Afonso Dhlakama, líder da RENAMO, ameaçou adoptar “posições de força” se até 30 de Maio a FRELIMO e o regime não atenderem as reivindicações apresentadas pelos seus representantes nas conversações bilaterais, em curso, destinadas a resolver alegadas pendências na aplicação do AGP (Acordo Geral de Paz), celebrado em 1992.
A advertência ocorreu numa reunião restrita de Dhlakama com quadros da RENAMO e principais responsáveis do corpo de segurança a que está cometida a tarefa da sua protecção individual. A reunião teve lugar em Nampula, para onde Afonso Dhlakama se retirou após as últimas eleições, e aí se mantém confinado.
De acordo com um relato fiável do inside da reunião, Dhlakama falou num tom de voz alterado. Repisou pontos de vista como o de que a FRELIMO não cumpriu a sua parte na implementação efectiva do AGP; atribuiu tal evidência a “maquinações” que considerou próprias da natureza e métodos antigos do partido que governa Moçambique desde a independência do país, já lá vão 36 anos.
Entre as “manobras” que apontou na conduta do partido FRELIMO como parceiro da RENAMO no AGP, enfatizou a partidarização do Estado e a prática de actos fraudulentos nos sucessivos processos eleitorais. Chamou a ambos os fenómenos “desvios” na implantação da democracia e da paz , que à RENAMO cabe agora regenerar.
Noutras ocasiões, nomeadamente no rescaldo de eleições cujos resultados desfavoráveis à RENAMO e a si próprio contestou, considerandoos fraudulentos, Dhlakama já fizera ameaças veladas ou explícitas de recurso à força como via para atender a interesses considerados legítimos.
Mas foram sempre inconsequentes. Desta feita, a intervenção de Dhlakama, associada pelo próprio a recomendações e pressões dos seus antigos generais, foi considerada menos teatral que as anteriores. Além da afirmação segundo a qual “é necessário devolver a paz e a democracia a Moçambique”, apontou também o objectivo de “restaurar a dignidade da RENAMO”.
2. A aludida reunião de Dhlakama ocorreu no contexto de múltiplas iniciativas da RENAMO (activismo considerado contrastante com o anterior estado de letargia do partido), vem promovendo desde há cerca de duas semanas em todo o país.
A FRELIMO e o regime acompanham tal realidade com especial atenção. Apesar do carácter dito convincente das ameaças de Dhlakama, a interpretação que prevalece é a de que as mesmas não significam iminência de actos sediciosos; representam, sim, uma forma de pressão política da RENAMO ajustada a circunstâncias internas e externas consideradas propícias.
O propósito de tais pressões, que podem evoluir para manifestações populares de protesto, é supostamente o de forçar a FRELIMO a enveredar por uma política de reformas e mudanças em “justo benefício” da RENAMO – como condição para uma coexistência entre ambos os partidos e esta com condição de estabilidade interna.
Em meios da RENAMO há a mesma convicção de que é possível levar a FRELIMO a aceitar a realização de novas eleições – sob pressão do argumento de que as últimas foram fraudulentas (Cm N 3559, pág. 2). Conjectura-se que a FRELIMO está fragilizada – por temor de efeitos do descontentamento interno latente e da conjuntura de mudanças em África.
Num ambiente isento de irregularidades, a RENAMO julga poder ganhar as eleições ou, no mínimo, obter um resultado capaz de dar lugar a uma partilha do poder. O seu argumento de que as anteriores eleições não foram transparentes é reforçado por avaliações coincidentes de organizações internacionais.
3. Em fins de 2010 Afonso Dhlakama fez o seu primeiro aparecimento em público depois do isolamento a que se remetera em Nampula. A dimensão considerada “gigantesca” do comício então realizado levou os analistas a reapreciarem ilações anteriores segundo as quais o líder da RENAMO estava “gasto”.
Afonso Dhlakama retirouse para Nampula no seguimento do resultado considerado humilhante, para o próprio e para a RENAMO, das eleições legislativas e presidenciais de 2009. Concluiuse que o facto de ter contestado o resultado eleitoral e de a sua retirada de Maputo ter sido vista como sinal de inconformação continuada, manteve intacta a sua aura.
A tónica da sua intervenção no referido comício foi a questão das desigualdades sociais, com enfoque especial no alastramento da pobreza e no predomínio social e político das tribos do Sul, mais conotadas com o regime, sobre as do Centro e Norte – estas descritas como marginalizadas. Afonso Dhlakama é ndau, do distrito de Chibabava, província de Sofala, Centro de Moçambique.