Sofrer como um trabalhador, fazer contas para chegar ao final do mês, estar a um passo do precipício e resgatar a felicidade com a crença de uma dona de casa que com sobras de mesas abastadas faz a refeição mais gostosa para os seus. E assim o Ferroviário de Maputo interrompe um ciclo tenebroso de dois jogos sem triunfar.
Numa vitória arrancada a ferros, o que mais surpreende é, de facto, a tendência dos locomotivas pela autoflagelação e a timidez de um Costa do Sol que tinha a obrigação de ser mais acutilante quando o Ferroviário estava de rastos. Os primeiros encontraram prazer onde muitos vêem loucura e desatino, os segundos perderam-se numa introversão difícil de perceber para quem quer lutar pelo título.
Filme de jogo
Não basta ser vistoso, é preciso marcar golos. Conclusão, bem antiga aliás, que o Costa do Sol deve retirar do encontro com o Ferroviário de Maputo. Apesar da boa circulação de bola, da significativa melhoria da exibição em relação à jornada passada e das várias situações de perigo criadas na segunda parte, o resultado foi, de novo, desolador. Nova derrota frente aos locomotivas, esta com direito a descida na tabela classificativa. O pragmático Ferroviário não precisou de mostrar grande futebol para vencer (2-1) e não deixar o Maxaquene distanciar-se ainda mais no topo da tabela.
Momento de inspiração acontece…
Depois de ter sido francamente infeliz na forma como sofreu o primeiro golo frente ao Ferroviário (remate do meio da rua de Whisky), o Costa do Sol voltou a revelar erros defensivos graves. Mas não foi de um erro defensivo que nasceu o primeiro golo do jogo. Uma bola bombeada na defensiva canarinha foi parar nos pés de Whisky que, sem a deixar cair, rematou para o fundo da baliza de Abú.
Um verdadeiro momento de inspiração. O golo coroava a melhor entrada dos locomotivas, face a um Costa de Sol apático e que tardava em assentar o seu jogo. Depois do golo, o Ferroviário não foi capaz de aproveitar o desnorte dos canarinhos. Aos poucos, o Costa do Sol foi crescendo e, ainda no primeiro tempo, Babo deixou um aviso do que seria a etapa complementar.
Novo Costa do Sol
A toada do jogo mudou na segunda parte. O Costa do Sol começou o jogo no terreno dos locomotivas. Aliás, os canarinhos começaram logo por assustar num corte defeituoso de Chico em que a bola tabelou no corpo de Tó, mas Pinto estava atento. Nessa altura, o Ferroviário era uma equipa a querer segurar a vantagem mínima. Mas fez isso da pior forma: baixando a zona de pressão. Deste modo, a equipa de Chiquinho Conde conseguiu espicaçar os canarinhos que passaram a acreditar em outro resultado.
David Mandigora, a perder, trocou Cheese e Babo por Jordão e David. Decisão acertada. Até porque foi com estes dois jogadores em campo que o Costa do Sol chegou ao golo do empate. Dito aproveitou o corredor aberto no lado direito, pela movimentação de Rúben para o interior do terreno, galgou e cruzou com conta, peso e medida para Mambo, qual ponta de lança, bater Pinto.
Balde de água fria
O Ferroviário, sublinhe-se, continuou encolhido no terreno e só com passes longos saía da baliza à guarda de Pinto. O Costa do Sol jogava no meio campo locomotiva mas não criava verdadeiras situações de perigo. Se o Ferroviário não queria perder, o Costa do Sol também não queria ganhar. Esse era o acordo tácito entre os 22 jogadores.
Até que Sonito, entrou aos 61 minutos, sem esforço nenhum, como qualquer sindicalista que vive do suor dos outros, decidiu quebrar o acordo com um golo que, registe-se, apareceu de surpresa e matou as aspirações canarinhas. Nessa altura, já o Maxaquene e a Liga Muçulmana venciam o Sporting e o Desportivo, pelo que três pontos agradavam aos locomotivas. Aliás, se o golo de Whisky foi um espectáculo, o remate de Sonito foi um golpe forte e certeiro. A machadada final.