolidar sua autoridade e tomar o controle de áreas ainda em mãos de forças leais a Khaddafi, notavelmente a cidade costeira de Sirte, a terra natal dele.
“Até sábado, se não houver indicações pacíficas para a implementação disto, decidiremos esta questão militarmente. Não desejamos fazer isso, mas não podemos esperar mais”, disse Mustafa Abdel Jalil, líder do conselho interino da Líbia, em entrevista à imprensa.
As forças anti-Khaddafi convergiram para Sirte partindo do oeste e do leste, mas interromperam seu avanço antes de lançar um ataque total, na esperança de obter a rendição negociada da cidade. “A zero hora aproxima-se rapidamente”, declarou o porta-voz militar, Coronel Ahmed Bani, em entrevista à imprensa em Benghazi, no leste. “Não estamos a negociar com o regime (de Khaddafi). Estamos a falar com os anciãos de várias tribos e afiliados”, disse ele, acrescentando que os grupos leais a Khaddafi estão se a sobrepor ao desejo da maioria dos civis de “unirem-se às áreas liberadas da Líbia livre”.
O paradeiro de Khaddafi é desconhecido desde que seus inimigos tomaram o seu quartel-general em Trípoli, em 23 de agosto, pondo fim a 42 anos de regime, depois de uma revolta de seis meses apoiada pela NATO e alguns Estados árabes.
KHADDAFI “FOI PARA SABHA”
A TV britânica Sky News informou — citando como fonte um jovem guarda-costas de Khamis, filho de Khaddafi — que o líder deposto permaneceu em Trípoli até sexta-feira e depois partiu para a cidade de Sabha, situada numa região desértica do sul do país. Segundo a emissora, o jovem de 17 anos, capturado pelas forças rebeldes, disse que KHaddafi se encontrou com Khamis, um temido comandante militar por volta de 1h30 de sexta-feira numa área de Trípoli que estava sob pesado ataque dos insurgentes. Khaddafi tinha ido de carro e logo depois chegou Aisha, segundo ele. Depois de uma rápida reunião, eles partiram em carros, afirmou o guarda-costas ao repórter da Sky, acrescentando que o seu oficial imediato havia dito a ele: “Eles foram para Sabha”.
Como Sirte, Sabha é um dos principais bastiões das forças pró-Khaddafi que ainda resistem ao avanço rebelde. Um porta-voz da NATO disse que os relatos de negociações sobre Sirte são encorajadores, mas afirmou que a aliança atlântica está a atacar os que se aproximam da cidade.
A NATO vem mantendo há cinco meses uma campanha de bombardeio contra as forças de Khaddafi. ” A nossa principal área de atenção é um corredor… (que conduz) para a margem leste de Sirte”, declarou o coronel Roland Lavoie. Alguns rebeldes disseram que Khamis Khaddafi e o ex-chefe da Inteligência Abdullah al-Senussi foram mortos em um confronto no sábado. Isso não foi confirmado pela NATO.
Mais forças do Conselho Nacional de Transição (CNT) estão a dirigir-se para Bani Walid, um reduto tribal de Khaddafi, situado 150 quilômetros a sudeste de Trípoli.
RELAÇÕES TENSAS COM A ARGÉLIA
Um porta-voz do CNT disse que os novos líderes vão procurar obter a extradição dos parentes de Khaddafi que estão na Argélia, o único dos países vizinhos à Líbia que não reconheceu o Conselho. Cerca de 60 países reconheceram o CNT como autoridade legítima da Líbia. Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul e Moçambique estão entre os que até o momento não o fizeram.
A aceitação da mulher, filhos e netos de Khaddafi irritou os novos líderes líbios, que querem que o autocrata deposto e seu entorno enfrentem a Justiça pelos anos de regime repressivo. O presidente do CNT, Abdel Jalil – que chegou a ser ministro da Justiça de Khaddafi – pediu que o governo da Argélia entregue todos os filhos de Khaddafi que estejam em sua lista de pessoas procuradas.
A Argélia opôs-se às sanções contra Khaddafi e à criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia. O país tem um governo autoritário que está preocupado com as revoltas árabes batendo perto de suas fronteiras.
Em Trípoli, uma visita a um complexo de edificações à beira-mar usado pelos filhos de Khaddafi e membros da elite do regime revelou uma vida de privilégio e opulência com a qual muitos líbios nem sequer podem sonhar. O chalé de Saadi Gaddafi estava repleto de roupas de estilistas, incluindo ternos não usados e cerca de 100 pares de sapatos. A casa de Aisha tinha 13 quartos e talheres em ouro.
Os combatentes anti-Khaddafi agora dormem nas camas dos ex-governantes, cujo quartel-general cercado de portões tem quadras de tênis, campos de futebol e restaurantes, além de magnífica vista do mar. Muitos líbios vibram com a queda de Gaddafi, após a derrubada dos dirigentes da Tunísia e do Egito, mas estão assombrados com as evidências de matanças em massa em Trípoli no momento em que suas forças combatiam os rebeldes.
Uma semana depois da deposição de Khaddafi, os 2 milhões de habitantes da capital continuam sem água corrente e eletricidade. Bancos, farmácias e muitas lojas permanecem fechados. Lixo e esgoto ainda se espalham pela cidade, apesar dos esforços de limpeza.
Um porta-voz do CNT disse que uma estação de bombeamento de água para Trípoli que fica na cidade de Sabha, controlada por forças pró-Khaddafi, foi danificada e ainda não está em seu controle, para os reparos. Um relatório de uma entidade humanitária da União Europeia afirmou que forças pró-Khaddafi em Sirte cortaram dois terços do suprimento de água para a capital.