A diferença entre o risco de uma mulher que vive num país pobre e uma que vive num país industrializado morrer durante a gestação ou o parto representa a maior desigualdade no mundo frente à morte, destacou nesta quinta-feira o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em relatório publicado em Johannesburgo.
As mulheres que vivem nos países menos avançados correm um risco 300 vezes maior do que as dos países industrializados de morrer por complicações ligadas à gestação ou ao parto. “Nenhuma outra taxa de mortalidade é tão grande em desigualdade”, indicou o Unicef no seu relatório anual dedicado em 2009 à saúde maternal e neonatal.
Assim, o risco de morte maternal numa vida inteira é de um em sete na Nigéria, contra um em 47.600 na Islândia. “É um dado assustador”, declarou a directora geral do Unicef, Ann M. Veneman, durante a apresentação.
Em média, 1.500 mulheres morrem a cada dia no mundo por causa da sua gravidez, ou seja, meio milhão por ano, e 95% destas mortes são em África ou na Ásia. Um quarto destas mulheres morre de hemorragias, 15% de infecções, 13% de complicações ligadas a um aborto, 12% de eclampsia (desregulamentação do metabolismo caracterizada pela hipertensão e por convulsões) e 8% de obstrução no trabalho.
“E para cada mulher morta em parto, 20 outras sofrem de complicações decorrentes de sequelas duradouras”, lembrou Veneman, citando as fístulas que destroem os órgãos reprodutores para o resto da vida. As mortes de mães pesam sobre a mortalidade neonatal que ocorre no período durante o qual a criança é mais vulnerável, ou seja, os 28 dias após o nascimento.
“Aproximadamente 9,8 milhões de crianças de menos de cinco anos morrem a cada ano e 40% morrem durante os seus 28 primeiros dias. Muitas destas mortes são ligadas à saúde da mãe”, insistiu Veneman. “Os bebés cuja mãe morreu nas seis primeiras semanas de vida correm muito mais riscos de morrer antes dos dois anos do que os das mães que sobreviveram”, acrescentaram os autores do relatório. No Afeganistão, 75% dos bebs com mães mortas no parto não sobrevivem mais de um mês.
A taxa de mortalidade neonatal diminuiu 25% entre 1980 e 2000 no mundo, mas a um ritmo muito mais lento do que a mortalidade entre crianças de menos de cinco anos, que beneficiaram de programas em torno do ambiente médico (distribuição de mosquiteiros, vacinação, etc.), enquanto os problemas dos recém-nascidos cabem geralmente à medicina pura.
Para lutar contra a mortalidade das mães e neonatal, o Unicef recomenda primeiro o reforço dos sistemas médicos. Aproximadamente 80% das mortes das mães podem ser evitadas se as mulheres tiverem acesso a cuidados de saúde primários ou obstétricos essenciais.
A agência recomenda ainda a adopção de “cuidados contínuos” com um acompanhamento regular das mulheres ao longo de sua vida em estruturas de fácil acesso.
“Da mesma forma é essencial formar pessoal médico, não somente cirurgiões cheios de diplomas, mas também parteiras (enfermeiras)”, acrescentou a diretora geral.
Além dos aspectos sanitários, o Unicef defende que se priorize “a promoção da capacidade de autonomia das mulheres, melhorando o seu acesso à educação e reduzindo as discriminações”. Uma mulher educada geralmente tem filhos mais tarde, enquanto o risco de morrer durante um parto é cinco vezes mais elevado para as menores de 15 anos do que para as de mais de 20 anos.
O Unicef lamenta também que “nos países em desenvolvimento, inúmeras mulheres não tenham direito à palavra nas decisões relativas às suas próprias necessidades em termos de saúde.” No Mali, em Burkina Faso ou na Nigéria, mais de 70% das mulheres dizem que os seus maridos tomam decisões por elas neste assunto.