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Tsandzane: o sapateiro do Museu da Revolução

Tsandzane: o sapateiro do Museu da Revolução

É um homem batalhador que acredita num futuro promissor. Manuel Joaquim Tsandzane, de 32 anos de idade, combina as ambições pessoais com a persistência. Sonho? Nada menos do que construir uma barraca e fazer prosperar o seu negócio no espaço que explora.

Encontrámo-lo no Museu da Revolução, na esquina entre as avenidas 24 de Julho e Romão Fernandes Farinha, onde exerce a profi ssão de sapateiro desde 1997, depois de abandonar a actividade de engraxador de sapatos, que praticou lá para os anos ‘94, alegadamente porque não dava lucro. “Já engraxei um pouco de tudo, desde sapatos simples a botas de gente importante, mas não ganhava grande coisa. Por isso decidi abandonar”, conta.

Pai de dois filhos, Tsandzane vive com a esposa e os petizes no bairro da Mafalala e depende do dinheiro que ganha na pequena ofi cina para custear as despesas domésticas, bem como para pagar a educação dos filhos que frequentam o ensino primário.Como foi parar no Museu da Revolução? O sapateiro explica que tudo tem a ver com o facto de a esquina ser um local estratégico.

“O movimento de clientes por aqui é maior. Tenho-os de diversos cantos. Há os que saem da cidade e os que provêm dos bairros suburbanos e todos apreciam o meu bom trabalho”, conta orgulhoso. Em ‘98, conta, engraxou os sapatos do exministro das pescas, Cadamiel Mutemba.

Trabalhar sem ajudante para conter os gastos

Nestes dias em que tudo é feito para conter os gastos, Tsandzane não foge à regra e confessou ao @Verdade que desde que abraçou a profi ssão nunca trabalhou com um ajudante. “Até porque nos últimos dias pensei em arranjar, mas não há dinheiro para pagar. A vida está cara”. Para si, além de ser dispendioso, um ajudante traz mais responsabilidades, pois tudo é assumido pelo mestre.

“Se ele não consertar como deve ser o sapato do cliente, quem deverá responder pelos erros serei eu”, diz. Mas, a desculpa não para por aí ou não fosse, diz, a nova geração agitada pela avidez com que procura dinheiro fácil prejudicando, desse modo, um trabalho honesto e responsável. Ou seja, Tsandzane não tem fé nos jovens e, para manter os clientes, prefere vê-los longe do seu negócio.

Em média ganha entre 300 e 500 meticais por dia. As segundas e quintas-feiras são dias de bonança, segundo ele, porque, no início da semana, há mais pessoas a querer um calçado apresentável para os dias úteis que começam e, nas vésperas do fim-de-semana, o motivo é outro: garantir o bom estado dos sapatos, assim podem atravessar o descanso semanal sem sobressaltos.

Pequeno, grande negócio

À primeira vista, o negócio de Tsandzane parece algo insignifi cante, mas durante 15 anos como sapateiro, conta que já fez muita coisa à custa daquela actividade. Primeiramente, o dinheiro ganho era aplicado no pagamento da renda de casa, mas, algum tempo depois, o proprietário decidiu vendê-la. O anúncio da venda fez com que Tsandzane guardasse os lucros para adquirir a casa. Dito e feito, pagou 25 mil meticais adiantados para a compra do imóvel e o resto foi saldando aos pouco até liquidar a dívida.

O sapateiro do Museu da Revolução conta que faz parte de um grupo de 11 irmãos, dos quais alguns emigraram para a vizinha África do Sul, em busca de melhores condições de vida. Uma aventura que não lhe rimou nos ouvidos. Tsandzane preferiu ficar aqui sem se deixar embriagar pelos sonhos de vida próspera e fácil do outro lado da fronteira.

Não que não tenha pensado em ir, mas “também aqui podia construir uma vida digna. Quando o meu pai faleceu, nenhum deles estava presente, mas graças ao dinheiro da sapataria, consegui tratar das exéquias fúnebres”, conta com a tristeza vincada no seu rosto.

E, desengane-se quem pensa que Tsandzane caiu por acaso no ramo da sapataria. Segundo os seus relatos, quando o pai estava vivo, saíram de Maputo para viver em Gaza. Contudo, lá a coisa não lhes correu de feição. Decidiu voltar. Nessa altura começou a batalhar por um emprego formal.

Tentou de diversas formas e bateu inúmeras portas, mas apenas uma se abriu. Começou a trabalhar como empregado doméstico numa residência. No entanto, o emprego foi sol de pouca dura. O salário era magro e as relações com o patronato não eram as ideias. Tornou-se pedreiro porque não suportava o salário e o ambiente.

“Mas cedo percebi que aquele trabalho não me caía bem. Pareceu-me muito pesado, além de os biscates serem raros. Desisti e optei pela sapataria” conta. Apesar de ter aprendido cedo e ser uma actividade com que sempre simpatizou, Tsandzane diz que ninguém lhe ensinou a coser sapatos. “Tinha um vizinho sapateiro. Quando ele cosia, eu procurava fi xar os procedimentos. Sozinho fui treinando e decidi arranjar o meu espaço para prestar serviços do género ao público e já o faço há 15 anos com muito orgulho” .

Os entraves

Talvez Tsandzane fosse o homem mais feliz do mundo se o negócio lhe corresse sem sobresaltos. Mas, como é natural, isso não é possível. O jovem sapateiro não escapa à regra e muito menos às investidas da polícia municipal, seu principal entrave. “A minha grande difi culdade é a questão do espaço, já tentei submeter documentos ao Concelho Municipal da Cidade de Maputo, pedindo permissão para erguer um pequeno estabelecimento aqui, mas as autoridades municipais negaram o projecto”.

Fracassada a primeira tentativa, eis que pediu novamente ao município para criar um alpendre no local, mas este voltou a não permitir. “Se tivesse uma pequena cobertura, nos dias de sol ou chuva saberia como me proteger, mas infelizmente terei de aguentar os caprichos da natureza”, diz.

Segundo as posturas municipais, é proibido construir nos passeios, mas, apesar de saber disso, o jovem sapateiro da esquina do Museu da Revolução reitera que vai persistir até onde conseguir, pois são os seus sonhos que estão em causa. “Durante 15 anos nesta esquina, não me revejo noutra. Toda a minha vida está aqui e sair deste lugar implicaria perder o meu negócio. São muitos os clientes que conhecem esta esquina”, disse a terminar.

O Museu não revolucionou o meu negócio

Tsandzane lamenta a degradação do Jardim da Liberdade, vulgo base dos madgermanes, mas também agradece a chegada dos vendedores informais que ocuparam os passeios. A razão é simples: “eles vendem sapatos e muitas vezes as pessoas compram e precisam de engraxar por algum motivo.” Quanto ao estar à beira do Museu da Revolução Tsandzane diz que tal não lhe benefi cia em nada. Até porque pouca gente visitava o local. Por isso, “agora que fechou não afectou o meu negócio.”

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