Se há histórias tristes de contar, a de Frederico Francisco Muianga, de 24 anos de idade, é uma delas. O jovem foi vítima de um assalto no bairro T3, numa noite que lembra ser a de 17 de Junho de 2010.
O que mete dó não é necessariamente o assalto em si, que isso é normal num bairro que nos últimos anos ganhou notoriedade mediática pelo crime. Um telemóvel novo, uma carteira contendo documentos de identificação, cartão de banco e 1500 meticais que cinco jovens mascarados sacaram das mãos de Frederico, é “pouca” coisa para motivar uma reportagem numa cidade onde a noite é sinónimo de insegurança.
Na verdade, a notícia está naquilo que se seguiu à usurpação dos bens de Frederico. O jovem ficou com os seus membros atados e sofreu rudes golpes na cabeça. “Eles bateram-me com um ferro”, lembrou em declarações à nossa equipa de reportagem.
Depois da agressão, os malfeitores atiraram o corpo inerte de Frederico para um lugar baldio e sem iluminação. O jovem jorrava sangue, não se aguentava e estava irreconhecível.
Num bairro onde reina a desconfiança, o jovem só podia ser socorrido por um familiar ou outra pessoa próxima. Essa é a razão de ter permanecido no local das 20 horas até às 7 horas da manhã do dia seguinte. Os transeuntes que o viam, longe de pensar que se tratava de uma vítima de crime de sangue, julgavam que fosse um “ladrão” flagrado e torturado pela população.
O socorro veio pela mão da mãe, Clementina Cala. Primeiro levou o filho ao Centro de Saúde de Ndhlavela. Com o corpo todo ensanguentado, o jovem recebeu os primeiros socorros. Mas o estado clínico recomendava outros cuidados, num hospital com mais e melhores meios. A transferência foi para o Hospital Central de Maputo. Depois de permanecer cerca de 10 horas de tempo no maior hospital do país, Frederico entra na enfermaria às 20 horas.
A primeira constatação foi a de que o jovem tinha perdido muito sangue e corria risco devida. Na verdade, isso era verificável a olhos desarmados, lembra a mãe.
Estado de coma
No HCM, a primeira intervenção médica foi manter Frederico em estado de coma induzido. Foi nesse estado que passou aproximadamente três meses naquela unidade hospitalar. Foram cerca de 90 dias em que o jovem permaneceu desvinculado dos seus órgãos dos sentidos.
Algumas actividades biológicas ficaram condicionadas. “Urinava através de um tubo que tinha sido introduzido nos meus rins, o mesmo recurso era usado para eu poder comer”.
Três meses depois, voltou à consciência. Mas teve que permanecer internado por mais dois meses. O estado clínico a isso recomendava. A retirada dos tubos denuncia uma outra complicação: a urina era de cor amarela e saía em quantidades muito reduzidas. Nova intervenção médica: “fizeram-me uma operação na bexiga e constataram que eu tinha muita urina acumulada”.
Foi necessária a reintrodução de tubos para que a urina saísse normalmente.“Com o tubo, a minha urina sai normalmente, mas é um pouco difícil deslocar-me com ele no corpo, quando faço movimentos a ferida dói”, conta, indicando que “para evitar isso ato o tubo com um cinto junto às calças”.
O medo é maior
Em Maio último, Frederico Muianga devia voltar ao HCM para a retirada definitiva do tubo. Não cumpriu com a recomendação médica temendo que isso pudesse causar de novo o problema de acumulação de urina na bexiga.
Até aqui ele ignora as consequências directas da sua decisão. Por enquanto depara com outros problemas: o lado esquerdo do corpo funciona com limitações, desde a cabeça até aos membros inferiores. No assalto perdeu os bens e em troca adquiriu uma deficiência física. Mas Frederico só pode conformar-se.
“A minha vida tem sido normal, tenho recebido carinhos e encorajamento por parte dos meus pais e alguns amigos”, contou. Lamenta o “desaparecimento” da namorada. Facto curioso é que o jovem sofreu o assalto a caminho da casa, depois de ter acompanhado a namorada.
Quem o ouve pode pensar que conseguiu superar tudo com desembaraço, mas na realidade não lhe é fácil falar do que aconteceu, embora nunca perca a compostura. Confessa que, quando a namorada o abandonou, se sentiu “vazio”. “Nem parece que quase perdia a vida por ela”, conta.
Seguiu-se “uma revolta muito grande e uma sensação de injustiça. Afinal, a namorada foi uma pessoa que Frederico amou profundamente. No namoro, antes do sucedido, tudo corria “normalmente”. “Ela também dizia que me amava. Portanto, nada fazia prever aquele desfecho”.
“Agradeço o gesto dos meus patrões”
Frederico Muianga é trabalhador da Sociedade Moçambicana de Electricidade (SME) há quatro anos. “A empresa compreendeu a minha situação e ajudou-me bastante”, disse, acrescentando que parte do seu salário era canalizada para o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
Para além disso, a empresa decidiu aumentar o seu salário. “Antes recebia 2.750,00 meticais, mas depois que retornei ao trabalho aumentaram- me para 3.100 meticais”, contou, esboçando um sorriso.
Porque Frederico ficou debilitado, na empresa ocupa-se de trabalhos “leves”. Já não pode fazer instalações a grandes alturas, nem pode carregar ferramentas pesadas.
“Os meus patrões não me expulsaram porque viram que, antes de tudo isso acontecer, eu era um bom trabalhador, pontual e humilde”, justifi ca o bom tratamento.
Falta de transporte agrava a situação
Num passado recente, a sua empresa disponibilizava transporte para os trabalhadores. Nessa altura chegar cedo ao serviço era relativamente fácil. “Agora a situação é outra, para chegar ao serviço às 7h:30 tenho de sair de casa às 5 horas para evitar empurrões na hora de tomar o transporte”.
Mas para regressar a casa, Frederico tem de permanecer na paragem horas a fio, na expectativa de ver o número de pessoas diminuir para apanhar o transporte sem as habituais confusões.
Os pais
Francisco Muianga e Clementina Cala são os pais de Frederico. Foram eles que acompanharam toda a história que marcou a juventude do seu filho. Hoje, tornaram-se os melhores amigos do filho.
“Fiquei bastante chocada quando vi o meu filho naquelas condições”, palavras da mãe lembrando o estado em que viu o filho depois do assalto. Naquela manhã, o pai estava de serviço. “Tive de ligar para ele e informá-lo de que o nosso filho tinha sido espancado violentamente na noite anterior” conta Clementina.
Hoje, vêm à memória da Clementina as humilhações que teve de suportar com o filho nos hospitais. Mas também há lembranças boas: para levar o filho ao hospital de Ndhlavela, teve a ajuda de um vizinho que disponibilizou a sua viatura.
Complicações
Por mais que não queira, Frederico será obrigado a tirar o tubo. Ou seja, o organismo não reconhece o tubo pelo qual urina como parte de si. Isso poderá trazer complicações no futuro. A ferida pode cicatrizar, mas as infecções recorrentes serão uma realidade na vida de Frederico. Ficar com o tubo, diz um médico ouvido pelo @ Verdade, é tomar uma opção: “correr risco de vida”.